"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/07/2023

Jurisprudência 2022 (219)


Custas de parte;
processo de execução


1. O sumário de RG 24/11/2022 (471/16.3T8VCT.3.G1) é o seguinte:

I - O credor de custas de parte que não sejam pagas voluntariamente, pode intentar acção executiva para pagamento das mesmas e o título executivo será compósito, sendo necessariamente composto pela sentença condenatória do devedor nas custas, nos termos do art.º 607.º n.º 6 do CPC, mas também pela nota discriminativa e justificativa - na medida em que é nesta que são discriminadas e justificadas as quantias que a parte tiver direito a receber, a mesma constituiu a liquidação da condenação em custas - se não for objecto de reclamação ou, sendo-o, também pela decisão que julgar a reclamação.

II - A tramitação da acção executiva para pagamento de custas de parte devidas a pessoas do sector privado rege-se pelas normas atinentes ao processo sumário.

III - Conhece da referida acção, o juízo de execução com jurisdição na área geográfica reportada, ou, não o havendo, o juízo local cível, ou o juízo de competência genérica respectivo, ou o juízo central cível se o valor da causa exceder €50 000.

IV – Sendo tramitada de forma autónoma, a secretaria, independentemente de despacho judicial, deve dar cumprimento ao disposto no art.º 85º n.º 2 do CPC.

V - Como determina o art.º 157º, n.º 6, do CPC, os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em caso algum, prejudicar as partes.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como se preceitua no art.º 3.º, n.º 1, do RCP, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

Em consonância com o que aí se preceitua, o n.º 1 do art.º 529.º do Cód. Proc. Civil, refere que as custas de parte são uma das vertentes das custas processuais e compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.

Ainda de forma conjugada com o art.º 26.º n.º 1 do RCP, aí se dispõe que as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, referindo-se, por sua vez, no n.º 1 do art.º 533.º do CPC, que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

Também de forma específica, preceitua-se no n.º 3 do art.º 533.º do mesmo diploma que as custas de parte são objecto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes, dispondo o art.º 25.º n.º 1 do RCP que até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser rectificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas. Nos 10 dias posteriores à notificação da nota discriminativa, a parte contrária pode reclamar da mesma – art.º 26.º-A do RCP - a qual é objecto de decisão judicial.

Assim, subsequentemente, o credor de custas de parte que não sejam pagas voluntariamente, pode intentar acção executiva para pagamento das mesmas e o título executivo será compósito, sendo necessariamente composto pela sentença condenatória do devedor nas custas, nos termos do art.º 607.º n.º 6 do CPC, mas também pela nota discriminativa e justificativa - na medida em que é nesta que são discriminadas e justificadas as quantias que a parte tiver direito a receber, a mesma constituiu a liquidação da condenação em custas - se não for objecto de reclamação ou, sendo-o, também pela decisão que julgar a reclamação (neste sentido Ac. da RC de 20/04/2016, processo 2417/07.0TBCBR-C.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc e Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 7ª edição, Gestlegal, pág.48).

Posto isto, há que considerar que a Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, veio introduzir um conjunto de alterações no Cód. Proc. Civil, na LOSJ e no RCP, com entrada em vigor 30 dias depois da sua publicação e aplicação às execuções intentadas depois da sua entrada em vigor, como resulta do seu art.º 11º, alterando o art.º 87º do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, quanto à competência para a execução das decisões relativas a custas, no sentido de eliminar essa referência quanto a decisões relativas a custas, bem como o que se dispunha no art.º 36.º, n.º 3, do RCP, onde se preceituava, no essencial, que quando a parte vencedora intentasse execução por custas de parte contra o responsável por custas, aquela seria apensada à execução por custas intentada pelo Ministério Público.

Daqui decorre que foram eliminadas as normas que previam que o tribunal competente para a execução por custas de parte era aquele em que tivesse corrido o processo no qual tivesse tido lugar a condenação em custas e que a referida execução corria por apenso ao referido processo.

Como tal, hoje não consta do Cód. Proc. Civil, qualquer norma que se refira expressis verbis ao tribunal competente para a execução por custas de parte (como, aliás, não existe actualmente qualquer norma que defina o tribunal competente para a execução por custas em geral).

Apenas no RCP se diz, no art. 35.º, n.º 4 e 5, respectivamente, que a execução por custas de parte se processa nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e que, sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil.

Ora, no n.º 1, do art.º 626.º do CPC, diz-nos, para o caso que agora nos interessa, que a execução da decisão judicial condenatória se inicia mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes.

Desse art.º 724.º, do CPC, no seu n.º 1, que diz respeito ao requerimento executivo, lê-se no seu proémio, que o requerimento executivo é dirigido ao tribunal de execução.

De forma conjugada, importa, ainda, ter presente que no art.º 626.º n.º 2, do Cód. Proc. Civil, se dispõe que, sem prejuízo do disposto no n.º 3, do art. 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, levando em consideração que o disposto no n.º 2, al. a), deste último preceito se aplica às decisões proferidas por tribunais estrangeiros ou decisões proferidas em procedimento cautelar e que estão fora do âmbito do art.º 626º do CPC (cfr. Rui Pinto, in A Acção Executiva, 2018, AAFDL).

Citando, os ensinamentos do Conselheiro Salvador da Costa, num artigo publicado no blog do IPPC, datado de 06 de Fevereiro de 2020 e intitulado “Competência material para a acção executiva para pagamento de custas de parte e forma da sua tramitação", poder-se-á resumir que «…O Código de Processo Civil… não insere[...] norma alguma expressa que se reporte à acção executiva por custas de parte» e que só o Regulamento das Custas Processuais, no seu artº 35º contém normas expressas aplicáveis à referida acção executiva. No caso em que o credor seja pessoa privada – continua este autor – a execução rege-se pelas disposições previstas no artº 626º e 724º e seguintes do Código de Processo Civil e a sua tramitação obedecerá às disposições dos artºs 855º a 858º, com aplicação subsidiária do artº 724º. E sendo assim, deverá, como é bom de ver, ter presente o que se dispõe quanto à competência dos vários tribunais, a recolher da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

Face ao exposto, importa então, agora, atentar nas normas relativas à competência em razão da matéria (e também do valor), por forma a apurar qual o tribunal competente para a execução.

Dispõe o art.º 60.º n.º 2 do CPC (e de forma idêntica o art.º 37.º n.º 1 da LOSJ) que na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território.

No que à competência em razão da matéria diz respeito, o art.º 65.º do CPC dispõe que as leis da organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotadas de competência especializada.

E o n.º 2 do art.º 40.º da LOSJ, dispõe que a presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.

Nos termos do disposto no art.º 117º, n.º 1, alínea b), da LOSJ, compete aos juízos centrais cíveis exercer, no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal.

Já, por sua vez, nos termos do art.º 129.º n.º 1, da mesma LOSJ, compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil, e, do n.º 3, que para a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor.

Acresce que, no art.º 130.º n.º 2 alínea c) da LOSJ, se dispõe que os juízos locais cíveis e de competência genérica possuem competência para exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente.

Este normativo, em consonância com o disposto no art.º 117º n.º 1 alínea b) do da LOSJ, define a competência de forma mista: em razão da matéria – além da competência para a execução de decisões por si proferidas, são também competentes para as execuções das decisões proferidas pelo juízo central cível - e do valor – relativamente às execuções das decisões proferidas pelo juízo central cível, cujo valor da causa seja inferior a € 50.000,00.

O que distingue o disposto no art.º 117º n.º 1 alínea b) do disposto no art.º 130º n.º 2 alínea c) é o facto de, sendo ambos os tribunais ali respectivamente referidos competentes em razão da matéria – para a execução - o Juízo Central Cível da circunscrição em que não há juízo de execução, é competente para executar as suas próprias decisões, desde que de valor superior a € 50.000,00 (competência em razão do valor) e os juízos locais cíveis e de competência genérica são competentes para executar, além das suas próprias decisões, as decisões do Juízo Central Cível desde que de valor inferior a € 50.000,00 (competência em razão do valor).

Assim sendo, e tal como resulta das conclusões do citado artigo publicado no blog do IPPC, para o que importa para o caso:

- A tramitação da acção executiva para pagamento de custas de parte devidas a pessoas do sector privado rege-se pelas normas atinentes ao processo sumário.; e
 
- Conhece da referida acção, o juízo de execução com jurisdição na área geográfica reportada, ou, não o havendo, o juízo local cível, ou o juízo de competência genérica respectivo, ou o juízo central cível se o valor da causa exceder € 50 000.

No caso concreto, está em causa uma condenação em custas proferida pelo J3 do Juízo Central Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.

Destarte, não existindo, na Comarca de Viana do Castelo Juízo de Execução e sendo a quantia exequenda de 2.376,01€, competentes em razão do valor são os juízos locais cíveis e de competência genérica, isto sem prejuízo de se averiguar qual o territorialmente competente, observando-se para o efeito o que se dispõe nos arts. 85.º, do Cód. Proc. Civil, que refere que a execução corre termos nos próprios autos em que foi proferida a sentença que condenou a executada em custas, mas é tramitada de forma autónoma, junto do tribunal competente, aqui, em razão da matéria (execução de uma decisão proferida por outro tribunal), do valor da causa e do território.

Como tal, devia a secretaria, independentemente de despacho judicial, atenta a matéria (execução), o valor da causa (inferior a € 50.000,00) ter dado cumprimento ao disposto no art.º 85º n.º 2 do CPC, ou seja, logo que entrou a execução, devia ter remetido cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham aos juízos locais cíveis.

Como tal, considerando que, como determina o art.º 157º, n.º 6, do CPC, os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em caso algum, prejudicar as partes, à semelhança do decidido por este tribunal no proc. 42/10.8TBMNC-D.G1, de 3.3.22, publicado na dgsi, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que dê cumprimento ao disposto no art. 85.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil."

[MTS]