Logo, a decisão recorrida só seria de revogar se o direito que a recorrente que ver protegido através do arresto fosse de classificar como direito de crédito. Não é de atribuir esta classificação a tal direito.
Vejamos. O Código Civil não contém a noção de direito de crédito. Define, no entanto, o que é obrigação (artigo 397.º do Código Civil). Visto que obrigação e crédito são duas faces da mesma moeda, com a noção de obrigação alcançamos a de direito de crédito. E assim: se obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação, direito de crédito é o poder que uma pessoa tem de exigir a outra a realização de uma prestação. A prestação que o devedor está obrigado a realizar tanto pode ter por objecto uma coisa, designadamente uma quantia em dinheiro (prestação pecuniária), como um facto.
O direito que a requerente, ora recorrente, quer acautelar através do arresto está previsto no artigo 4.º da Lei n.º 7/2011, de 11 de Maio de 2001. Trata-se do direito de requerer, em caso de ruptura da união de facto, que o tribunal dê de arrendamento a um dos membros da união a casa que constituiu a morada de família. Na perspectiva da lei, é uma medida de protecção da casa de morada de família, que se insere na protecção da união de facto, como o atesta o artigo 1.º, n.º 1 da citada lei ao dispor: “A presente lei adopta medidas de protecção das uniões de facto”. Não estamos, pois, perante um direito de crédito, tal como ele foi definido acima.
É certo que, caso o tribunal dê de arrendamento a casa de morada de família ao requerente, constitui-se uma relação obrigacional entre os ex-membros da união de facto, na qual um deles figura como senhorio e outro como locatário.
Sucede que o arresto pretendido pela ora recorrente não visa a conservação da garantia patrimonial do cumprimento das obrigações emergentes de tal arrendamento por parte do requerido. Com o arresto, a requerente pretende que o bem a arrestar se mantenha na titularidade do requerido a fim de ele lhe ser dado de arrendamento, ao abrigo do artigo 1793.º, ou seja, para que possa ser constituída sobre o bem a arrestar uma relação de arrendamento.
Esta finalidade - manter no património do requerido um bem com o propósito de constituir sobre ele uma relação de arrendamento - é totalmente estranha ao arresto. A finalidade que a lei (artigo 619.º do Código Civil) lhe assinala é a de manter o bem a arrestar no património do devedor para que ele responda pelo cumprimento das suas obrigações. E um bem do devedor responde pelo cumprimento das respectivas obrigações através da venda dele em processo de execução e da entrega ao credor do produto da venda.
Observe-se que, quando se diz que a finalidade do arresto é a de manter o bem a arrestar no património do devedor para que ele responda pelo cumprimento das suas obrigações, não se quer dizer que devedor fique impedido de dispor de tais bens. Na realidade não fica como o atesta o artigo 819.º do Código Civil, aplicável ao arresto por remissão do n.º 2 do artigo 622.º do CC, ao dispor que, sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”. Deste preceito resulta, como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 819.º, “que o devedor pode livremente alienar ou onerar os bens penhorados. Simplesmente, a execução prossegue, como se esses bens pertencessem ao executado” [Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª Edição Revista e Actualizada, página 91].
Por todo o exposto, é de manter a decisão recorrida na parte em que afirmou que o direito que a ora recorrente pretende acautelar não é um direito de crédito para efeitos do artigo 619.º do Código Civil e 391.º, n.º 1, do Código Civil.
Por vezes, é difícil compreender como é que determinadas posições são defendidas em juízo pelas partes. O caso decidido pela RC é uma dessas situações.
MTS