"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/07/2023

Uma sugestão de redacção para os art. 380.º e 381.º CPC


I. Nota prévia

A recente publicação da anotação aos art. 380.º a 383.º no CPC online (clicar aqui) confirmou que, como, aliás, já tinha sido detectado na doutrina, alguns aspectos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais necessitam de um aggiornamento.

Importa construir um regime desse procedimento que seja coerente na sua lógica interna e que se articule sem dificuldade com o regime da correspondente acção principal e com alguns dos aspectos do regime substantivo das deliberações sociais.

Pensando neste desiderato, apresenta-se a seguir uma sugestão de redacção para os art. 380.º e 381.º. Nos demais preceitos do procedimento de suspensão de deliberações sociais (art. 382.º e 383.º CPC), para os propósitos agora prosseguidos, não se afigura indispensável qualquer alteração.


II. Sugestão de redacção

Artigo 380.º
Pressupostos

1 – Se um ente colectivo tomar uma deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, pode ser requerida a suspensão dos seus efeitos sempre que a produção destes puder causar dano apreciável.

2 – A suspensão pode ser requerida por quem tiver legitimidade para impugnar a deliberação.

3 – A suspensão deve ser requerida no prazo de 10 dias, contados da data da tomada da deliberação ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a reunião ou não for membro do órgão deliberativo, da data em que teve conhecimento da deliberação.

Nota: Na redacção do preceito evita-se, de forma propositada, relacionar a suspensão com a execução da deliberação. Isto é justificado não só pela circunstância de haver deliberações cuja produção de efeitos não depende de nenhuma execução, mas também pela necessidade de não confundir o que se suspende (a produção de efeitos) com o que pode ser uma consequência dessa suspensão (a proibição de execução) e, acima de tudo, pela necessidade de não excluir a suspensão com o argumento de que a deliberação já se encontra executada. Verdadeiramente, apenas uma execução consumptiva da deliberação -- ou seja, uma execução que esgota os efeitos daquela deliberação -- exclui a possibilidade da suspensão dos seus efeitos (precisamente, porque esses efeitos já se esgotaram). Além disso, a redacção sugerida para o preceito é, como se impõe, mais abrangente do que a actual redacção. É por isso que se fala de "ente colectivo", de "requerente" e de "requerido".


Artigo 381.º
Instrução e proporcionalidade

1 – O requerente deve instruir o requerimento com cópia da acta da reunião na qual a deliberação foi tomada e que a direcção deve fornecer ao requerente dentro de vinte e quatro horas; quando a lei dispense a acta, a cópia da acta é substituída por documento comprovativo da deliberação.

2 – Se o requerente alegar que lhe não foi fornecida cópia da acta ou do documento correspondente, dentro do prazo fixado no artigo anterior, a citação do requerido é feita com a cominação de que a contestação não é recebida sem entrar acompanhada da cópia da acta ou do documento em falta.

3 – Os efeitos da deliberação não podem ser suspensos se o prejuízo resultante da sua suspensão for superior ao prejuízo que pode decorrer da produção desses efeitos.

Nota: Propõe-se a revogação do disposto no actual n.º 3 deste artigo. A proposta não tem outro intuito que não seja o de revogar um regime especial de difícil compreensão e justificação (ainda que no CPC online se tenha procurado reduzir a sua aplicação a um âmbito razoável) e de permitir aplicar as regras gerais sobre a responsabilidade de administradores ou gerentes no caso de, durante a pendência do procedimento cautelar (aliás, não apenas em 1.ª instância), vir a ser executada ou de continuar a ser executada uma deliberação que, na posterior acção principal, vem a ser considerada inválida ou inexistente. Há, efectivamente, regras gerais que regulam a eventual responsabilidade dos administradores e gerentes pela execução negligente ou mesmo dolosa da deliberação durante a pendência do procedimento de suspensão, pelo que não é necessário estabelecer nenhum regime especial nesse procedimento, tanto mais que, como se referiu no CPC online, o mesmo pode conduzir à constituição de uma responsabilidade que se extingue com o não decretamento da suspensão e que renasce com o posterior reconhecimento da invalidade ou inexistência da deliberação.

MTS