"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/07/2023

Jurisprudência 2022 (224)


Apelação;
junção de documentos

1. O sumário de STJ 15/12/2022 (5397/16.8T8PRT.P1.S1é o seguinte:

I. Artigos, teses e documentos científicos, não jurídicos, não podem ser juntos ao recurso de revista apenas para reforçar a opinião, sustentada pela ciência, de que no período em que decorreu o diagnóstico pré-natal, aqui em discussão, já existia e era praticado o rastreio bioquímico do 1º e 2º trimestres de gravidez. Não estando tal facto submetido à exigência legal de prova documental, não poderão os mesmos ser valorados pelo STJ para uma hipotética alteração da decisão sobre a matéria de facto, competência que está reservada às instâncias.

II. Em fase de recurso de apelação em conformidade com o disposto no art. 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil a junção de documentos só pode ocorrer se estiverem em causa documentos cuja apresentação não tenha sido possível até encerramento da discussão – art.º 425.º do Código de Processo Civil ou quando a sua junção se tiver tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

III. Os documentos usados e exibidos na audiência de julgamento para inquirição de testemunhas podiam, e, deviam ser juntos antes do encerramento da audiência, e, não basta discordar da decisão para poder juntar, nessa fase, documentos científicos, mas não jurídicos que, na visão dos recorrentes deveriam conduzir a diversa decisão.

IV. Para existir um errado diagnóstico pré-natal não basta que no período em que ocorreu a gravidez fosse já cientificamente possível detectar a trissomia 21, era também necessário que a prática clínica impusesse, ou pelo menos recomendasse que, nas condições de idade da mãe, ausência de antecedentes familiares dos progenitores, ausência de malformações visíveis ecograficamente no feto, e de gravidez de risco, fosse a grávida submetida a exames laboratoriais ou de amniocentese para eventual detecção de tal alteração cromossómica.

V. O dano indemnizável por errado diagnóstico pré-natal, não é apenas possibilidade perdida de interrupção voluntária da gravidez por mal formação do feto, pois, se a opção dos progenitores fosse o nascimento da criança teriam também perdido a possibilidade de atempadamente poderem colectar os meios humanos, físicos, psicológicos e financeiros, a par do conhecimento sobre a estimulação precoce e todas as possibilidades de desenvolvimento, mesmo com a deficiência, entre muitas outras coisas que o conhecimento científico já conhece nestas situações, bem como a oportunidade de adequadamente vestirem o seu coração para receberem bem estas preciosas crianças especiais.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Em fase de recurso de apelação em conformidade com o disposto no art. 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil a junção de documentos só pode ocorrer em duas situações:

1 - Os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até encerramento da discussão – art.º 425.º do Código de Processo Civil

2 - Quando a junção se tiver tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil

Ora os documentos que foram utilizados para inquirir algumas das testemunhas estavam na posse da recorrente que os utilizou nessa altura, antes, pois, do encerramento da discussão da causa. Por isso, não pode invocar como fundamento para a sua junção em sede de recurso que não os conhecia antes.

Não é pela circunstância de os recorrentes discordarem da sentença recorrida, que podem invocar que a junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, importando que sentença tenha decidido algo com que a parte não podia razoavelmente contar antes, e, que o documento em causa venha demonstrar que carece de fundamento. Nada disso acontece aqui.

Em causa está a discordância dos recorrentes com a decisão das instâncias, pelas razões amplamente debatidas ao longo do processo, pelos fundamentos científicos colectados e aprofundados, porventura ao longo dos anos pelos recorrentes, sobre o que era já possível fazer, em termos científicos em termos de diagnóstico pré-natal.

Percebemos que, perante o nascimento de uma criança com trissomia 21 e as preocupações sobre o seu futuro que durarão toda a vida, os recorrentes se tenham profundamente interrogado sobre que erro poderiam eles ou os médicos ter cometido para causar tal situação dramática. Num processo psicológico muito próprio da natureza humana o sofrimento parece ser atenuado se conseguirmos localizar para a causa dele um qualquer responsável, de preferência externo a nós próprios. Os recorrentes começaram a procurar sobre se o conhecimento científico contemporâneo da gravidez aqui em causa permitia a detecção de trissomia 21 no feto. É certo que permitia. Em teoria, no ano em que a EE nasceu, era possível do ponto de vista científico ter apurado, ainda em fase intra-uterina, aquela doença. Porque não foi apurado é verdadeiramente o objecto do litígio, dado que está assente que não foi apurado. Mas a simples circunstância de não ter sido apurado, havendo então bastante conhecimento científico para garantir esse apuramento, contrariamente ao entendido pelos recorrentes, não basta para definir que há um culpado por esse não apuramento, e, que esse “culpado” tem o dever de indemnizar os danos que decorrem para os recorrentes desse não apuramento de que o feto tinha trissomia 21.

Em conformidade com o decidido pelo tribunal recorrido é legalmente inadmissível a junção, em fase de recurso de apelação, de tais documentos por essa junção, no caso concreto, não ter enquadramento no já referido art.º 651.º, n.º 1 do Código de Processo Civil."

[MTS]