"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/10/2023

Legislação (224)


Acção popular


-- L 60/2023, de 31/10

Autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2020/1828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativa a ações coletivas para proteção dos interesses dos consumidores.

 

Consequências da errada tramitação e julgamento conjunto de duas apelações autónomas




[Para aceder ao texto clicar em Urbano A. Lopes Dias]


Jurisprudência 2023 (40)


Recurso de apelação;
regra da substituição*


1. O sumário de STJ 15/2/2023 (3848/18.6T8SNT.L1.S1) é o seguinte

I – Havendo o Tribunal de 1ª instância, quando do despacho saneador, decidido que não se verificava a excepção da caducidade do direito do A. e não tendo sido interposto recurso daquela decisão no prazo previsto na lei, a mesma transitou em julgado, encontrando-se definitivamente decidida no processo.

II – A expressão “preço devido” corresponde ao valor, em dinheiro, a pagar pelo A., preferente, como contrapartida da aquisição do imóvel, sem que sejam incluídas despesas de escrituras e de impostos.

III – Conferindo o nº 1 do art. 1555 do CC ao proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem o direito de preferência no caso de venda do prédio dominante, o A., proprietário do prédio serviente, gozava de direito de preferência quando da venda do prédio (dominante) que foi concretizada entre os RR.; efectivamente, existia um encargo (a referida servidão legal) que recaía sobre o prédio do A. em benefício daquele outro prédio, restringindo o gozo efectivo do mesmo pelo A. – embora, paralelamente, existissem outros encargos que recaíam sobre o mesmo prédio do A. em benefício de outros quatro prédios.

IV - O encargo sobre o prédio onerado é imposto em proveito de outro prédio, (o que dá relevo á inerência da servidão aos prédios a que activa ou passivamente ela respeita); o prédio do A. encontra-se onerado com diversas servidões, cada uma delas imposta em proveito de cada um dos prédios dominantes – sendo proprietário do prédio onerado com qualquer daquelas servidões o A. tem direito de preferência no caso de venda de qualquer um dos prédios dominantes, em face da previsão do nº 1 do art. 1555.

V - Por via desta norma, face à venda concretizada entre os RR., assiste ao A. uma forma de desoneração do seu direito de propriedade, obtendo alguma compensação através da supressão dessa oneração e pondo-se fim aos eventuais conflitos advenientes daquela concreta servidão.

VI – Dos factos apurados não resulta que o A. actuou com abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium.

VII - Resulta do nº 2 do art. 665 do CPC que poderá haver supressão de um grau de jurisdição relativamente a questão de que o tribunal recorrido não tenha conhecido por estar prejudicada pela solução por ele dada a outra questão; reconhecendo o Tribunal da Relação dispor da matéria de facto (já julgada) relativa ao pedido reconvencional, pedido esse que apenas não fora conhecido pelo Tribunal de 1ª instância porque considerado prejudicado, deveria o Tribunal da Relação aplicar o Direito aos factos apurados, no que concerne à reconvenção deduzida pela R..

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"IV – 6 – Decidiu o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido: «Determinar o envio do processo para o Tribunal de 1.ª Instância onde deverá ser proferida decisão quanto às questões que foram julgadas prejudicadas com a decisão então proferida, que será complementar desta que acima se deixa expressa».

Consignando, a propósito:

«…no que se reporta à segunda questão acima enunciada, reportada à apreciação das benfeitorias realizadas pela 3.ª Ré no prédio em apreciação e ao seu possível reembolso por parte do aqui A./Apelante, entende-se que este Tribunal de recurso não deve socorrer-se do disposto no artigo 665.º do Código de Processo Civil Revisto proferindo, nesta matéria, decisão em substituição do Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância».

Aduzindo, para o efeito:

-  «…muito embora o processo contenha matéria de facto já julgada e fixada quanto ao pedido reconvencional deduzido pela 3.ª Ré, não foi proferida qualquer decisão de Direito quanto ao mesmo, que ficou prejudicada, em face da decisão proferida quanto ao pedido principal. A prolação de uma decisão neste momento relativamente a esta matéria reconvencional colocaria a 3.ª Ré numa situação de perda de um grau de jurisdição caso não se conformasse com a decisão que fosse agora proferida. Por outro lado, impediria que suscitasse a impugnação da própria matéria de facto fixada quanto a este ponto da decisão – direito que lhe assiste perante uma concreta decisão - e que, em face da primeira decisão proferida e aqui em recurso, não se lhe impunha impugnar».

- «… a interpretação a realizar ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC Revisto também não pode dar cobertura a outra interpretação, desde logo, porque a expressão que ali é utilizada quanto à possibilidade dessa ampliação situa-se na expressão “Pode” o que desde logo implicaria o entendimento de que se trata de uma faculdade e não de uma imposição».

- «…quanto a esta matéria da reconvenção, o processo deverá prosseguir os seus termos com a prolação de decisão pelo Senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância que, em face da matéria de facto dada como Provada e Não Provada nos autos, aplicará o Direito que sobre a mesma incidir, proferindo uma decisão única e que será complementar desta que aqui foi já conhecida e decidida, respeitante ao direito de preferência».

Houve, todavia, uma declaração de voto, da qual consta:

«No tocante à reconvenção, a sentença entendeu prejudicada a sua apreciação face à improcedência da pretensão do Autor.

Assim sendo, julgada em suficiência a matéria de facto concernente, observado o contraditório, face ao disposto no artigo 665º do CPC, a situação ajuizada reclama o imediato conhecimento de mérito da reconvenção jacente por este tribunal de recurso, obviando à baixa dos autos à primeira instância para tal finalidade.

Essa parece-nos, s.d.r., traduzir a melhor interpretação daquele preceito em alinhamento com a teologia da regra da substituição, contraposta à regra cassatória, assegurado previamente o contraditório das partes por via do estatuído no nº3 do artigo 655º do CPC».

Para concluir:

«Nessa conformidade, s.d.r., após auscultação das partes sobre a matéria, evitando decisão surpresa, propugnaria pelo conhecimento do mérito da reconvenção por esta instância de recurso».

No recurso por si interposto, a R. DD, secundando o que consta da declaração de voto, defendeu que deveria ser tomado em consideração o disposto no nº 2 do art. 665 do CPC, nada obstando à apreciação pela Relação das benfeitorias realizadas pela recorrente, dispondo para o efeito aquele Tribunal dos elementos necessários.

Dispõem, respectivamente, os nºs 2 e 3 do art. 665 do CPC:

«2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

 3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias».

Referem, a propósito, Lebre de Freitas, Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre ([No «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, Almedina, 3ª edição, pág.. 185.]) que aquele nº 2 torna claro que pode haver supressão de um grau de jurisdição relativamente a questão de que o tribunal recorrido não tenha conhecido por estar prejudicada pela solução por ele dada a outra questão. Salientando que aquela supressão de um grau de jurisdição «só pode ocorrer no pressuposto de que do processo constam todos os elementos de prova necessários à nova decisão» - quando tal não aconteça, a Relação não pode substituir-se ao tribunal recorrido.

Abrantes Geraldes ([Na obra citada, pág.. 389.]) dá como exemplo de uma situação abrangida pelo nº 2 do art. 665, o juiz não ter conhecido do pedido reconvencional que considerou prejudicado pelo resultado declarado quanto ao pedido do autor; ainda que o reconvinte não tenha interposto recurso (uma vez que não podia considerar-se vencido), se a Relação revogar a sentença, com a procedência do pedido do autor, não poderá deixar de apreciar o pedido reconvencional «desde que toda a matéria de facto pertinente tenha sido apurada ou possa considerar-se apurada pelo confronto que se estabeleça entre as posições das partes ou os documentos apresentados».

A Relação considerou que o processo continha matéria de facto já julgada e fixada quanto ao pedido reconvencional deduzido pela R. DD, do que esta, recorrente, nas alegações do recurso interposto, não discorda, antes afirmando que a Relação dispunha para o efeito dos elementos necessários.

A Relação não se substituiu ao Tribunal de 1ª instância, quanto ao conhecimento do pedido reconvencional julgado prejudicado por este Tribunal, porque entendeu que tal colocaria a R. DD numa situação de perda de um grau de jurisdição, caso não se conformasse com a decisão que fosse proferida. Todavia, o nº 2 do art. 665 pressupõe, exactamente, a supressão de um grau de jurisdição e, estando tal previsto na lei, não nos parece que possa, sem mais, ser afastado.

O nº 2 do art. 636.º do CPC, também aludido no acórdão recorrido, é consentâneo com esta solução, permitindo que o recorrido (aqui a R. DD) quando do recurso de apelação, a título subsidiário, prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pelo apelante, tivesse impugnado a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.

Para evitar decisões surpresa, impõe a lei, no nº 3 do art. 665, que antes de ser proferida decisão as partes sejam ouvidas.

Temos, pois, que deveria ter sido a Relação a aplicar o Direito aos factos apurados, no que concerne à reconvenção deduzida pela R. DD, ao invés de, como sucedeu, determinar que a 1ª instância proferisse uma decisão complementar no que respeita ao pedido reconvencional.

Antes de tal, há lugar à audição das partes, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 665 do CPC."

*3. [Comentário] Na parte que agora releva, o principal interesse do acórdão reside na aplicação pelas Relações da regra da substituição que consta do art. 665.º CPC. A verdade é que a regra, apesar de bem explícita na lei, nem sempre é observada na prática.

MTS

30/10/2023

Apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça da dispensa ou redução do remanescente da taxa de justiça




[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]

Jurisprudência 2023 (39)


Férias judiciais;
actos processuais; arrombamento*


I. O sumário de RG 23/2/2023 (45/21.7T8MDR-A.G1) é o seguinte.

1. Em matéria de nulidades, o regime aplicável às chamadas nulidades secundárias, inominadas ou atípicas remete o julgador para uma análise casuística, só sendo de invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado.

2. O despacho que defere ao requerido pelo Agente de Execução, no sentido de pedir o auxílio da força pública para tomar posse efectiva do imóvel já penhorado, a fim de preparar a venda executiva não cometeu qualquer nulidade por não ter previamente ouvido os executados.

3. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais constitui uma mera irregularidade, que não pode ter qualquer consequência processual sob pena de se estar a cometer um atentado contra a celeridade processual.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"2. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais: afirma a recorrente que, como não se trata de acto destinado a evitar dano irreparável, nem tal foi invocado, a prática de tal acto durante o período de férias judiciais é legalmente inadmissível (art. 137º,1 CPC).

O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre isto, dizendo em síntese que tudo depende do que se entender por acto processual. E que na verdade, o acto de tomada de posse do imóvel constitui um acto posterior à realização da penhora. Em bom rigor, o aludido acto constitui um acto acessório da venda por negociação particular, que há muito se iniciou. E nesse sentido, não se vislumbra que o acto praticado, ainda que no decurso de férias judiciais, tenha implicação no processo: na verdade, o acto visa dar prosseguimento aos normais termos do mesmo (designadamente, a apresentação de propostas e a venda do bem). A prática do acto visa, portanto, a consecução do que se encontra determinado legalmente, não apresentando qualquer implicação relevante no processo.

Ora bem.

A lei é clara: sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (art. 137º,1 CPC).

Exactamente qual é o acto de que estamos a falar?

Estamos a falar do acto que deu cumprimento ao ordenado no despacho de 7.7.2022, que autorizou a requisição do auxílio da força pública, e determinou que fosse nomeado como fiel depositário pessoa a indicar pela exequente. Ou seja, um acto que foi fisicamente praticado fora das instalações do Tribunal, pelo Agente de Execução.

Comentando o artigo 137º,1 CPC, escreve Miguel Teixeira de Sousa (CPC Online):

(a) A redacção do n.º 1 não é muito feliz, não só porque não tem sentido impedir que o tribunal pratique actos quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais, mas também porque, ao contrário do que o preceito parece dar a entender, não há nenhuma proibição de as partes praticarem, mesmo presencialmente, actos durante as férias judiciais. O que se pode estabelecer é que não se praticam sessões com a presença do tribunal e das partes (em especial, audiências) quando aquele estiver encerrado (art. 124.º, n.º 1 e 2, LGTFP; art. 45.º ROFTJ; art. 2.º P 307/2018, de 29/11) ou durante as férias judiciais (art. 28.º LOSJ) (nº 1). (b) De acordo com esta razoável interpretação, a realização pelo tribunal de qualquer acto quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais não implica a invalidade desse acto. Uma sentença proferida num Domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida”.

Seguindo a opinião do Ilustre Professor, embora não tenhamos dúvidas que em sentido lato, o acto aqui em causa tem de ser considerado um acto processual, pois que se insere no decurso de um processo executivo, e visa ajudar a alcançar o objectivo final do processo, teremos todavia de considerar que o acto em causa, apesar de ter sido praticado em férias judiciais, jamais poderá ser considerado nulo. Trata-se de um acto material, praticado fora das instalações do Tribunal, que nenhuma disposição legal secundária considera expressamente nulo, e que jamais poderá influir no exame ou decisão da causa. O único efeito sensível deste acto, digamos, irregular, é o de contribuir para a celeridade da marcha do processo e para o alcançar do fim da acção executiva.

Como certeiramente escreve Teixeira de Sousa, uma sentença proferida num domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida. Da mesma forma, o acto de que agora estamos a tratar, apesar de praticado em período de férias judiciais, não é um acto inválido. Pelo contrário, foi praticado por ordem do Juiz do processo, e levado a cabo de acordo com a tramitação pertinente. Uma visão excessivamente formalista, que levasse a que por causa da prática em férias judiciais o acto em causa fosse declarado nulo, e mandado repetir seria um atentado ao princípio da economia processual, e, num País onde existe a percepção generalizada (bem ou mal) que os Tribunal são lentos a realizar Justiça, mandar anular um acto de extrema eficiência, seria um total absurdo.

Recordando a formulação do art. 195º,1 CPC, diremos que a prática deste acto fora do período em que deveria ter sido praticado não produz nulidade, pois não só a lei não o declara, como a irregularidade cometida, além de não poder influir no exame ou na decisão da causa, veio trazer celeridade ao andamento do processo.

Nem a recorrente pode ter qualquer interesse legítimo na anulação deste acto e na sua repetição sem ser em férias judiciais. Excluindo o interesse de retardar o processo, e esse não merece ser acolhido, não vislumbramos que outra razão possa ter a recorrente para deduzir esta pretensão."

[MTS]

27/10/2023

Jurisprudência 2023 (38)


Agente de Execução; honorários; 
execução; competência territorial*


1. O sumário de RE 9/2/2023 (305/22.0T8BJA-A.E1) é o seguinte:

I - Os honorários e as despesas do Agente de Execução não são, na relação deste com o exequente, custas de parte ou da execução; apenas o são na relação do exequente com o executado.

II - O título executivo do art. 721º, nº 5, do CPC, composto das notas de honorários e despesas e sua notificação ao exequente, é, por regra, um título extrajudicial e não um título de formação processual.

III - Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações – art. 709º, nº 4, do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Escreveu-se na decisão recorrida:

«(…), tratando-se uma execução por honorários devidos ao Agente de Execução, que atempadamente foram notificados através de nota discriminativa, à aqui Embargante e aos seus mandatários.

E por isso, salvo melhor opinião, o artigo 87.º do Código de Processo Civil, refere-se à competência para execução por custas, multas e indemnizações, o que aqui não tem cabimento, e por isso não é de aplicar ao presente caso.

Este artigo tem aplicabilidade quanto a custas de parte e taxas de justiça.

Situação bem diferente é aquela que nos ocupa, em que os Agentes de Execução dispõem de tabelas próprias, onde estão fixados os seus honorários e, em caso de incumprimento a nota de honorários e despesas constitui título executivo, podendo e devendo ser executados de forma independente da acção principal, uma vez que não existe nenhuma regulamentação especifica quanto a este tipo de acções executivas.»

Mostra-se correto este entendimento. Senão vejamos.

O agente de execução [---] presta exercícios ao exequente e, como tal, tem direito a honorários a pagar por este, para o que lhe envia a respetiva nota. Se o exequente paga os honorários ao AE no decurso de um processo, trata-se de um custo processual que ele suporta para conseguir executar o seu direito contra o executado. Pelo que tem direito ao seu reembolso pelo executado. Temos assim: (i) as Notas de honorários do AE contra o exequente e, depois deste as ter pago, (ii) as custas de parte (do exequente, na execução) contra o executado. Assim, o direito do AE contra o exequente não tem nada a ver com custas de parte ou com as custas da execução.

Basta ter isto presente para se poderem ler todas as normas invocadas, em sentido contrário ao que a executada/embargante lhes dá.

Em suma, a pretensão do AE obter, contra a exequente, o pagamento dos honorários e o reembolso das despesas que fez, não tem nada a ver com custas de parte ou custas da execução e, por isso, nenhuma das normas que se refiram a estas têm algo a ver com o caso.

A questão que se põe é a de saber qual a norma que regula a competência do tribunal para a presente execução, o que pressupõe saber que tipo de título executivo são as notas de honorários do AE.

Rui Pinto inclui a nota discriminativa de honorários e despesas do AE nos títulos administrativos, ex vi art. 721º, nº 5 e art. 5º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de janeiro [A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa/2018, pp. 227-228.]

Por sua vez, Marco Carvalho Gonçalves inclui-as nos títulos extrajudiciais [Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, 2.6.4.6, p. 126, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, proc. 2086/18.2T8SLB-A.L1]

Escreveu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, citado na nota anterior:

«Tendo em conta que o título executivo é composto das notas e da sua notificação, ambos resultantes de comunicações feitas pelo AE ao exequente (art. 721/4 do CPC – em casos como os dos autos em que a função não é desempenhada por funcionário judicial, nem houve qualquer decisão do tribunal sobre elas) num processo que está a correr fora do tribunal (art. 551/1 do CPC: O processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo), não resultando pois de qualquer acto da secretaria ou do juiz do processo (art. 719/1 do CPC), o título executivo em causa é um título extrajudicial.

Se se considerar a razão de ser da norma do art. 709/2 do CPC – com o seguinte teor: Quando as execuções se fundem em títulos de formação judicial diferentes da sentença, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais elevado -, ou seja, a ligação do título com um processo que correu num tribunal, o facto de se considerar que o título se forma num processo que não corre, por norma, no tribunal, nem precisa de passar a correr no tribunal para se formar, mais se reforça a ideia de que o título será extrajudicial, tanto mais que assim não há nenhuma dependência das Notas ao processo judicial (em princípio, o tribunal da execução não precisará de consultar o processo a que elas respeitam para esclarecimento do teor do título executivo; as comunicações que constituem o título executivo fazem parte dele, sendo este, por isso, auto-suficiente).»

Em suma, considera-se que o título executivo em causa é um título extrajudicial e não um de formação processual judicial, pelo que a norma a aplicar é a do art. 709/4 do CPC.»

Reza o art. 709º, nº 4, do CPC: «Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações.»

Por seu turno, dispõe o art. 82º, nº 2, do CPC: «Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da ação…» [a norma tem uma ressalva que manifestamente não se aplica ao caso e por isso é desnecessário transcrevê-la].

Face a este quadro normativo, a questão que se coloca é a de saber se o exequente podia escolher o Tribunal Judicial de Beja para esta execução com cumulação de títulos.

A resposta há de ser dada no confronto das notas discriminativas juntas com o requerimento executivo.

Ora, resulta destas notas que os serviços do AE, ora exequente, foram prestados no âmbito de três processos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures - Juízo Execução - Juiz 1, e em seis no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Juízo Execução - Juiz 1 [um processo], Juiz 2 [dois processos], Juiz 3 [dois processos] e Juiz 4 [um processo].

Não podia, assim, o exequente escolher o Tribunal Judicial da Comarca de Beja para esta execução com cumulação de títulos.

Verifica-se, assim, a incompetência territorial do tribunal escolhido, o que implica a remessa do processo para o Tribunal competente [art. 105º, nº 3, do CPC], que será um dos dois tribunais acima referidos onde o exequente prestou os serviços à executada, o qual deverá ser escolhido pelo exequente nos termos do nº 2 do art. 82º do CPC.

O recurso merece provimento quanto a esta questão, ficando prejudicado o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela embargante."

*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, o acórdão padece de um evidente equívoco (naturalmente, o mesmo acontecendo quanto ao acórdão nele citado). 

O disposto no art. 709.º, n.º 4, CPC refere-se à situação de cumulação de execuções, não podendo ser considerado como contendo a regra geral em matéria de competência territorial quando o título executivo não é judicial. Isso é matéria que é regulada pelo estabelecido no art. 89.º CPC.

MTS

26/10/2023

Bibliografia (1088)


-- Christoph Althammer/Herbert Roth (Eds.), Prozessuales Denken und Künstliche Intelligenz (Mohr: Tübingen 2023)


Jurisprudência 2023 (37)


Restituição provisória da posse;
contraditório diferido


1. O sumário de RG 9/2/2023 (589/21.0T8AVV-A.G1) é o seguinte:

I - O critério que deve presidir à decisão de proceder à inspecção ao local é o da sua conveniência para a formação da convicção a formar.

II – No procedimento cautelar de restituição provisória da posse, em que a lei determina a não audição da parte contrária, caso o requerido opte pela dedução de oposição pode alegar novos factos (que consubstanciem excepções ou impugnação motivada) e/ou pretender que se produzam novas provas que terão a virtualidade de afastar ou reduzir a medida cautelar decretada.

III – Neste caso existem duas decisões: uma decisão provisória em face dos factos alegados pelo requerente e que atende aos meios probatórios por ele apresentados; e uma decisão final em que o julgador pondera o conjunto da prova produzida em ambas as fases e em que conclui pela manutenção ou não da providência decretada ou pela sua redução.

IV – No que concerne à fixação da matéria de facto deve o tribunal na decisão final, por um lado, elencar os factos da oposição que considera indiciariamente provados e não provados e, por outro, elencar os factos dados como indiciariamente provados na decisão inicial que se mantêm inalterados e aqueles que resultaram modificados ou não provados (ainda que não os reproduza) procedendo à análise crítica do conjunto da prova produzida.

V – O procedimento de restituição provisória da posse tem como requisitos a posse (posse em nome próprio e em nome alheio, esta nos casos expressamente previstos na lei), o esbulho (perda da posse) e a violência (segundo a tese maioritária exercida sobre pessoas ou coisas, neste caso desde que seja um meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade).

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Antes de mais, importa fazer algumas considerações acerca do contraditório diferido aplicável ao presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse e às suas consequências na fixação da matéria de facto.

Não obstante a regra nos procedimentos cautelares ser a audição da parte contrária previamente à prolacção da decisão, existem situações em que tal audiência põe em risco sério o fim e a eficácia da providência e em que a mesma é dispensada – art. 366º, nº 1. A estas situações juntam-se os procedimentos cautelares especificados em que a lei expressamente determina a não audição, como a restituição provisória da posse (art. 378º) e o arresto (art. 393º, nº 1).

Em face de decisão proferida sem audiência da parte contrária pode o requerido recorrer ou deduzir oposição – 372º, nº 1.

No Ac. da R.L. de 09/03/2021 (José Capacete), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem, acórdão que remete para Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, (2.ª Edição), pp. 251-256, lê-se:

“(…) A utilização de um ou outro dos referidos meios é feita em alternativa, pelo que, confrontada com a decisão cautelar de arresto, à requerida cabia optar por um deles.

A oposição consiste:

a) na alegação de novos factos; e,
b) na apresentação de meios de prova (quer os já anteriormente produzidos, quer novos meios de prova), suscetíveis de infirmar os factos fundamentadores da primeira decisão, de modo revertê-la, total ou parcialmente;

O recurso, por sua vez, consiste na discordância:

a) quanto à integração jurídica que o tribunal fez dos factos que indiciariamente considerou provados; ou,
b) quanto à própria decisão da matéria de facto indiciariamente provada a partir dos meios de prova que o tribunal teve ao seu dispor aquando da prolação da primeira decisão. (…)”.

A decisão tomada sem audiência da parte contrária tem em conta a matéria de facto alegada pelo requerente e os meios de prova por ele apresentados, que naturalmente lhe são favoráveis.

Se optar pela dedução da oposição o requerido pode alegar novos factos (que consubstanciem excepções ou impugnação motivada) e/ou pretender que se produzam novas provas que, na sua óptica, terão a virtualidade de afastar ou reduzir a medida cautelar decretada.

Incumbe ao julgador ponderar o conjunto da prova produzida, quer na fase inicial, quer nesta, e concluir pela manutenção ou não da providência decretada ou pela sua redução, sendo que esta nova decisão é complemento e parte integrante da inicialmente proferida (art. 372º nº 3). Esta decisão é tomada como se o requerido tivesse sido ouvido inicialmente e aí tivesse deduzido oposição e apresentado os seus meios de prova. A este propósito refere Abrantes Geraldes, ob cit, p. 240: “A nova decisão proferida vai ajustar-se à decisão anterior, reforçando-a, anulando-a ou introduzindo-lhe as modificações consideradas convenientes face aos novos elementos a que o juiz teve acesso”.

Embora a lei não seja clara entendemos que, no que à fixação da matéria de facto diz respeito, deve o tribunal na decisão final, por um lado, elencar os factos da oposição que considera indiciariamente provados e não provados e, por outro, elencar os factos dados como indiciariamente provados na decisão inicial que se mantêm inalterados e aqueles que resultaram modificados ou não provados (ainda que não os reproduza) procedendo à análise crítica do conjunto da prova produzida. Neste sentido vide Ac. da R.G. de 04/12/2008 (Rosa Tching). Esta metodologia evitará dúvidas acerca da manutenção de factos que se mostrem contraditórios ou incompatíveis com os novos factos dados como assentes, não obstante tal contradição e incompatibilidade ser meramente aparente uma vez que a primeira decisão (e seus factos) é “provisória” e não forma caso julgado pelo que prevalece a segunda decisão e os segundos factos. Esta é uma excepção ao princípio da extinção do poder jurisdicional quanto à matéria da causa previsto no art. 613º, nº 1. E por tal razão a decisão final não é, com este fundamento, nula por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão (art. 615º nº 1 c)).

Desta “decisão final unitária” cabe recurso que abrange todas as questões suscitadas em ambas as fases do procedimento."

[MTS]


25/10/2023

Jurisprudência 2023 (36)


Custas de parte;
execução; liquidação


1. O sumário de RC 24/1/2023 (331/22.9T8ANS-A.C1é o seguinte:

A circunstância de inexistir nota de custas de parte consolidada, designadamente por ter sido tida por extemporânea, não obsta a que a parte que se entende credora dessas custas interponha acção executiva apenas em função da sentença condenatória em custas e proceda no correspondente requerimento executivo à liquidação das custas de parte.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida resulta que a única questão a decidir, correspondendo ao objecto do presente recurso, é a de saber, se inexistindo nota de custas de parte consolidada, designadamente por ter sido tida por extemporânea, a parte que se entende credora dessas custas vê esse direito precludido, ou tem de recorrer à ação declarativa para realizar o correspondente direito de crédito, ou se pode interpor acção executiva apenas em função  da(s) sentenças(s) condenatória(s) em custas e proceder no correspondente requerimento executivo à liquidação das custas de parte.

Contextualizemos minimamente a questão das custas de parte.

As custas de parte, como decorre do art 529º/1 do CPC, estão abrangidas nas custas processuais.

Por isso, e como ponto de partida, comungando as custas de parte da natureza das custas processuais, «excepto quando houver disposição particular para as custas de parte, estão sujeitas às disposições que regem as custas processuais» [---].

Do nº 4 do referido art 529º resulta o que se deve entender por custas de parte – os montantes que «cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».

Por outro lado, dispõe o art 533º do CPC no seu nº 1: «... as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no RCP».

E no nº 2 dessa norma indicam-se – de forma não taxativa - as despesas que estão compreendidas nas custas de parte: as taxas de justiça pagas, os encargos efectivamente suportados pela parte, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas e os honorários do mandatário e as despesas que este efectuou.

Referindo o nº 3 que «as quantias referidas no número anterior são objecto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes».

Estando as custas de parte abrangidas nas custas processuais, como acima se evidenciou, é da decisão que se reporte às custas processuais que decorre qual das partes, e em que medida, pode recuperar o que a título de custas de parte despendeu com o processo em virtude de ter obtido vencimento total ou parcial na causa. 

Assim, no Regulamento das Custas Processuais (RCP), o art 26º/1 evidencia que «as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas», salientando o nº 2 desta norma que «as custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora», norma de que resulta que o pagamento das custas de parte é feito directa e extrajudicialmente pela parte devedora, não sendo as mesmas incluídas na conta final das custas.

E o art 25º/1 RCP,  na redacção do DL  86/2018 de 29 de Outubro, refere, entre o mais aqui não relevante: «Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.  (…)»

Resulta implicitamente do nº 3 do art 36º RCP que se não ocorrer voluntariamente - e já se viu que extra processualmente - o pagamento das custas de parte, pode a parte delas credora instaurar execução para obter o respectivo pagamento coercivo.

Importa saber é qual o título executivo nestas execuções.

Como o salienta o acima referido Ac RP, é «precisamente por integrarem o conceito de custas processuais e comungarem da sua natureza, (que) as custas de parte estão sujeitas ao regime de liquidação e pagamento das custas processuais em tudo quanto não estiver expressamente previsto para as custas de parte».

Dizendo-se ainda: «Nesse sentido, a nota justificativa e discriminativa de custas de parte é, para efeitos destas, o equivalente ao que a conta de custas é para efeitos das custas processuais. Ambos os actos são a forma de operar a liquidação das custas devidas e a interpelação do devedor para o respectivo pagamento voluntário, permitindo-lhe pronunciar-se sobre o valor que lhe está a ser reclamado e reclamar do conteúdo da liquidação no caso de entender que não deve pagar os valores liquidados ou alguma parcela da liquidação. Se essa reclamação for apresentada, caberá ao juiz decidir a reclamação, ficando a questão definitivamente resolvida e cabendo depois ao devedor a obrigação de efectuar o pagamento do valor fixado no prazo de 10 dias, sob pena de execução».

Assim, na decorrência do que sucede na execução por custas – em que é necessário, por disposição expressa, a sentença e a certidão da liquidação conjuntamente  na execução das custas de parte, para preencher o requisito do título executivo, não poderá, em princípio, bastar a sentença condenatória. Concluindo-se no acórdão referido a este respeito: «Por interpretação extensiva (execução por custas processuais ≈ execução por custas de parte) e analógica (liquidação ≈ nota justificativa), afigura-se-nos que se deve entender que no tocante à execução das custas de parte o título executivo será constituído pela sentença condenatória e pela nota justificativa e discriminativa».

Trata-se de uma conclusão que não tem oferecido divergência, esta, de que o título executivo na execução por custas é compósito e se compõe pela sentença condenatória e pela nota justificativa e discriminativa das custas de parte.

O que não já oferece convergência é o tratamento a dar às situações, como a da execução que está na base dos presentes embargos, em que a parte que se arroga credora de custas de parte dá à execução apenas a sentença condenatória e se propõe no requerimento executivo liquidar as custas de parte a que se entende com direito, fazendo-o porque na acção foi tida como extemporânea a nota de custas que aí apresentou .

Tanto quanto se tem conhecimento, terá sido no acórdão a que se tem vindo a fazer referência - Ac RP 14/6/2017 - que terá sido primeiramente defendido [---] «que a ultrapassagem do prazo do n.º 1 do art. 25.º do RCP para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte nem a prescrição do correspondente direito de crédito, mas apenas a preclusão do acto processual de apresentação da nota no próprio processo a que respeitam as custas de parte para efeitos de o pagamento se processar nos termos do incidente previsto no RCP; e que essa preclusão não impede o credor das custas de parte de reclamar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma acção executiva; devendo iniciar-se essa execução pelas diligências previstas no art 716º/4 e  5 do CPC».

Até então vinha defendendo-se que, porque o art 25º/1 do RCP determina que a parte vencedora deve remeter para o tribunal e para a parte vencida a nota discriminativa e justificativa “até dez dias após o trânsito em julgado”, o decurso deste prazo sem a remessa dessa nota implicava a caducidade do direito e a falta de título executivo – nesse sentido, entre outros, o Ac RP 19/2/2014 [---], Ac RL 7/10/2015 [---]; Ac RL 27/4/2017 [---].

Com o acórdão a que acima se fez referência – Ac R P 14/6/2017 – passou a ser admitido que o decurso do aludido prazo apenas preclude o acto processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de ação executiva, com liquidação prévia na execução.

Dá nota dessas duas correntes, o Ac RC 12/6/2018 [---], fazendo-o nos seguintes termos [---]:

«Coloca-se a questão de saber se se o decurso deste prazo implica a extinção do crédito, designadamente pela caducidade do direito, e por consequência a falta de título executivo, e sobre a qual existem duas correntes: a) Uma no sentido de que o decurso do prazo gera a caducidade do direito e a falta de título executivo (cf., por ex., Ac RP de 19/2/2014 (proc. nº 269/10), em www dgsi.pt; Salvador da Costa, “Questões sobre a cobrança de custas de parte”, Maio de 2018, in Blog do IPPC (alterando a posição anteriormente expressa em “Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., Almedina, 2013, pág.313); b) Outra para quem o decurso do prazo apenas preclude o acto processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de acção executiva, com liquidação prévia na execução ( cf., por ex., Ac TCA Sul 8/10/2015 (proc. nº 08570/15), Ac RP de 14/6/2017 (proc. nº 462/06), Ac RG de 17/12/2017 (proc. nº 1359/06), disponíveis em www dgsi.pt )» .

Não se tem dúvidas em se aderir a esta segunda posição, fazendo-o com os fundamentos pertinentemente aduzidos no supracitado Ac RP 14/6/2017.[---]

Em primeiro lugar, no paralelismo entre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte e a conta de custas para efeitos de custas processuais. «Ambos os actos são a forma de operar a liquidação das custas devidas e a interpelação do devedor para o respectivo pagamento voluntário, permitindo-lhe reclamar sobre o valor que está a ser reclamado e reclamar do conteúdo da liquidação no caso de entender que não deve pagar os valores liquidados ou alguma parcela da liquidação».

Em segundo lugar, no que respeita à natureza do prazo de 5 dias constante do art 25º do RCP, que dificilmente se pode entender como prazo de caducidade do direito de exigir judicialmente o pagamento das custas, desde o momento em que «o credor não necessita de instaurar qualquer acção para obter a condenação do devedor a pagá-las pois já dispõe da condenação constante da sentença do próprio processo a que respeitam as custas».

Recorre-se ao Ac 28/6/2022, acima já referido, para a condensação dos demais argumentos utilizados no sobredito Ac RP:

«O prazo legal de dez dias, estabelecido no art.º 25º RCP, é um prazo processual, para a prática de ato processual (a apresentação da nota de custas de parte) e não um prazo de caducidade do direito de exigir o pagamento das custas, pela simples razão de que o direito às custas de parte decorre da sentença condenatória, da qual consta a obrigação do devedor no respetivo pagamento.

Não é pelo facto de a obrigação ser ilíquida que retira exequibilidade à sentença [art.º 703º, n.º 1, a) do CPC], por se revelar uma contradição nos próprios termos (direito já jurisdicionalmente reconhecido). A obrigação de pagamento das custas de parte não se extingue por não ser liquidada no prazo legal (dez dias), pois o que se extingue é o direito de fazer a liquidação por esse meio, previsto nos art.ºs 25º e 26º RCP [---] (cf., ainda, os art.ºs 713º e 716º, n.ºs 4 e 5 do CPC).

Releva também o argumento sistemático, porque estatuindo a lei que o crédito por custas (que compreende as custas de parte) prescreve no prazo de 5 anos (art.º 37º do RCP), seria incongruente e não faria sentido sujeitar esse crédito a um curtíssimo prazo (dez dias), fulminando a sua extinção, quando a condenação consta da própria sentença.

Entendimento contrário violaria claramente o disposto no art.º 311º, n.º 1 do CC, segundo o qual o direito sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário fica sujeito a este último se existir sentença transitada em julgado que reconheça o crédito, como é o caso.

A submissão do crédito de custas a um prazo extintivo do direito (de caducidade ou de prescrição) de apenas dez dias, contados a partir de um evento alheio ao credor (o trânsito em julgado da sentença), seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito na dimensão da proibição do excesso, da violação da proporcionalidade e adequação e da ofensa ao valor da segurança jurídica».

Deste modo, há que concluir pela sem razão da sentença de 1ª instância ao fazer extinguir a execução com a procedência dos embargos de executado, antes devendo estes prosseguirem para se operar a liquidação das custas de parte devidas."

[MTS]


24/10/2023

Jurisprudência 2023 (35)


Recurso; 
fundamentação; improcedência


1. O sumário de RL 9/2/2023 (19765/18.7T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:

I – A cumulação simples de pedidos (art. 555 do CPC) não depende da conexão objectiva entre eles, ou seja, não depende da verificação de uma das hipóteses do art. 36 do CPC. Dito de outro modo, quando o art. 555/1 do CPC remete para as circunstâncias que impedem a coligação, está só a remeter para o art. 37 do CPC e não para o art. 36 do CPC.

II - O facto de haver dois autores não transforma o caso numa coligação activa. “A coligação pressupõe que, além de uma pluralidade de partes activas ou passivas, é formulado um pedido distinto por cada um dos autores ou é formulado um pedido distinto contra cada um dos réus.”

III – A possibilidade de separação de pedidos, prevista no art. 37/4 do CPC, vale também para a cumulação simples de pedidos.

IV – Se os autores se limitam a dizer, numa conclusão de um recurso contra um despacho saneador que absolveu parcialmente o réu da instância devido à excepção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade de causa de pedir, que “a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas, mas igualmente por normas e princípios jurídicos, os quais apenas reforçam que não existe qualquer ineptidão da petição inicial, nomeadamente porque, através da conjugação dos arts. 31, 36, 37 e 555 do CPC e os princípios da conciliabilidade dos efeitos jurídicos, da inteligibilidade das razões da economia processual e do interesse e da legitimidade processual, só nos resta concluir pela possibilidade de cumulação dos pedidos formulados pelos autores”, não há a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais os autores pedem a revogação daquela decisão (como tinha de haver, por força do art. 639/1 do CPC), pelo que a decisão de absolvição por ineptidão não tem possibilidade de ser discutida, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Quanto ao fundamento da ineptidão da petição inicial, o réu diz:

M - Por fim, cumpre referir que os autores não recorreram da decisão presente no despacho recorrido, ainda que a título subsidiário, que julgou inepta a petição inicial (e requerimento de aperfeiçoamento) por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir, e assim sempre se dirá que, ao terem excluído do objecto do seu recurso qualquer pronúncia relativa a essa decisão, a mesma não poderá ser apreciada pelo TRL, nos termos dos artigos 608/2, 635/4 e 639 do CPC.

O que o despacho saneador recorrido disse, na parte que agora importa, foi o seguinte:

“E mesmo que assim não se entenda, acresce e avulta a ineptidão da petição inicial quanto a este pedido por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir. É que, neste particular a p.i. é vaga e pejada de afirmações conclusivas, desprovida de um conteúdo factual mínimo, e conforme se assinalou supra, no articulado aperfeiçoado relativamente aos procedimentos disciplinares os autores continuam a socorrer-se essencialmente de juízos conclusivos e afirmações contraditórias. Por exemplo, tanto dizem que as decisões foram proferidas sem qualquer audição, defesa ou participação prévia no procedimento dos autores, como dizem que responderam à nota de culpa (então se responderam à nota de culpa apresentaram a sua defesa). Os poucos factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento apenas concernem às datas das notas de culpa do procedimento de suspensão (13/06/2018) e do procedimento de expulsão (23/08/2018), às decisões de suspensão dos autores constantes de decisão de 02/08/2018, ao facto de o processo de expulsão ter sido instaurado na pendência do processo de suspensão, referindo-se de forma vaga “com recurso apresentado, mas não apreciado nem tramitado”. Tudo o mais não passa de juízos valorativos e conclusivos.

Ou seja, os escassos factos alegados (na p.i. e req. de aperfeiçoamento) não consubstanciam vícios de forma dos procedimentos disciplinares, sublinhando-se que a decisão de fundo ou o mérito dos procedimentos disciplinares (isto é a verificação ou não dos ilícitos disciplinares imputados) não se mostra sindicada. A ineptidão parcial é também ela uma excepção dilatória conducente à absolvição parcial da instância (cfr. arts. 186º nºs 1 e 2 al. a) e 577º al. b) do C.P.C.) tal como a falta de interesse em agir nos termos requeridos pelo réu. E não se trata sequer de questão nova no quadro da presente acção.

Destarte, com os fundamentos expostos, julga-se procedente a excepção dilatória no que toca ao pedido concernente à “nulidade dos procedimentos disciplinares instaurados contra os autores”, absolvendo-se o réu da instância relativamente a este pedido.”

Ou seja, o saneador-sentença recorrido diz que à inadmissibilidade da cumulação de pedidos acresce a ineptidão da petição inicial. E com estes dois fundamentos julga procedente “a excepção dilatória”. Mas a excepção dilatória deduzida era a de falta de interesse em agir e a excepção dilatória julgada procedente não foi a de falta de interesse em agir.

Ou seja, apesar do texto algo ambíguo, não há aqui uma decisão com um fundamento subsidiário. Há, sim, uma decisão de absolvição da instância, por verificação de duas excepções dilatórias diferentes: uma por inadmissibilidade da cumulação de pedidos e, outra, por ineptidão da petição inicial derivada da falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir.

Ora, quanto a este fundamento – ineptidão da petição – que serviu também para a absolvição da instância por procedência da, melhor, de uma excepção dilatória, os autores não têm, nas conclusões do recurso, a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais pedem a revogação da decisão, como lhes era exigido pelo art. 639/1 do CPC.

Não se pode invocar para o efeito o que consta da conclusão xiii pois esta, por um lado, contém apenas um chavão ou bordão (“a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas”e, por outro, logo a seguir, no mesmo parágrafo, invoca matéria que não tem a ver com a ineptidão da petição inicial, mas com a inadmissibilidade da cumulação de pedidos, aliás sem qualquer coerência lógica: a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, não tem nada a ver com princípios jurídicos que permitiriam a cumulação de pedidos. Ou seja, não há qualquer indicação minimamente consistente de uma razão para iniciar a discussão sobre se o saneador sentença recorrido tem ou não razão em dizer – e fê-lo dando razões concretas para o efeito - que falta ou é ininteligível a causa de pedir.

E essa falta de razões mesmo que pudesse ser suprida em abstracto pelo que consta do corpo das alegações, não o poderia ser no caso concreto, pois que também nesse corpo não é possível descortinar a indicação dos fundamentos pelos quais os autores pedem a anulação daquela decisão, limitando-se os autores, de outra forma, a afirmar o contrário do que era dito no saneador sentença, ou seja, limitam-se a dizer aquilo que depois dizem na conclusão xiii.

Esse corpo é composto, nesta parte, apenas pelos artigos 51 e 52 (os únicos da parte V) os quais se passam a transcrever:

51. A pretensão dos autores é suportada não só pelos factos acima expostos, através dos quais não restam dúvidas que a petição inicial não pode, de forma alguma, ser considerada inepta, mesmo que apenas parcialmente.

52. Outrossim, as seguintes normas e princípios jurídicos deixam claro que a pretensão dos autores é fundamentada jurídica e processualmente, vejamos: CPC, nomeadamente arts. 31, 36, 37 e 555 princípio da conciliabilidade dos efeitos jurídicos; princípio da inteligibilidade das razões; princípio de economia processual; princípio do interesse e legitimidade processual [os autores misturam o CPC antes e depois da reforma de 2013: o art. 31 é antes o art. 36 é depois… - TRL]

Ora, tendo o saneador-sentença recorrido dito, fundamentadamente, que falta ou é ininteligível a causa de pedir, os autores não podem limitar-se a dizer o contrário numa conclusão, sem tentarem demonstrar que há causa de pedir e ela é inteligível, para mais remetendo em bloco para os factos que constarão das 12 páginas do corpo das alegações que dizem respeito à matéria da admissibilidade da cumulação de pedidos.

Em suma, repete-se, a conclusão xiii ou o art. 51 do corpo das alegações não contém uma indicação do fundamento pelo qual se deveria decidir em contrário do que o saneador recorrido decidiu quanto à questão da ineptidão da petição inicial. Dizer que o que é verdade é o contrário do que se diz num fundamento de uma decisão recorrida é apenas dizer que ela decidiu mal e dizer isto não é apresentar nenhum fundamento para a revogação/anulação da decisão. Tal não permite ao tribunal de recurso - a não ser recorrendo a especulação ou a novo julgamento da questão a partir do nada, o que é inadmissível -, iniciar a discussão, com os autores e com os réus (sabendo estes os argumentos dos autores), sobre se há ou não causa de pedir para o pedido que se julgou inadmissível e se era ou não ininteligível, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela."

[MTS]

23/10/2023

Acção de reivindicação: sobre a necessidade e as vantagens de uma concepção conflitual



[Para aceder ao texto clicar em M. Teixeira de Sousa]


Jurisprudência 2023 (34)


Incidente de qualificação da insolvência;
decisão sobre custas; recorribilidade 


1. O sumário de STJ 15/12/2023 (1641/20.5T8AMT-C.P1.S1) é o seguinte:

I - O acórdão recorrido, divergiu do que havia sido decidido em 1ª instância, no que concerne a custas – sendo, precisamente, contra a condenação em custas que os recorrentes reagem, circunscrevendo o recurso a esse âmbito; à causa foi dado um valor superior à alçada do Tribunal da Relação, verificando-se o primeiro requisito de admissibilidade previsto no nº 1 do art. 629; no que concerne à sucumbência, colocar-se-ão dúvidas sobre se a decisão impugnada (a decisão sobre custas) será desfavorável aos recorrentes em valor superior a metade da alçada da Relação, mas não sendo essas dúvidas ultrapassáveis nas circunstâncias dos autos, face ao disposto na parte final do nº 1 do art. 629 do CPC, atenderemos somente ao valor da causa, pelo que consideramos recorrível a decisão.

II – Num incidente pleno de qualificação da insolvência serão devidas pela massa insolvente as custas que hajam de ficar a cargo da mesma, aquelas que sejam devidas na medida da respetiva sucumbência, atento o disposto no art. 527 do CPC aplicável por via do art. 17 do CIRE; a decisão que julgue o incidente condenará em custas a parte que a elas houver dado causa, a parte vencida na proporção que o for (ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito).

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os recorrentes apoiam-se no disposto nos arts. 303 e 304 do CIRE (e, também, no art. 51 do mesmo Código), defendendo que no âmbito do processo de insolvência e seus incidentes, têm aplicação aqueles artigos e não as regras do art. 527 do CPC, sendo as custas do incidente a cargo da massa insolvente e só havendo lugar a tributação autónoma – fora do quadro dos ditos artigos – de «incidências adjectivas que saiam da tramitação que o legislador fixou como o rito sequencial regular do concurso, sendo que o incidente de qualificação da insolvência, está expressamente previsto no Artº 303, como um dos que hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado».

Vejamos.

Dispõe o nº 1 do art. 527 do CPC que a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos, condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito; esclarecendo o nº 2 do mesmo artigo que se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Comentam, a propósito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (No «Código de Processo Civil Anotado», vol. II, Almedina, 3ª edição, pág.. 419.) que o «critério para determinar quem dá causa à ação, incidente ou recurso, prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde. Quanto à ação, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente».

Por outro lado, o nº 1 do Regulamento das Custas Processuais dispõe estarem todos os processos sujeitos a custas, sendo que para efeitos do Regulamento se considera como processo autónomo, nomeadamente, cada acção, incidente ou recurso.

Encontrar-se-ão estas regras gerais limitadas ou, mesmo, afastadas, pelas normas específicas constantes do CIRE?

O art. 304 do CIRE, estabelece que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado – por si só, esta disposição harmoniza-se, sem dificuldade, com o que decorre do art. 527 do CPC.

Quanto ao art. 303 determina o seguinte: «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do ativo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado».

É neste preceito que, essencialmente, assenta a divergência dos recorrentes, considerando os mesmos que se trata de uma regra especial no que tange à responsabilidade por custas que, na sua articulação com o art. 304 do CIRE, leva a que os incidentes mencionados no art. 303 corram a cargo da massa insolvente (porque a insolvência foi decretada por sentença transitada em julgado).

A propósito, entendeu a Relação do Porto no seu acórdão de 18-11-2021 (Ao qual se poderá aceder em www.dgsi.pt, proc. 3828/20.1T8VNG.P1.): «Esta norma [o art. 303], salvo melhor opinião, não define um princípio de responsabilização pelas custas, estabelece um princípio de regra de incidência de custas. Não consente, por isso, a interpretação de que as custas nos incidentes, que estão expressamente contemplados na norma (e quaisquer outros), sejam sempre suportadas pela massa insolvente.

A norma define a base da tributação fixando que no processo estão abrangidos todos os incidentes e apensos quer os expressamente referidos quer «quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado».

A redação do artigo 303º do CIRE, sob a epígrafe “base de tributação” remete, pois, para a noção de base tributável constante do artigo 11.º do RCP, norma que fixa a regra geral de que «A base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo»».

Também a Relação de Guimarães, no acórdão de 9-7-2020 (Ao qual se poderá aceder em www.dgsi.pt, proc. 5712/19.2T8VNF-D.G1.), referindo-se à qualificação da insolvência, considerou que quando o incidente é aberto por impulso de um credor, não havendo qualquer actividade processual se o credor não o tivesse feito, as custas a fixar nessa decisão, não poderão ficar, inelutavelmente a cargo da massa insolvente. Concluindo:

«- se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a), porque vencido (a) nos termos e último responsável pela lide (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);

- se o incidente for procedente mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);

- se o incidente for improcedente e não tiver sido impulsionado por um particular (antes pelo Senhor (a) administrador (a) da insolvência/Ministério Público, que não pagam taxa de justiça pela sua intervenção processual) as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);

- se o incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Se assim não for, estamos a permitir que alguém impulsione uma lide indevidamente (como sucede no caso dos autos, pois que quer o (a) administrador (a) da insolvência quer o Ministério Público consideraram a insolvência fortuita) sem pagar qualquer taxa de justiça ou ser condenado em custas a final e obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária…».

Igualmente a Relação de Coimbra, no acórdão de 13-11-2018 (Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 306/17.0T8GRD-C.C1.) entendera que as custas no incidente de insolvência culposa estão sujeitas às regras do vencimento - art. 527 do CPC - devendo suportá-las o requerente que decaiu na pretensão.

Ali se dizendo, em face o art. 303 do CIRE: «Daqui resulta, pois, que nem todas as custas ficam a cargo da massa insolvente, de outro modo, não se compreenderia a referência que neste preceito é feita às “custas que hajam de ficar a cargo da massa” … o que implica, que, em regra de custas, também no âmbito dos processos de insolvência, devem prevalecer as regras do vencimento ou quem do processo tirou proveito, ou seja, o disposto no artigo 527.º, CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE».

Aliás, já o STJ no seu acórdão de 29-4-2014 (Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 919/12.6TBGRD.) expressara que «o processo de insolvência, na esteira do que se encontra legalmente estipulado para qualquer outro tipo de processo,  não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois, existem regras especiais e específicas que afastam expressis verbis essa asserção, a começar por aquele artigo 303º do CIRE quando nos diz que para efeitos de tributação o processo de insolvência abrange todo o processado autónomo ali referenciado cujas custas tenham de ficar a cargo da massa, o que significa que não são todas e quaisquer custas que estarão a cargo da massa, mas apenas aquelas que esta haja de suportar e a massa insolvente só suportará as custas na medida da sua sucumbência, por força das disposições processuais gerais aqui aplicáveis subsidiariamente, ex vi do artigo 17º do CIRE que para elas nos remete».

Sendo que, recentemente, decidiu este Supremo Tribunal, no acórdão de 20-12-2022 (Ao qual se pode aceder em www.dgsi.pt, proc. 860/13.5TYVNG-BC.P1.S1.): «…não suscita dúvidas que o processo de insolvência está sujeito a custas como avulta do disposto nos artigos 301 a 304, do CIRE, destacando, até porque a Recorrente os refere, o consignado no art.º 303: “Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão de bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do ativo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado”, e o art.º 304: “As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.”.

O enunciado não autoriza que se entenda que no processo de insolvência, para os possíveis intervenientes o processo possa ser gratuito, ou mesmo tendencialmente desonerado de custas, suportando a massa insolvente todas as custas contabilizadas.

Tal obsta o expressamente constante do texto legal quando reporta que apenas são devidas pela massa insolvente as que hajam de ficar a cargo da mesma, isto é apenas deve suportar as que sejam devidas na medida da respetiva sucumbência, com o necessário reporte às normas processuais gerais, constantes do art.º 527, do CPC, ex vi art.º 17, do CIRE, isto é, como já se aludiu, a decisão que julgue uma ação, incidente ou recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, a parte vencida na proporção que o for, ou não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.

Considerando-se que este entendimento é o que melhor se coaduna com o sistema de responsabilidade por custas, não resulta o mesmo perturbado pelo constante no art.º 304, do CIRE, cuja interpretação não pode ser realizada autonomamente, mas sim integrada na demais ordem jurídica, na exigência de harmonia e afastamento de contradições, que de modo necessário verificar-se-iam, numa possível excecionalidade, não só se opondo ao princípio geral em sede de custas, mas também ao art.º 303, do CIRE, que assim carecia de utilidade».

O que transcrevemos leva-nos a concluir que os arts. 303 e 304 do CIRE são harmonizáveis, sem dificuldade, com a previsão do art. 527 do CPC, não afastando o que este dispõe – para isso nos remete a expressão “incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa” no art. 303; no próprio teor do art. 304 se manifesta o princípio da causalidade (na expressão “consoante a insolvência seja ou não decretada”).

Serão devidas pela massa insolvente as custas que hajam de ficar a cargo da mesma, por outras palavras as que sejam devidas na medida da respetiva sucumbência, atento o disposto no art. 527 do CPC, aplicável por via do art. 17 do CIRE; deste modo, a decisão que julgue algum incidente ou recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, a parte vencida na proporção que o for, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito."

[MTS]