"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/02/2024

Jurisprudência 2023 (106)


Acção de honorários;
honorários; fixação


1. O sumário de STJ 11/5/2023 (552/07.4TVPRT.P2.S2) é o seguinte

I. A decisão sobre a matéria de facto e de direito, no anterior Código de Processo Civil consubstanciava procedimento processual, não só espaçados no tempo, como encerrava distinta natureza, relativamente ao atual regime adjetivo, sendo que na decisão de facto, consignavam-se os factos julgados provados e aqueloutros julgados não provados, e, em sede de motivação, concretizavam-se os elementos probatórios, ao passo que, ao apreciar a questão de direito e consequente decisão, ao julgador bastava-lhe indicar os factos julgados provados, a subsumir juridicamente.

II. De igual modo, conforme estabelecido no anterior direito adjetivo civil, eram distintos os vícios da decisão sobre a matéria de facto em confronto com os vícios da sentença, pois, no que respeitava à decisão de facto, estabelecia-se que a decisão podia padecer de quatro vícios, a saber: a deficiência da resposta, a obscuridade da resposta, a contradição entre as respostas e a falta de motivação da decisão, podendo as partes reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação, importando ao Tribunal decidir das reclamações apresentadas.

III. Acaso aqueles vícios da decisão de facto não fossem objeto de reclamação e/ou não fossem atalhados pelo Tribunal recorrido, e, mesmo assim, fosse proferida sentença com a decisão da matéria de facto a padecer de tais vícios, cabia à parte suscitá-los no recurso da sentença, impugnando a decisão de facto.

IV. Não tendo sido a decisão de facto objeto de qualquer reclamação, outrossim, proferida sentença, subsumindo a decisão da matéria de facto, não ter sido suscitado na apelação a impugnação da decisão de facto, temos que reconhecer estar vedado ao Supremo Tribunal de Justiça reponderar a decisão de facto.

V. O laudo é um juízo pericial, como tal, sujeito às regras da valoração deste específico meio de prova, encerrando uma natureza eminentemente orientadora, sendo um mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador.

VI. À míngua de critérios legais especificamente aplicáveis, é atribuído ao Tribunal uma certa discricionaridade na fixação dos honorários, daí que esta fixação há de ser calculada também com base em critérios de equidade, assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e na salvaguarda da segurança na aplicação do direito e do princípio de igualdade.

VII. A propósito da fixação do valor dos honorários com recurso à equidade, importa dizer que, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, é essencial, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base da fixação de tais valores, são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, daí que, se o Supremo Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre  a fixação do valor dos honorários assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exata do respetivo valor, mas tão-somente a verificação exata acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas Instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto trazido a Juízo.

VIII. Nos termos do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA), o IVA é um tributo geral sobre o consumo que incide sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços, as aquisições intracomunitárias e as importações, sendo que são sujeitos passivos do IVA as pessoas singulares ou coletivas que exerçam uma atividade económica ou que, praticando uma só operação tributável, preencham os pressupostos de incidência em imposto sobre rendimento.

IX. O envio da conta de honorários deve ser reduzida a escrito, assinada pelo Sr. Advogado, ou por um seu representante, e ser enviada ao cliente, permitindo a este saber o valor global que tem em dívida, a par de que este envio também se torna fundamental para o reconhecimento de que os serviços se consideram realizados/prestados, uma vez que será a partir de então que se fixa a exigibilidade do imposto.

X. Embora o quantitativo referente aos serviços prestados ao demandado se tenha tornado líquido para os demandantes, através da sua notificação àquele, tal liquidez não se comunica à retribuição do contrato de mandato já que se está perante um crédito determinado apenas pelos demandantes, podendo ser divergente o juízo do demandado sobre a forma de cálculo utilizada para a liquidação.

XI. O crédito por honorários só se torna líquido com a sentença judicial que fixe o respetivo montante, sendo a data da respetiva prolação condizente com o dies a quo atinente à contagem dos juros moratórios devidos


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] à míngua de critérios legais especificamente aplicáveis, compete ao tribunal uma certa discricionaridade na fixação do montante de honorários forenses, donde, a fixação do valor dos honorários há de ser também calculado com base em critérios de equidade assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais atualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

A propósito da fixação do valor dos honorários com recurso à equidade impõe-se dizer que, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base da fixação de tais valores, são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, daí que, se o Supremo Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre  a fixação do valor dos honorários assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exata do respetivo valor, mas tão-somente a verificação exata acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas Instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto trazido a Juízo.

Assim, confrontada a facticidade apurada, e assumindo uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios e generalizantes, reconhece este Tribunal ad quem, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a ausência de diferença dos valores encontrados na fixação de honorários por este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal ad quem, relativamente ao fixado pelo Tribunal a quo, confirmatório do decidido em 1ª Instância, concluímos não se impor a alteração do decidido no acórdão recorrido, mantendo-se o quantum fixado, tendo em conta todas as circunstâncias adiantadas nos arestos proferidos nas Instâncias.

Outrossim, não distinguimos razão para que a quantificação dos honorários deva ser fixada em execução de sentença.

A este propósito, textua o art.º 609º n.º 2 do Código de Processo Civil impor-se ao Tribunal que profira uma decisão em quantia certa, porém, haverá casos, em que tal não será possível, designadamente, por não dispor dos elementos indispensáveis para proferir condenação em quantia certa, devendo condenar “no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.

O enunciado normativo apenas permite remeter a condenação para liquidação em execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, entendendo-se, porém, essa falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na ação declarativa, mas apenas como consequência de ainda se não conhecerem, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da instauração da ação declarativa.

A aplicação do art.º 609º n.º 2 do Código de Processo Civil depende da verificação, em concreto, e como pressuposto primeiro da sua aplicação, da prova da existência do dano, isto é, torna-se necessário estarmos perante uma situação em que se mostre provada a existência do dano, mas não o seu valor, e em que não existe nos autos quaisquer elementos que o permitam fixar, mas ainda é possível averiguá-lo.

Subjacente a relegar a fixação do montante do dano sofrido, a liquidar em incidente de liquidação de sentença, está a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem se absolva o demandado uma vez demonstrada a sua obrigação, mas impedem igualmente uma condenação arbitrária, sem obediência a limites correspondentes com a realidade.

Ora, divisamos no acórdão recorrido o reconhecimento dos elementos para fixar o valor dos honorários reclamados, daí não fazer sentido, salvo o devido respeito por opinião diversa, relegar a fixação dos honorários para liquidação de sentença.

Respigamos do acórdão recorrido, neste particular: “Aceitando-se o valor de €150,00/hora, para o total de 685 horas obtém-se o valor de €102.750,00.

Na nota de honorários (fls. 312/378) indicou-se a verba de €100.000,00 "face ao amplo sucesso alcançado (...) que culminou com o acordo a que se chegou pelo valor de €1.250.000,00. No laudo da Ordem dos Advogados manifestou-se concordância com aquela parcela a título de “sucess fee”.

Sustenta o apelante (conclusão 11ª) que a taxa de sucesso dependia de convenção expressa das partes. O n° 3 do artigo 100° do Estatuto da Ordem dos Advogados indica o “resultado obtido” como um dos elementos a considerar na fixação dos honorários, ao lado de outros como o tempo despendido.

Daqui resulta que a inclusão, na nota de honorários, de uma parcela em função do resultado obtido, não carece de convenção expressa das partes.

Aceitando-se o valor de €150,00/hora, para o total de 685 horas obtém-se o valor de €102.750,00.

Na sentença aceitou-se que fosse incluída uma parcela a título de taxa de sucesso relativa à venda das quotas, mas não se aceitou o valor indicado na nota de honorários, por se considerar que se afigurava excessivo um valor que ultrapassava em mais de metade a diferença entre os dois valores (19.447.500S00 e €1.250.000,00). E fixaram-se os honorários em €170.000,00.

Atendendo aos factores acima indicados e ao teor do laudo da Ordem dos Advogados, também neste ponto manifestamos concordância com a sentença recorrida. Somando aos honorários as despesas comprovadas (facto n° 61) obtemos o valor de €177.420,02.

Deduzindo o valor das quantias entregues pelo Réu (€4.481,57 - facto n° 62), apura-se o montante de €172,938,45.

(…) Aplicando a taxa de 21%, em vigor à data da apresentação da nota de honorários, encontramos o valor devido pelo Réu: €209.255,52.

Sobre este montante incidirão juros de mora, conforme o decidido na sentença.

Improcede, pois, a deduzida pretensão no sentido de que se deveria relegar a fixação dos honorários para liquidação de sentença, uma vez que este Tribunal de revista, à semelhança do sustentado nas Instâncias, reconhece estar[em] adquirido[s] processualmente todos os elementos indispensáveis à fixação do valor dos honorários."

[MTS]