Processo executivo; quinhão hereditário;
cônjuge do executado; citação
1. O sumário de RE 25/5/2023 (736/08.8TBTVR-H.E1) é o seguinte:
I - A alienação ou oneração do quinhão hereditário do qual faça parte um imóvel, embora respeite a bem próprio, carece do consentimento de ambos os cônjuges, quando entre eles não vigore o regime de separação de bens.
II - O cônjuge do executado que é titular do direito ao quinhão hereditário em herança objecto de penhora, da qual faz parte bem imóvel, deve ser citado para execução, gozando de legitimidade para deduzir oposição à execução e à penhora.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
1. [...] o objecto do recurso consiste em saber se o embargante, cônjuge da executada (habilitada) BB tem legitimidade para deduzir embargos, o que passa por saber se tinha que ser citado para a execução, nos termos dos artigos 786º, n.º 1, alínea a), e 787º, do Código de Processo Civil, tendo sido esta a única questão que o embargado invocou na contestação e no recurso [só em caso de procedência da excepção é que se terão que tirar consequências quanto à decisão de mérito]. [...]
Vejamos:
2. Em face do disposto no artigo 786º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução: “a) O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no n.º 1 do artigo 740.º; (…)”.
A obrigatoriedade de citação do cônjuge do executado, prevista na 1ª parte da norma, decorre da necessidade de a venda ou adjudicação só poder realizar-se, recaindo a penhora sobre certa categoria de bens, com o consentimento daquele cônjuge, nos termos do artigo 1682º-A do Código Civil, por estar em causa a possibilidade de alienação de bens que só por ambos podem ser alienados.
É verdade que, no caso em apreço, não foram directamente penhorados bens imóveis, pois foi penhorado o direito à herança, ilíquida e indivisa, integrada por bens imóveis, aberta por óbito de CC, de que são titulares as executadas, habilitadas como herdeiras do falecido executado, a qual é efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 781º do Código de Processo Civil, onde se estipula que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada”.
E, como se sabe, a herança ilíquida e indivisa constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstracta do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retroactivos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos [cfr., entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/1993 (proc. n.º 003587), disponível como os demais citados em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/04/2009 (proc. n.º 09A0635), em cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”].
Porém, integrando a herança bens imóveis, e não vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, a alienação ou adjudicação do quinhão hereditário, carece do consentimento de ambos os cônjuges, nos termos do n.º 1 do artigo 1682-A do Código Civil, que se entende ser aqui aplicável, pois, não obstante não terem sido penhorados directamente bens imóveis, a alienação de quinhões hereditários, integrando a herança bens imóveis, implica a alienação de direito que integra estes bens.
Por conseguinte, justifica-se a citação do cônjuge do executado, nos termos previstos no artigo 786º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil o qual, em face do estatuto que lhe é conferido pelo artigo 787º, n.º 1, do mesmo código, “… é admitido a deduzir no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual civil confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução”.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/01/2014 (proc. n.º 722/09.0TBSTS-C.P1), com referência a idênticos preceitos do anterior Código de Processo Civil, onde se concluiu que:
«I - A alienação ou oneração do quinhão hereditário do qual faça parte um imóvel, embora respeite a bem próprio, carece do consentimento de ambos os cônjuges, quando entre eles não vigore o regime de separação de bens, nos termos do art. 1682º-A do CC.II - O cônjuge do executado que é titular do direito ao quinhão hereditário do qual faz parte o imóvel penhorado, deverá ser citado ao abrigo da al. a), do nº3 do art. 864º do CPC.III - Uma vez citado para os efeitos previstos na 1ª parte do art. 864º-A do CPC, goza o mesmo de legitimidade para deduzir oposição à execução e à penhora.»
Deste modo, conclui-se pela necessidade da citação do cônjuge da executada, nos termos do artigo 786º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o qual, atento o estatuto processual conferido pelo n.º 1 do artigo 787º, do mesmo código, tem legitimidade para deduzir embargos à execução."
[MTS]
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