Arrolamento;
testamento; inoficiosidade
1. O sumário de RL 11/5/2023 (5669/21.0T8LSB-A.L1-2) é o seguinte:
I - Fora das situações especiais previstas no art.º 409.º do CC (que no caso não se verificam), não basta a pendência de um processo de inventário instaurado para partilha da herança para que o arrolamento dos bens que eram dos inventariados se justifique, resultando claramente da lei que tal pressupõe uma situação de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos móveis ou imóveis cuja “conservação” possa interessar ao requerente.
II - Alegando o Requerente de um tal procedimento que, sendo herdeiro legitimário dos inventariados seus pais, vê a sua legítima ser atingida por disposições testamentárias inoficiosas, tendo, segundo diz, interesse em agir para assegurar a conservação dos bens relativamente aos quais incidirá a redução, sobretudo (mas não só) quando ela deva ter lugar em espécie, isto é, através da reposição dos próprios bens e não apenas do seu valor, tanto basta para se perceber que apenas terá eventualmente razão de ser o arrolamento dos bens imóveis legados aos Requeridos, e não de todos os bens imóveis das heranças.
III - Sendo o Requerente um herdeiro legitimário que se arroga o direito à redução de liberalidades - legados de bens imóveis - que diz serem inoficiosas, algumas das quais efetuadas a favor de dois Requeridos que não são herdeiros legitimários, podemos, em tese, admitir, face aos mecanismos legais de redução de liberalidades (cf. artigos 2168.º, 2169.º, 2171.º, 2172.º e 2174.º do CC), que àquele assistirá, pelo menos, interesse na conservação dos imóveis que foram legados, não se vendo que ao decretamento do arrolamento possa obstar a mera circunstância de os bens das heranças já terem sido relacionados no processo de inventário.
IV - Pese embora o Requerimento inicial não tenha sido considerado inepto, não deixa de ser manifesta a improcedência da pretensão de arrolamento, considerando não terem sido alegados factos essenciais, constitutivos do direito substantivo que o Requerente se arroga e que a providência requerida serviria para acautelar, dos quais resulte que todos os legados feitos aos Requeridos foram aceites e são inoficiosos ante o (provável) valor da legítima daquele (para cujo cálculo releva, além do mais, o disposto no art.º 2159.º do CC), inexistindo na herança outros bens (não legados) suficientes para preenchimento dessa legítima.
V - Apesar de ser inviável um juízo, ainda que perfunctório, de inoficiosidade, pode-se prosseguir na análise do caso, como se fez na decisão recorrida, admitindo-a como eventual, em ordem a desenvolver a fundamentação. Assim, a existir uma situação de inoficiosidade ante os legados efetuados, haverá que convocar, no plano do direito adjetivo, os artigos 1118.º e 1119.º do CPC (que regulam o incidente de inoficiosidade) e, no plano do direito substantivo, o disposto no art.º 2174.º do CC, o qual dispõe sobre os “Termos em que se efectua a redução”.
VI - Deste último artigo resulta, na interpretação que nos parece preferível, que, sendo os legatários também herdeiros legitimários, se deve respeitar a vontade do testador no sentido daqueles bens legados ingressarem no património dos legatários, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução dos legados por inoficiosidade, deve ser feita em dinheiro e não em substância. Significa isto que, numa tal situação, não assiste ao herdeiro o direito a preencher o seu quinhão hereditário com algum dos outros bens legados, mas apenas o direito a receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima.
VII - Sendo as 1.ª e 2.ª Requeridas irmãs do Requerente, tal como este último, herdeiras legitimárias, concordamos com o entendimento adotado na decisão recorrida no sentido de que não assistiria ao Requerente o direito a ver o seu quinhão preenchido com os bens legados a estas outras herdeiras, sobre as quais apenas impenderia a obrigação de pagamento da quantia em dinheiro necessária para o preenchimento da legítima.
VIII - Os outros Requeridos, netos dos inventariados, já não poderão beneficiar da aplicação do art.º 2174.º, n.º 3, do CC, pois não são, de facto, herdeiros legitimários, tão pouco podendo, quanto a estes legatários, ser convocado, ainda que por via da analogia, o disposto no art.º 2175.º do CC. Mas continua a ser manifesta a improcedência do arrolamento dos bens que a estes Requeridos foram legados, pois não foram alegados quaisquer factos que apontem no sentido da iminência de acontecer a dissipação de tais bens, não bastando que possam existir (eventuais) inoficiosidades e a pendência de um processo de inventário (em que foi deduzido o incidente de inoficiosidade) para que seja de considerar que existe um tal risco de dissipação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Preceitua o art.º 403.º, n.º 1, do CPC que havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis (ou de documentos), pode requerer-se o arrolamento deles. Acrescenta o n.º 2 deste artigo que o arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas. De referir ainda que, conforme expressamente previsto no art.º 404.º do CPC, o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens (ou dos documentos). E que, nos termos do art.º 405.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Código, o requerente deverá fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente; a providência de arrolamento será decretada se o juiz, produzidas as provas que forem julgadas necessárias, adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.
Assim, fora das situações especiais previstas no art.º 409.º do CC (que aqui não se verificam), não basta a pendência de um processo de inventário instaurado para partilha da herança para que o arrolamento dos bens deixados pelos inventariados se justifique, resultando claramente da lei que tal pressupõe uma situação de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos móveis ou imóveis cuja “conservação” possa interessar ao requerente.
No caso dos autos, está pendente o processo principal de inventário para partilha da herança deixada pelos falecidos pais e avós das partes, sendo certo que aí já teve lugar a dita “especificação dos bens”, com a apresentação da relação dos bens deixados pelos inventariados e cujo arrolamento foi requerido (cf. artigos 1097.º e 1098.º do CPC).
Desde já salientamos que o Requerente nada alegou quanto a um possível extravio, ocultação ou dissipação dos bens móveis ou imóveis que não foram objeto dos legados feitos nos testamentos, tanto mais que apenas manifestou preocupação com a inoficiosidade dos legados, afirmando que pretende exercer o seu direito à redução dos legados nos termos dos artigos 2178.º do CC e 1119.º do CPC. Isso mesmo resulta claro do seu Requerimento inicial, mas também da sua alegação de recurso, quando argumenta que, sendo herdeiro legitimário, vê a sua legítima ser atingida por disposições testamentárias inoficiosas, tendo, segundo diz, interesse em agir para assegurar a conservação dos bens relativamente aos quais incidirá a redução, sobretudo (mas não só) quando ela deva ter lugar em espécie, isto é, através da reposição dos próprios bens e não apenas do seu valor.
Tanto basta para se perceber que apenas terá eventualmente razão de ser o arrolamento dos bens imóveis legados aos Requeridos, e não de todos os bens imóveis das heranças, designadamente das verbas 245 a 251 e 281, que correspondem a bens imóveis que não foram legados.
O Requerente é um herdeiro legitimário que se arroga o direito à redução de liberalidades - legados de bens imóveis - que diz serem inoficiosas, algumas das quais efetuadas a favor de Requeridos que não são herdeiros legitimários, pelo que, sem considerar ainda todas as demais circunstâncias do caso, podemos admitir, em tese, face aos mecanismos legais de redução de liberalidades (cf. artigos 2168.º, 2169.º, 2171.º, 2172.º e 2174.º do CC), que àquele assistirá, pelo menos, interesse na conservação dos imóveis que foram legados. Efetivamente, como decorre do art.º 2119.º do CC, os herdeiros não têm direitos sobre bens concretos da herança, só os adquirindo pela partilha, sendo até lá meros titulares de quota hereditária, ou seja, do direito a uma quota ideal da herança. Mas aceitamos que tal direito “reflexamente” lhes confere, por força da eventual inoficiosidade, interesse na conservação dos bens legados (nesta linha de pensamento, veja-se, por exemplo, o ac. da RG de 04-02-2021, no proc. n.º 184/19.4T8AMR.G2, www.dgsi.pt).
Ademais, contrariamente ao que parece ter sido entendido pelo Tribunal a quo, não se vê obstáculo legal a que o arrolamento possa ter lugar pelo facto de os bens das heranças já terem sido relacionados no processo de inventário. Com efeito, admitimos que poderá existir um justo receio da dissipação de tais bens, apesar de estarem relacionados (já não teria razão de ser, tratando-se de imóveis que foram relacionados no processo de inventário, considerar o seu extravio ou ocultação). Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra de 08-07-2021, proferido no proc. n.º 863/20.3T8CTB-A.C1, disponível em www.dgsip.pt, em cujo sumário se afirma precisamente que:
“I) O objectivo do arrolamento não se reconduz, apenas, à identificação dos bens sobre os quais incide o direito do requerente, visando, também, garantir a persistência dos bens até lhe ser dado destino na acção principal.II) Quando a acção principal é um processo de inventário a utilidade do arrolamento poderá manter-se até à efectiva realização da partilha, uma vez que é este o acto que define os direitos de cada um dos interessados em relação aos bens a partilhar.III) A mera circunstância de os bens já terem sido relacionados no processo de inventário não é, só por si, bastante para concluir pela inadmissibilidade do arrolamento ou pela falta de interesse em agir do requerenteIV) Tal interesse continua a subsistir até à partilha se, apesar de os bens estarem relacionados, continuar a existir o risco de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos e a consequente necessidade de tutela judicial para o efeito de assegurar a conservação deles até à realização da partilha e à definição dos direitos de cada um dos interessados.”
No entanto, a pretensão do Requerente ao arrolamento esbarra com outros obstáculos.
Como vimos, o direito que se arroga assenta na (suposta) existência de legados inoficiosos e no direito à sua redução para tutela da sua legítima. Porém, para que pudesse ser determinada a sua legítima, bem como saber se foi ofendida e em que medida, impõe-se determinar o valor dos bens a conferir pertencentes ao acervo hereditário, dispondo o art.º 2162.º, n.º 1, do CC, que, para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança.
Ora, pese embora o Requerimento inicial não tenha sido considerado inepto, a verdade é que não foram alegados factos essenciais, constitutivos do direito substantivo que o Requerente se arroga e que a providência de arrolamento serviria para acautelar, factos dos quais resulte que todos os legados feitos aos Requeridos foram aceites (seguramente o foram quanto aos imóveis cuja venda ocorreu ou estará em vias de acontecer) e são inoficiosos ante o (provável) valor da legítima daquele, inexistindo na herança outros bens (não legados) suficientes para preenchimento dessa legítima.
Em particular, é claro que o Requerente não alegou os factos indispensáveis para que possamos, tendo em atenção, além do mais, o disposto no art.º 2159.º do CC, saber a quanto ascende a sua legítima (designadamente se será superior ao do somatório do valor dos bens que lhe foram legados, já avaliados em 126.000€, 14.500€, 417.730€, 273.000€ e 23.000€), o que inviabiliza um juízo, ainda que perfunctório, de inoficiosidade, que, na decisão recorrida, apenas foi admitida como eventual, em ordem a possibilitar o desenvolvimento da fundamentação de manifesta improcedência da providência requerida.
Não tendo sido alegados pelo Requerente factos cuja prova, indiciária, possibilite a determinação da sua legítima de harmonia com os preceitos legais aplicáveis e, assim, o reconhecimento do direito que invoca aos bens legados mediante a (pretendida) redução das liberalidades, tanto bastaria para concluirmos pela improcedência da pretensão daquele.
No entanto, considerando a fundamentação desenvolvida na sentença, no pressuposto hipotético da demonstração perfunctória da invocada inoficiosidade dos legados, podemos prosseguir o nosso raciocínio.
Face ao que consta dos testamentos, verifica-se que os legados foram feitos por conta da quota disponível do(s) herdeiro(s), mas no caso de ultrapassarem os valores (respetivos) devem ser imputados na legítima de cada um - isto é, nas quotas indisponíveis do Requerente e das suas referidas irmãs – cf. artigos 2133.º, 2135.º e 2157.º do CC.
É sabido que quando o testador fizer diversos legados em favor dos seus herdeiros (fora das situações previstas no art.º 2165.º do CC atinente aos legados em substituição da legítima), podemos estar perante legados por conta da quota disponível ou por conta da legítima, o que não deixa de ser, neste último caso, uma das formas de efetivação do direito à legítima.
É certo que os herdeiros legitimários não são obrigados a aceitar os legados, podendo pretender que a sua legítima seja preenchida com outros bens da herança, resultando do art.º 2163.º do CC que o testador não pode, no que ora releva, designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro. Todavia, se um herdeiro aceitar o(s) legado(s), aceitação que no caso estamos a assumir aconteceu, ficará com determinado(s) bem(s) deixado(s) em testamento, acabando por ter, do mesmo passo, a qualidade de legatário e de herdeiro.
Naturalmente, sendo os legados por conta da legítima de valor inferior ao da legítima do respetivo herdeiro, este terá direito a exigir o preenchimento da sua legítima, pelo valor diferencial, sendo certo que poderão (ou não) existir na herança bens suficientes para isso.
Quando o valor do(s) legado(s) exceder a legítima do(s) herdeiro(s), não é pacífico o procedimento a adotar quanto a esse valor diferencial. Uma possibilidade será considerar que se está perante um pré-legado, aplicando analogicamente o art.º 2264.º do CC (vocacionado para os herdeiros testamentários e para os herdeiros legítimos – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. VI, Coimbra Editora, págs. 417-418), valendo o legado por inteiro, o que significa que o herdeiro irá recebê-lo para além da sua quota. Outra solução será a de considerar que, quando alguém faz legados por conta da legítima, não pretende beneficiar um herdeiro em detrimento de outro, mas apenas indicar os bens que devem servir para preencher as respetivas quotas, pelo que se deverá tentar a igualação dos herdeiros, de modo idêntico ao previsto para as doações sujeitas a colação.
Seja como for, a existir uma situação de inoficiosidade ante os legados efetuados, haverá efetivamente que convocar, no plano do direito adjetivo, os artigos 1118.º e 1119.º do CPC (que regulam o incidente de inoficiosidade) e, no plano do direito substantivo, o disposto no art.º 2174.º do CC, o qual preceitua, sob a epígrafe, “Termos em que se efectua a redução”, que:
“1. Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.2. Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.3. A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.”
Da polémica doutrinária em torno da interpretação do n.º 3 deste artigo nos dá conta o acórdão da Relação de Coimbra de 16-01-2018, proferido no proc. n.º 124/11.9TBTBC.C1, disponível em www.dgsi.pt, aí se defendendo, com bons argumentos, a posição, que secundamos, de que deverá ser dada preferência à interpretação segundo a qual, quando os legatários são também herdeiros legitimários, se deve respeitar a vontade do testador no sentido daqueles bens legados ingressarem no património dos legatários, pelo que a reposição resultante da necessidade de redução dos legados por inoficiosidade, deve ser sempre feita em dinheiro e não em substância.
Significa isto que, numa tal situação, não assiste ao herdeiro o direito a preencher o seu quinhão hereditário com algum dos outros bens legados, mas apenas o direito a receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima. Não se nos afigura que esta interpretação normativa do art.º 2174.º, n.º 3, do CC, no sentido de não permitir a “redução dos legados em substância” quando feitos a outros herdeiros legitimários afronte quaisquer princípios constitucionais, sendo a que se nos afigura mais consentânea com a inserção sistemática da norma e até a sua génese. Veja-se, a propósito, a anotação de Pires de Lima e Antunes Varela, no seu “Código Civil Anotado”, Volume VI, Reimpressão da 1.ª edição, Coimbra Editora, pág. 282:
“Prescreve-se, por fim, no n.º 3 deste artigo 2174.º que a reposição daquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita de igual modo em dinheiro.O texto da disposição pode cobrir, entre outras, situações como esta: A, pai de dois filhos, B e C, deixou à data da sua morte uma herança, no valor de 1500.A reserva legitimária dessa herança será de 2/3, equivalente a 1000 (dos quais 500 caberiam como legítima a B, e outros 500 a C, nos termos do art.º 2159.º, n.º 2), sendo de 500 a quota disponível.O de cujus dispôs, porém, dos dois imóveis que integram a herança a favor do mesmo filho B, parte através duma doação (em vida) e a outra parte por meio de deixa testamentária.Nesse caso, a reposição do que é devido a C, em virtude da redução imposta às liberalidades feitas exclusivamente a favor de B, é feita, em dinheiro, e não em espécie ou in natura.”
Assim, mesmo admitindo a existência de uma situação de inoficiosidade (que não cremos tenha sido reconhecida pelo Tribunal a quo, mas tão só equacionada como possível), sendo as 1.ª e 2.ª Requeridas, irmãs do Requerente, herdeiras legitimárias, tal como este último, concordamos com o entendimento adotado na decisão recorrida no sentido de que não assistiria ao Requerente o direito a ver o seu quinhão preenchido com os bens legados a estas outras herdeiras, sobre as quais apenas impenderia a obrigação de pagamento da quantia em dinheiro necessária para o preenchimento da legítima.
Neste sentido, numa situação próxima, veja-se o acórdão do STJ de 19-06-2012, proferido na Revista n.º 299/05.6TBVGS.S1 - 1.ª Secção, conforme se alcança do respetivo sumário, disponível em www.stj.pt:
I - Estando em causa a partilha das heranças de dois inventariados pelos seus três filhos, herdeiros legitimários, e dois netos, a quem legaram determinados bens do acervo hereditário, verificando que o valor dos legados excede o valor da quota disponível de cada um dos inventariados, cumpre proceder à sua redução quantitativa, de forma a garantir a intangibilidade da legítima.II - Verificada uma situação de inoficiosidade, é reconhecido aos herdeiros legitimários o direito (potestativo) de redução da liberalidade violadora da legítima em quanto for necessário para esta ser preenchida (art.º 2169.º do CC).III - Sendo indivisíveis os bens objecto dos legados e não excedendo a importância da redução metade do valor dos bens, a inoficiosidade dos legados não confere aos herdeiros legitimários, por via da respectiva redução, o direito de preencher o seu quinhão hereditário com algum dos bens legados, mas tão-somente o direito de receber em dinheiro o montante necessário ao preenchimento da sua legítima (art.º 2174.º, n.º 2, do CC).
Diga-se, porém, que relativamente aos outros Requeridos, netos dos inventariados, já não poderão beneficiar da aplicação do citado art.º 2174.º, n.º 3, do CC, pois não são, de facto, herdeiros legitimários. E, ao contrário do que é afirmado na decisão recorrida, não nos parece que possa, quanto a estes legatários, ser convocado, ainda que por via da analogia, o disposto no art.º 2175.º do CC, nos termos do qual, se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro, até ao valor desses bens. [...]
Mas, aqui chegados, a verdade é que não foram alegados quaisquer factos que apontem no sentido da iminência de acontecer a dissipação dos bens que a estes Requeridos (os netos, que não são herdeiros legitimários) foram legados, não bastando que possam existir (eventuais) inoficiosidades e a pendência de um processo de inventário (em que foi deduzido o incidente de inoficiosidade) para que seja de considerar que existe um tal risco de dissipação.
Mais permanece inultrapassável, relativamente a todos os Requeridos, a falta de alegação de factos essenciais que, a serem indiciariamente provados, possibilitariam subsumir a situação dos autos na previsão do art.º 2174.º do CC nos moldes defendidos pelo Requerente, no sentido do reconhecimento do direito ao preenchimento da sua legítima com os bens legados, desde logo porque, como já referimos, os factos que foram alegados não permitem sequer determinar qual o valor (provável) da quota disponível dos inventariados.
Em suma: dos factos alegados pelo Requerente não resulta, num juízo perfunctório, que lhe assista o direito de redução de legados inoficiosos feitos aos Requeridos e, nessa medida, o direito aos bens imóveis da herança cujo arrolamento requereu - ou seja, inexiste matéria fáctica que, a provar-se, pudesse fundamentar um juízo de provável procedência do pedido formulado no incidente de inoficiosidade (deduzido no processo de inventário); o hipotético direito do Requerente ao preenchimento da sua legítima, por via redução dos legados (supostamente) inoficiosos, quanto aos bens legados às Requeridas suas irmãs reconduz-se a uma reposição em dinheiro (e não dos próprios bens legados); e quanto aos bens legados aos Requeridos netos dos inventariados não decorre dos factos alegados que o (eventual) interesse do Requerente à conservação desses bens corra sério risco."
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