Contrato de arrendamento; cessação;
valor da causa*
1. O sumário de RC 24/1/2023 (343/19.0T8ACB.C1) é o seguinte:
I
- A exigência de redução a escrito dos arrendamentos urbanos, constante
do artº 1069 nº1 do C.C., constitui uma formalidade ad probationem,
podendo o documento escrito ser substituído, para efeito de prova, ao
abrigo do artigo 364.º do CC, por confissão expressa, quando invocado
pelo senhorio, uma vez que a excepção constante do seu nº2, apenas se
mostra estabelecida a favor do arrendatário.
II
- Esta exigência não se mostra suprida pela cominação decorrente da
revelia absoluta da parte R., pois que a confissão de factos dela
decorrente, conforme decorre do disposto no artº 567, nº2, do C.P.C., é
uma confissão ficta, abrangendo apenas os factos que não sendo
indisponíveis, não exijam qualquer forma especial para a sua prova,
conforme decorre expressamente do disposto no artº 568, alínea d), do
C.P.C.
III
- Nessa medida, resultando dos autos que foi concedido o gozo de uma
fracção, pelo seu proprietário, para habitação de um terceiro, mediante o
pagamento de uma contrapartida pecuniária mensal, deve considerar-se
que estes factos integram o tipo contratual de locação de prédio urbano
para habitação, nulo, por não se verificarem os requisitos de forma
previstos no artº 1069 nº1 do C.C., nulidade esta de conhecimento
oficioso (artsº 220 e 286 do C.C.)
IV
- Interposta acção tendo como objecto a celebração de contrato de
arrendamento para habitação, cuja resolução é peticionada nos autos, com
o consequente despejo da arrendatária, a fixação do valor deve obedecer
ao disposto no artº 298 nº1 do C.P.C., não obstando a tal a declaração
de nulidade deste contrato.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Da nulidade deste contrato e suas consequências.
Devendo
o contrato de arrendamento ser celebrado por escrito e não estando
junto aos autos este documento, nem podendo ser substituído por outro
meio de prova que não a confissão expressa, deve considerar-se que o
acordo referido no ponto 3, integra o tipo contratual de locação para
habitação, sem obediência aos requisitos de forma previstos no artº 1069
nº1 do C.C. e assim nulo, por não poder aproveitar ao pretenso senhorio
a excepção contida no nº2 deste preceito.
Ora,
o pedido de resolução do contrato formulado, pressupõe a existência de
um contrato válido que produziu os seus efeitos, embora estes venham a
ser destruídos por via da resolução legal (com salvaguarda dos efeitos
já produzidos e não objecto de restituição e que correspondem grosso
modo, nos contratos de arrendamento, à fruição do locado e ao pagamento
da renda).
Assim
sendo, a peticionada entrega do locado, não se funda no incumprimento
do contrato e sua resolução (muito menos na sua caducidade como invoca a
decisão recorrida) mas antes na declaração de nulidade do contrato de
arrendamento. Esta declaração de nulidade tem os efeitos previstos no
art.º 289º, nº 1, do Cód. Civil, ou seja, efeito retroactivo, devendo
ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em
espécie não for possível, o valor correspondente.
A
restituição do imóvel é assim consequência da nulidade do contrato e do
dever de restituição da coisa ao seu proprietário (artsº 289 e 1311 do
C.C.), mas este dever de restituição da coisa incide apenas sobre aquele
que a detém ilicitamente.
Conforme
a doutrina do então Assento nº 4/95, hoje com valor de AUJ, quando o
tribunal conhecer da nulidade do negócio jurídico invocado no
pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os
necessários factos materiais, devem retirar-se as consequências da
invalidade do contrato, ou seja, deve a parte ser condenada na
restituição do recebido, com fundamento no nº 1 do art.º 289º do Cód.
Civil., mesmo que o não haja sido peticionado, que no caso em apreço
foi.
Resta
o pedido de pagamento das quantias fixadas como contrapartida do gozo
da fracção em causa. Não tendo estas quantias como fonte o contrato de
arrendamento, pois que um contrato nulo é insusceptível de gerar
obrigações, decorre, no entanto, da utilização e gozo da fracção, que
não podem ser já objecto de restituição. Como salienta CASTRO MENDES [Ac. do STJ de 25.03.2021, proferido no proc. nº 11189/18.2T8LSB.L1.S1],
contratos há que no momento em que se põe o problema da sua nulidade
foram já cumpridos prática e economicamente em termos de não ser
possível desfazer retroactivamente tal prestação.
Para
o efeito é irrelevante que a 1ª R. não habite o imóvel, pois que não
procedeu à entrega das chaves à sua proprietária, mantendo-se este
imóvel na sua disponibilidade, sendo assim devido o pagamento das
quantias acordadas como contrapartida da fruição deste imóvel e até sua
efectiva entrega à proprietária, por força do regime da nulidade do
contrato, mas sem aplicabilidade quer do disposto no artº 1045 do C.C.,
quer das sanções constantes do artº 1041 do C.C. que pressupõem a
existência de um contrato válido e a mora do arrendatário no pagamento
das rendas e na restituição do locado, logo que cesse o contrato.
Acresce que, no seu petitório, a A. não peticionou o pagamento das
sanções previstas nestes preceitos, mas apenas o pagamento em singelo
das quantias devidas a título de rendas, não podendo em sede de recurso
ampliar o pedido, ou formular novos pedidos ou suscitar questões não
abrangidas nem objecto da decisão recorrida, exceptuadas as de
conhecimento oficioso.
De
igual modo, a nulidade deste contrato, sempre acarretaria a nulidade da
fiança que nele tivesse sido prestada (artº 632 nº1 do C.C.), também
esta de conhecimento oficioso e, não podendo embora este tribunal
alterar o já decidido e que constitui res judicata, impõe-se a
absolvição da 2ª R. do demais peticionado e não abrangido por esta
decisão.
Do valor da causa
Também neste conspecto não tem o A. razão.
O
valor processual da causa consubstancia a sua utilidade económica,
configurada na petição inicial, tendo em conta a causa de pedir e os
pedidos formulados (artºs 296 e 297 e 299 do C.P.C.)
A
fixação do valor da causa, deve considerar não só a situação existente
ao tempo da propositura da acção (nº1 do art. 299º do CPC), mas os
critérios gerais e especiais, se aplicáveis, previstos os primeiros no
artº 297 e os segundos no artº 298 do C.P.C.
Os
primeiros mandam atender ao valor do pedido formulado em primeiro
lugar, no caso de serem formulados pedidos subsidiários (nº 3 do artº
297), sendo absolutamente irrelevante para a decisão do valor, a
absolvição dos RR. de algum dos pedidos, uma vez que apenas relevam no
que concerne ao valor processual da causa, os decorrentes dos actos
processuais constantes dos nºs 3 a 4 do artº 299 C.P.C.
Os segundos estabelecem critérios especiais de fixação do valor, quando estiver em causa determinados interesses.
A
causa de pedir do A. na presente acção consistia na alegação de um
contrato de arrendamento válido celebrado com a 1ª R., incumprido por
esta quanto à obrigação do pagamento da renda e do dever de uso efectivo
do locado (artº 1072 do C.C.), peticionando na alínea c) que seja
ordenado o despejo da 1ª R. (consequência afinal da resolução do
contrato por via do artº 1083 nº 2 d) do C.C.) e a restituição do locado
à A.
A
acção em causa não constitui uma acção de reivindicação, em que se
discute e pretende afirmar um direito de propriedade sobre a coisa
imóvel, violado pela contraparte, a que corresponderia a fixação
processual do valor da coisa nos termos previstos no artº 302 do C.P.C.
Corresponde
e integra pedidos próprios de uma acção em que a par do pagamento das
rendas se pretende a de declaração de cessação do contrato de
arrendamento, constituindo o pedido de entrega do locado a consequência
da cessação do contrato, sem autonomia face aos pedidos e à causa de
pedir.
O
valor da acção determina-se assim de acordo com o disposto no artº 298
do nº 1 do C.P.C., coincidente com o valor fixado na decisão recorrida.
[Como referido por TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, blog do IPPC, C.P.C.
Online, “O critério enunciado no n.º 1 deve ser aplicado, por analogia,
às acções nas quais o arrendatário pretende obter a entrega do imóvel
arrendado. Pela falta de um critério alternativo viável, o critério
constante do nº 1 também deve ser utilizado quando se discuta a validade
do contrato de arrendamento (LF I (2018), nº 2) ou quando o objecto da
acção seja a caducidade desse contrato (dif. STJ 22/11/2018 (408/16)).”]
*3. [Comentário]
Para mais fácil compreensão do decidido importa referir que o
conhecimento da nulidade do contrato de arrendamento surgiu apenas na
2.ª instância. Um dos pedidos iniciais formulado pelo autor era o de que
fosse "declarada a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre o A. e as RR. com fundamento no abandono do locado".
MTS