"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/01/2025

Jurisprudência 2024 (78)


Conflito negativo de competência
processo de execução; Juízos do Comércio


1. O sumário de RE 25/3/2024 (203/24.2T8ENT.E1) (decisão individual)  o seguinte:

I – Perante um caso concreto em que se suscite a questão da delimitação da jurisdição competente, a primeira tarefa é determinar qual a específica matéria em causa, já que é por esta que se afere a competência.

II – Da conjugação do disposto nos artigos 128.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e 129.º, n.ºs 1 e 2, da LOSJ, decorre que são os Juízos do Comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões, e não os Juízos de Execução.

III – O facto de o processo de insolvência estar encerrado não afasta a manutenção da competência dos Juízos de Comércio, quando o título executivo seja a sentença de verificação de créditos, atento o disposto no artigo 233.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, do CIRE.

IV – Com efeito, se o processo de verificação de créditos se mantém dependente do processo de insolvência, também a sua execução será por apenso a este, já que o artigo 129.º, n.º 2 exclui da competência dos juízos de execução os processos atribuídos aos juízos de comércio, prevalecendo a competência por conexão que o artigo 128.º, n.º 3, da LOSJ consagra.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A única questão colocada para apreciação no presente conflito de competência consiste em determinar qual o Tribunal materialmente competente para a tramitação de ação executiva cujo título executivo é uma sentença de verificação de créditos proferida no Juízo de Comércio.

A questão em apreço foi objeto de decisão da signatária proferida no passado dia 11 de março, no âmbito do processo n.º 2680/23.0T8ENT.E1, em caso em que a execução havia sido instaurada quando o processo de insolvência já se encontrava encerrado, em sentido concordante com a que havia sido proferida no processo n.º 2351/23.7T8ENT.E1, abaixo mencionado e que não vemos razão para modificar no presente quadro concreto, ao qual se aplicam as mesmas considerações ali tecidas, que seguiremos de perto.

Em face do disposto no artigo 211.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa [---], os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal, e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas, estabelecendo os artigos 64.º do CPC e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 – Lei da Organização do Sistema Judiciário [---] –, que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, tendo consequentemente também competência residual no confronto com as outras ordens de tribunais. [...]

Posto este enquadramento genérico, cumpre apreciar e decidir, começando por notar que a questão decidenda não é nova, tendo sido recentemente apreciada em decisão proferida em 30.11.2023, no processo n.º 2351/23.7T8ENT.E1, pelo então Vice-Presidente deste Tribunal da Relação, por competência delegada, com arrimo no aresto deste Tribunal, tirado em 14.09.2017, no processo n.º 755/14.5T8STB.1.E1, estando neste caso em causa, tal como agora, situação em que o processo de insolvência estava encerrado.

Vejamos, então, seguindo de perto, na parte relevante ao caso em apreço, a fundamentação expressa na mencionada decisão, que a signatária subscreve por considerar ser essa a melhor interpretação das normas pertinentes, sendo que, tanto naquele caso como neste, a execução foi baseada na sentença proferida no Juízo de Comércio, sendo essa sentença o título executivo, e tendo o processo sido corretamente qualificado como execução de sentença logo no requerimento inicial, com indicação de todos os dados relevantes do processo de insolvência.

«[C]omo estatui o artigo 40.º, n.º 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, “A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada”.
 
Os Juízos de Comércio são juízos de competência especializada (cfr. art. 81.º, n.º 3, alínea i)).

E a competência dos Juízos especializados de Comércio está estabelecida no artigo 128.º, n.º 1, alínea a), dessa LOSJ, que reservou para os Juízos de Comércio a competência para preparar e julgar “a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;”, sendo que pelo seu n.º 3, “A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.

Tal é a circunstância do caso presente, em que se trata de executar uma decisão condenatória proferida em sentença pelo Juízo de Comércio, num incidente de uma insolvência que ali correu os seus trâmites.

Situação idêntica já foi devidamente analisada e decidida no Acórdão desta Relação de Évora de 14-09-2017, no processo n.º 755/14.5T8STB.1.E1, em que foi relator Mata Ribeiro, também disponível em www.dgsi.pt, e para o qual remetemos.

Proclama este douto aresto que “em face do disposto no artº 128º da LOSJ são os Juízos de Comércio, e não os Juízos de Execução, os materialmente competentes para executarem as decisões proferidas no âmbito das ações que neles correram termos”.

Explicando e fundamentando:

“Efetivamente, dispõe o art. 128.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, atualizada de acordo com a Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro:
 
“1 - Compete às secções de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; (…)
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.”

Neste seguimento, estabelece o art. 129.º do mesmo diploma legal:

“1 - Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil.
2 - Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível. (…)”

Da conjugação destes dois dispositivos, parece resultar sem dúvida, que no caso em apreço o Juízo de Comércio é materialmente competente para a execução das suas próprias decisões. [...]

Ora, se assim é – como cremos ser, e resulta evidente do que decorre da mera interpretação literal dos acima sublinhados segmentos dos preceitos em confronto –, não tem qualquer relevância para a determinação da competência material para a tramitação da presente ação executiva o facto de o processo de insolvência estar encerrado.

Aliás, neste mesmo sentido, pronunciou-se também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2022 [Proferido no processo n.º 3630/21.3T8VLG.P1.], em cujo sumário se consignou que « Desde que a decisão exequenda tenha sido proferida por um juízo de comércio e ressalvado o regime especial das execuções por custas decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, por força da conjugação do nº 3 do artigo 128º e do nº 2 do artigo 129º, ambos da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a competência para executar essa decisão cabe ao tribunal que a proferiu, independentemente do estado em que se ache o processo em que a mesma foi proferida».

Na verdade, os efeitos do encerramento do processo de insolvência encontram-se previstos no artigo 233.º do CIRE, avultando para o caso a alínea c) do número 1, convocada pela exequente, de cujo teor resulta que encerrado o processo “os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor (…), constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”.

Acresce que, se dúvidas houvesse sobre o facto de esse exercício dos direitos ser in casu por dependência do processo de insolvência, bastaria atentar no n.º 4 do preceito, que excetua da desapensação daquele processo, e consequente remessa aos tribunais competentes, precisamente os processos de verificação de créditos.

Voltamos, pois, ao que resulta da LOSJ.

Se o processo de verificação de créditos se mantém dependente do processo de insolvência, também a sua execução será por apenso a este, já que o artigo 129.º, n.º 2 exclui da competência dos juízos de execução os processos atribuídos aos juízos de comércio, prevalecendo a competência por conexão que o artigo 128.º, n.º 3, da LOSJ consagra. Tanto assim que do artigo 206.º, n.ºs 1 e 2, da codificação processual civil resulta que não são distribuídos os atos processuais que importem começo de causa quando esta depender de outra já distribuída, caso em que são apensadas àquelas de que dependam, afastando para estas situações a regra da sua distribuição.

Diga-se, ainda, em reforço, que o artigo 85.º, n.º 2, do CPC, convocado pela senhora juíza do Juízo do Comércio, pressupõe, como aliás logo anuncia, que, nos termos da lei da organização judiciária seja competente para a execução a secção especializada de execução, que no caso não é, atenta a expressa atribuição de competência por conexão aos juízos de comércio, para execução das suas decisões."

[MTS]