Recurso de revisão;
prazo de interposição
1 – Por efeito do disposto no artigo 138º, nº 4, do CPC, é aplicável o regime previsto nos nºs 1 a 3 desse artigo ao prazo de sessenta dias para a interposição do recurso de revisão.
2 – A contagem de tal prazo suspende-se nas férias judiciais.
3 – Assim, é extemporâneo o recurso de revisão interposto a 29.10.2021, contado o prazo de sessenta dias a partir de 09.06.2021.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
2.2.2. Reapreciação de Direito
2.2.2.1. A Recorrente foi citada para a ação executiva no dia 09.06.2021. Apesar de o aviso de receção relativo à carta para citação, enviada e efetivamente recebida na residência da Recorrente, ter sido assinado por CC, deve presumir-se, em conformidade com o disposto no artigo 230º, nº 1, do CPC, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário. Tal citação tem-se por efetuada na própria pessoa da citanda.
Nenhuma razão existe para considerar que a carta não foi entregue à Recorrente. Pelo contrário, para além de existir uma presunção legal, a entrega à destinatária mostra-se conforme com as regras da experiência, pois o normal é a pessoa que recebe a carta entregá-la ao destinatário.
Argumenta a Recorrente que «o conhecimento exigido para efeitos do art.º 697º nº 2 do CPC tem que ser efetivo». A realidade é que mesmo que fosse a Recorrente a assinar o aviso de receção a questão suscitava-se na mesma, pois também poderia argumentar que não abriu a carta. Mesmo neste caso sempre se haveria de presumir que abriu a carta e tomou conhecimento do seu conteúdo, pois esse é o comportamento esperado de uma pessoa que recebe uma carta, assim como o é a entrega ao destinatário quando seja recebida por um terceiro. E no caso o terceiro não é uma pessoa qualquer, mas sim o próprio marido da Recorrente, ele igualmente parte tanto na ação de honorários como na execução da sentença proferida naquela.
Aliás, no plano substancial, é manifestamente improvável o alegado pela Recorrente. Teve conhecimento da sentença na data da citação ou até num momento anterior, bastando recordar que o marido da Recorrente confessou o pedido na ação de honorários e foi notificado da sentença, pelo que, vivendo ambos na mesma casa, dificilmente deixaria de a informar de tal facto. Daí que nenhum erro se deteta quando a Sra. Juiz a quo afirma que a Recorrente teve conhecimento da sentença, sendo certo que o acórdão do STJ que invoca (de 15.12.2011, proferido no processo 1065/08.2TVPRT-A.P1.S1) tem subjacente uma situação completamente distinta, sem paralelo com aquela que está aqui em apreciação.
Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
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2.2.2.2. Como a carta de citação para a execução integrava cópia da sentença exequenda, a Recorrente tomou conhecimento da mesma no dia 09.06.2021.
Alega a Recorrente que o recurso sempre se deve ter como tempestivo, por na contagem do prazo de 60 dias previsto no artigo 697º, nº 2, do CPC «há que atender ao regime previsto nos arts. 138.º e 139.º do CPC, e assim considerar-se o prazo dilatório por via do disposto no art. 245.º, n.º 1, al. a), 2 e 4 do CPC, bem como ao art. 142.º do CPC e 279.º al. b) do CC». Sustenta que o prazo é «de 95 dias, suspendendo-se nas férias judiciais, sendo o último dia para a prática do ato o dia 29/10/2021, dia esse em que, aliás, atendendo a um excesso de cautela por parte da mandatária da Recorrente, foi efetivamente interposto o Recurso em causa.»
O recurso de revisão foi interposto pela Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 696º, al. e), do CPC (v. arts. 32º a 39º do requerimento inicial).
Por isso, o prazo de 60 dias para interpor o recurso extraordinário de revisão contava-se, nos termos do artigo 697º, nº 2, al. c), do CPC, desde que a Recorrente teve conhecimento do facto que serve de base à revisão. Esse facto é a sentença proferida na ação de honorários, no âmbito da qual a ora Recorrente foi citada, mas não notificada daquela sentença.
O prazo de 60 dias previsto no artigo 697º, nº 2, do CPC é um prazo de caducidade.
Como é um prazo para propositura de ação (interposição do recurso de revisão; traduz-se no exercício do direito de anulação de decisão judicial) previsto no CPC, é-lhe aplicável o disposto no artigo 138º, nº 4, do CPC, pelo que segue «o regime dos números anteriores».
Significa isto que, por ser inferior a seis meses, suspende-se durante as férias judiciais (nº 1 do art. 138º) [---]. É-lhe ainda aplicável a regra do nº 2 do artigo 138º: se o prazo terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1º dia útil seguinte.
Aplicando as apontadas regras ao caso dos autos, partindo da constatação de que o conhecimento do facto que fundamenta a revisão ocorreu no dia 09.06.2021, o prazo de 60 dias, por se suspender durante as férias judiciais, terminava no dia 24.09.2021.
Por conseguinte, como o recurso de revisão foi interposto em 29.10.2021, já havia caducado o direito que a Recorrente pretendia exercer, que era a anulação da sentença proferida na ação de honorários.
É de notar que, ao contrário do preconizado pela Recorrente, não acresce ao prazo de 60 dias qualquer dilação «por via do disposto no art. 245.º, n.º 1, al. a), 2 e 4 do CPC». Os 60 dias não são um prazo de defesa, mas sim, como já se referiu, um prazo para exercício do direito de anulação de decisão judicial transitada em julgado.
Por isso, nenhuma censura merece a decisão recorrida ao julgar extemporâneo o recurso interposto e declarar a caducidade do direito da Recorrente à revisão da sentença.
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2.2.2.3. Alega a Recorrente que a decisão recorrida «viola de forma gritante a garantia de acesso aos tribunais prevista no art. 2.º do CPC, bem assim o art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.»
Apesar do transcrito teor da conclusão XXII das alegações, a Recorrente limita-se no ponto 52º da motivação da sua apelação a afirmar que «[o] que esta aqui em causa, e é objeto do presente Recurso, é a limitação operada no processo em crise do exercício do seu amplo direito de defesa, protegido constitucionalmente pelo art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.»
Por conseguinte, se bem compreendemos, a Recorrente refere-se ao mérito do recurso, o qual não foi sequer apreciado na decisão recorrida, uma vez que na fase introdutória foi exclusivamente abordada a questão da caducidade invocada pelo Recorrido.
Por isso, tendo presente que através da apelação se pretende revogar uma decisão que julgou extemporâneo o recurso de revisão, sendo essa a única questão que apreciou, o alegado na conclusão XXII e motivado no ponto 52º das alegações é inconcludente e irrelevante. Nenhuma apreciação se fez na sentença do ocorrido na ação de honorários, mas apenas da extemporaneidade do recurso extraordinário de revisão da sentença proferida naquela ação.
Em todo o caso, mesmo que a Recorrente estivesse a referir-se à exiguidade do prazo para impugnar, por via do recurso de revisão, a sentença proferida na ação de honorários, ainda assim não lhe assistiria razão.
A título liminar, a Recorrente limita-se a invocar a violação da «garantia de acesso aos tribunais», com base no disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Parece suscitar uma questão de inconstitucionalidade.
Se assim for, fazemos notar que um dos traços definidores do nosso sistema de controlo da constitucionalidade é o respetivo carácter normativo. Exige-se que a questão de inconstitucionalidade suscitada perante o tribunal recorrido tenha natureza normativa e não se limite a arguir a violação da Constituição diretamente por parte de decisões judiciais, em si mesmas consideradas. Sendo o controlo de constitucionalidade um controlo de constitucionalidade de normas, a suscitação da inconstitucionalidade deve fazer-se por referência a normas jurídicas, não às decisões judiciais em si mesmas.
Dito isto, verifica-se que a situação referida em XXII das conclusões não foi alegada em resposta à matéria de exceção deduzida pelo Recorrido ou em qualquer requerimento anterior à decisão recorrida, nem aí foi deduzida pretensão com base na mesma, sobre a qual tenha incidido a decisão recorrida, mas sim, e apenas, na presente apelação.
Sendo inequívoca a existência da norma aplicada (art. 697º, nº 2, do CPC) e o seu teor perfeitamente inteligível, verifica-se que em momento algum, podendo fazê-lo, a Recorrente suscitou a questão da desaplicação da norma que prevê que o recurso extraordinário de revisão seja interposto no prazo de 60 dias. Portanto, não submeteu a questão ao Tribunal de que recorre, pois só assim era equacionável que o tribunal recorrido pudesse formular um juízo de inconstitucionalidade determinante da prolação de uma decisão em sentido diferente daquele que veio a acolher. Por outras palavras: não se pode concluir que determinada decisão, proferida num concreto quadro factual, acolhe um entendimento normativo inconstitucional se a dimensão normativa invocada no recurso não foi submetida ao tribunal recorrido.
Além disso, como já se referiu, para que uma questão de constitucionalidade se considere suscitada em termos adequados perante o tribunal não é suficiente referir que a decisão viola a Constituição, tornando-se outrossim necessário que seja discernível a autonomização da questão de constitucionalidade da norma relativamente ao conteúdo da própria decisão em causa, o que não resulta do presente recurso.
Mas vejamos a questão em substância.
O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social [--]. Garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir e acautela os valores da certeza e da segurança inerentes a decisões judiciais transitadas.
O recurso de revisão, enquanto meio de impugnação extraordinário, incide sobre decisões transitadas em julgado. Visa a anulação do caso julgado e da respetiva decisão com fundamento num vício específico.
Sendo um meio que põe em causa os valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica, é compreensível que a lei imponha condições e restrições à sua admissibilidade, seja em termos de prazos para a sua interposição, seja no que concerne aos fundamentos que justificam a anulação da decisão.
Quanto aos fundamentos, é necessário que o processo ou a decisão se encontrem afetados por vícios cuja gravidade justifica que se sacrifique a segurança resultante do caso julgado à justiça devida à situação apreciada. Por isso, pode-se dizer, com propriedade, que são extraordinários os seus fundamentos.
Sendo um recurso de revogação de uma decisão já transitada em julgado, para o que se renova ou restaura a instância já extinta, é perfeitamente compreensível que se estabeleçam limites temporais para a interposição do recurso de revisão.
É por isso que se estabelece o prazo de sessenta dias para a interposição do recurso, cujo dies a quo é fixado nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 697º do CPC, sendo no caso dos autos o conhecimento do facto que serve de base à revisão.
O prazo de sessenta dias para o exercício em juízo do direito de anulação da decisão transitada em julgado não é excessivamente curto, pois dele não decorre uma desrazoável limitação daquele direito. É um condicionamento que decorre das exigências de harmonização e de concordância prática entre diferentes valores. Por um lado, perante um processo ou uma decisão que se encontrem afetados por vícios graves, a parte deve poder reagir através do recurso de revisão, em decorrência do direito de acesso aos tribunais e do princípio de tutela jurisdicional efetiva, mas, por outro lado, a necessidade de certeza e de segurança jurídica exige que tal direito seja exercido num prazo de 60 dias, definindo-se a situação com brevidade, de modo a garantir que as pessoas saibam com o que podem contar. A proteção dos mencionados valores relevantes da vida jurídica, através da consagração do aludido prazo de caducidade, não desrespeita as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer no apontado prazo.
Como bem resulta do acórdão nº 105/2014 (de 12.02.2014) do Tribunal Constitucional, «o n.º 4 do artigo 268.º da Constituição garante aos administrados o acesso aos tribunais para defesa de direitos subjetivos ou de interesses jurídicos dignos de tutela, manifestando ou concretizando o princípio geral de acesso dos cidadãos aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20º da Constituição, no âmbito da específica relação dos particulares com a Administração. Valem, neste domínio, os mesmos corolários identificados no que respeita, em geral, ao direito de acesso aos tribunais: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 440/94, acessível, como os adiante referidos, em www.tribunalconstitucional.pt ).
O Tribunal Constitucional foi já chamado diversas vezes a apreciar a conformidade constitucional de normas de direito ordinário que estabelecem prazos de prescrição ou de caducidade, concluindo invariavelmente que a simples fixação de tais prazos não importa a violação do direito de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva. Valores objetivos de certeza e de segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, justificam a imposição de um determinado prazo dentro do qual o respetivo direito carece de ser exercido, esgotado o qual fica privado de exigibilidade em juízo (cfr. Acórdãos n.ºs 148/87, 140/94, 70/2000, 411/2010 e 8/2012).»
[MTS]