"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/01/2025

Jurisprudência 2024 (88)


Recurso de revisão;
tribunal competente; competência funcional


1. O sumário de RE 11/4/2024 (1859/20.0T8STR-J.E1) é o seguinte:

Nos termos do artigo 697.º, n.º 1, do C.P.C., o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1.ª instância.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Nos termos do artigo 627.º, n.º 2, do CPC, o recurso de revisão integra a categoria dos recursos extraordinários, encontrando-se regulado nos artigos 696.º a 702.º do mesmo corpo de normas.

De acordo com o artigo 696.º do CPC:

«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:

a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;

b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;

c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;

d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;

iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;

g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.

h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.»

Prescrevendo o artigo 697.º, n.º 1, que:

«1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.»

A decisão a rever é a que conhece material e definitivamente do mérito da causa.

Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se afirmado no sentido propugnado na decisão ora em recurso.

Assim:

“No recurso extraordinário de revisão, o poder decisório cabe ao Tribunal que proferiu a decisão. Esse recurso é interposto para o mesmo – e no – Tribunal que proferiu a decisão cuja revisão é pedida.

Verifica-se a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Tribunal de 1ª Instância para apreciar o pedido de revisão quando da decisão a rever houve recurso para o TR.”

– Ac. do STJ de 16-11-2023, P. 11293/19.0T8SNT-B.L1.S1 (Maria João Vaz Tomé), in www.dgsi.t.

“1. Nos termos do art.º 697.º n.º 1 do C.P.C., o recurso extraordinário de revisão deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever, que é o Tribunal da Relação nos casos em que este confirmou uma sentença do Tribunal de 1.ª instância.”

- Ac. do STJ de 05-09-2023, P. 45/16.9T8VLC.P1-A.S1 (Jorge Leal), no mesmo site.

“I - Por princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, não se permita nova discussão do litígio; situações existem, contudo, em que a necessidade de segurança ou de certeza e as exigências da justiça conflituam de tal forma que o princípio da intangibilidade do caso julgado tem de ceder.

II - O meio processual adequado para esse efeito é o recurso extraordinário de revisão, o qual se comporta estruturalmente como uma ação destinada a fazer ressurgir a instância que o caso julgado extinguiu (fase rescindente) e a reabrir a instância anterior (fase rescisória).

III - Tendo a sentença proferida em 1.ª instância sido impugnada e tendo a Relação proferido acórdão confirmatório da mesma, apreciando definitivamente a questão de facto e de direito controvertida, é à Relação que cabe conhecer do recurso extraordinário de revisão por ter proferido a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC).

- Ac. do STJ de 19-10-2017, Proc. n.º 181/09.8TBAVV-A.G1.S1 (Fernanda Isabel Pereira), no mesmo sítio.

Em interessante acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-09-2020, Proc. 2859/15.8T8VCT.G2-A (Maria João Matos) pode ler-se na fundamentação, que pela sua completude nos permitimos reproduzir:

“O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 697.º, n.º 1, do CPC).

Logo, a regra é a de que a competência se defere ao tribunal onde se verificou a anomalia da decisão a rever.

Contudo, nos casos em que a sentença proferida em 1.ª instância tenha sido alvo de recurso (o que é, precisamente, o caso dos autos) discute-se qual o tribunal competente para a rever, se aquele que primeiro a proferiu, se o Tribunal superior que sobre ela se pronunciou depois.

Precisa-se, porém, que a situação só suscita dúvidas no caso de decisões confirmativas da original, uma vez que, «se o autor perdeu em 1.ª instância, mas triunfou na Relação, a decisão a rever é a decisão revogatória e, por isso, a Relação é competente para a revisão. O mesmo acontece, mutatis mutandis, no caso do Supremo ter reconhecido razão ao autor que perdera n.º 1 e 2.º graus. Neste caso, é claro que o tribunal competente para a revisão é o Supremo» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos (Regime do Decreto-Lei n.º 303/2007), Quid Juris, pág. 361).

Assim, nas situações em que a decisão do tribunal superior haja confirmado o prévio juízo da 1.ª instância, a resposta àquela questão dependerá do entendimento que se professe relativamente à natureza da decisão de recurso confirmatória, isto é, se se considera a mesma como sobrepondo-se e absorvendo a sentença prévia (nesta radicando a fonte de caso julgado e de exequibilidade), ou apenas como um seu aditamento, confirmativo.

Para além deste juízo, há quem defenda que o recurso de revisão só deverá ser conhecido no tribunal superior se a anomalia respeitar a vício ocorrido nesse contexto. E invoca-se a identidade do juiz nas fases rescindente e rescisória. Logo, situações de erro de facto ou de procedimento processual ocorridos na 1.ª instância implicarão que seja aí que tenha lugar a revisão, compreendendo-se por isso que, quando se trate de recurso de revisão fundado em documento superveniente essencial, seja quase sempre aí requerida.

Veio, porém, a jurisprudência do STJ defender, progressiva e maioritariamente, que, «muito embora se possa sustentar a alusão ao trânsito em julgado como um pressuposto da revisão (só são suscetíveis de revisão as decisões transitadas em julgado…) e não a atribuição de competência, não pode negar-se que, pelo menos indiretamente e tendo em conta o disposto no artigo 772.º, n.º 1, CPC [artigo 697.º, n.º 1, do atual CPC] – que prescreve que o recurso de revisão “é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever” –, dela resulta que, em regra, a instância competente para apreciar o recurso de revisão é a que proferiu, em último grau, a decisão a rever.

(…) O recurso de revisão, quando estiverem em causa decisões (ou acórdãos) confirmatórios de decisões (ou acórdãos) de tribunais inferiores, deve, portanto, ser apreciado pelo tribunal (superior) que proferiu aquelas e não pelo tribunal (inferior) que proferiu estas; neste sentido, os Acórdãos do STJ de 01-07-1969, BMJ 189, pág. 214 e de 17-12-1992, BMJ 422, pág. 330)».

Compreende-se que assim seja, já «que, em caso de recurso, as decisões ou acórdãos transitados em julgado são sempre os proferidos pelos tribunais superiores (Relação ou STJ) que apreciaram decisões de instâncias inferiores; estas, bem como as da Relação que foram impugnadas em recurso perante o STJ, não transitaram em julgado»; e, assim, «não tem sentido, deferir à 1ª instância a competência para a revisão de acórdão proferido pela Relação ou pelo STJ».

Logo, os «tribunais superiores têm (…) competência para conhecer do recurso de revisão quando for sua a decisão a rever» (Ac. do STJ, de 19.09.2013, Fernando Bento, Processo n.º 663/09.1TVLSB).

A doutrina atual inclina-se no mesmo sentido, nomeadamente quando afirma que do artigo 697.º, n.º 1, do CPC «decorre que a competência para a apreciação do recurso de revisão pode pertencer ao tribunal de 1ª instância, à Relação ou ao Supremo Tribunal de Justiça. Tudo depende do órgão jurisdicional que proferiu a decisão transitada em julgado» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, Julho de 2013, pág. 408).»

Sendo também este o nosso entendimento."

[MTS]