"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/01/2025

Jurisprudência 2024 (81)


Incidente da instância;
decisão interlocutória; recurso de revista


1. O sumário de STJ 10/4/2024 (1162/22.1T8AVR-A.P1.S1) é o seguinte:

I - A decisão final tomada em incidente de “habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio” (art. 356º CPC) constitui decisão interlocutória com natureza processual (com aplicação dos arts. 292º a 295º do CPC para os incidentes da instância), no âmbito de um incidente legalmente previsto como inserido na causa principal sem estar configurado com a estrutura e a natureza de uma verdadeira acção, apesar de constituir dependência de outro processo, mas diluindo-se como questão acessória na tramitação dessa causa principal, conducente no caso à pretendida substituição processual da Ré e Reconvinte originária.

II - Sendo reapreciada pela Relação, essa decisão final apenas pode ser objecto de revista com base nos fundamentos previstos no regime das als. a) e b) do art. 671º, 2, do CPC (revista “continuada” das decisões interlocutórias “velhas” proferidas em 1.ª instância), sob pena de não admissão da revista.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"G) As decisões finais proferidas no incidente de “habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito litigioso” (arts. 292º-295º, 356º, CPC) configuram objectivamente decisões interlocutórias com incidência sobre a relação processual, no âmbito de um incidente legalmente previsto como inserido na causa principal sem estar configurado com a estrutura e a natureza de uma verdadeira acção, apesar de constituir dependência de outro processo, mas diluindo-se como questão acessória na tramitação dessa causa principal, conducente no caso à pretendida substituição processual da Ré e Reconvinte originária – assim tem sido entendido, como regra, para os incidentes da instância pela jurisprudência deste STJ [V. Acs. de 29/6/2017, processo n.º 2487/07, Rel. TOMÉ GOMES (para um analógo incidente de habilitação de cessionário, dando origem a “acórdão da Relação que apreciou uma decisão interlocutória da 1.ª instância – de estrita natureza incidental –, versando unicamente sobre a relação processual, mais precisamente sobre a pretendida substituição da autora originária pela pretensa cessionária, o que é subsumível ao disposto no n.º 2 do 671.º”), 19/10/2021, processo n.º 1954/18, Rel. ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS, 16/5/2023, processo n.º 113/16, Rel. RICARDO COSTA, 31/5/2023, processo n.º 65/16, Rel. MARIA OLINDA GARCIA, e de 28/6/2023, processo n.º 3080/17, Rel. RICARDO COSTA; in www.dgsi.pt.] e pela doutrina [Neste sentido, como regra no contexto da tipologia das decisões interlocutórias submetidas em revista por via do art. 671º, 2, do CPC, v. LOPES DO REGO, “Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC – O regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual”, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Maria Helena Brito, Volume II, Gestlegal, Coimbra, 2022, págs. 475-476 e 482: “decisões que se pronunciam acerca de incidentes inseridos na causa principal, admitindo-os ou rejeitando-os”; cfr. ainda, na interpretação do art. 671º, 2, do CPC, LUÍS ESPÍRITO SANTO, Recursos civis. O sistema recursório português. Fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS, Lisboa, 2020, pág. 283.], aplicando-se aqui tal configuração e sua consequência em sede recursiva.

H) Após ser proferido acórdão em sede de Apelação, a impugnação recursiva nestes casos para o 3.º grau de jurisdição segue em exclusivo o regime de admissibilidade do art. 671º, 2, do CPC, que determina que tais acórdãos de reapreciação de decisões interlocutórias proferidas em 1.ª instância «só podem ser objecto de revista»:

«a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quanto esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»

I) Não estamos perante decisão final que conheça materialmente do mérito da causa ou coloque “termo ao processo” (mesmo que interpretado extensivamente) que implique convocar o art. 671º, 1.

Não estamos perante decisão interlocutória “nova”, proferida em primeira mão pela Relação enquanto processo pendente em 2.ª instância, que implicasse convocar o art. 671º, 4, e 673º do CPC [RUI PINTO, “Artigo 671º”, págs. 174, 176, “Artigo 673º”, pág. 192, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Artigos 546.º a 1085.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015.]

Estamos sim perante decisão interlocutória “velha”, proferida pela 1.ª instância – de estrita natureza incidental em sede de “habilitação” com o objecto especial e a tramitação do art. 356º do CPC, com incidência acessória e conexa à tramitação processual da causa e desprovida da natureza de acção – e reapreciada pelo acórdão recorrido da Relação [RUI PINTO, “Artigo 671º”, ob. cit., págs. 174, 175-176.], que segue a disciplina da revista “continuada” do art. 671º, 2, do CPC.

J) Os Recorrentes fundaram a sua revista no regime da impugnação das decisões interlocutórias proferidas originariamente pela Relação, ao abrigo do art. 673º do CPC, ao invés do aludido regime próprio de impugnação reservado no CPC para a decisão intercorrencial de 1.ª instância reapreciada pela Relação.

Logo.

Os Recorrentes não alegaram em revista qualquer dos fundamentos ou oposição jurisprudencial contemplada nas situações previstas para a impugnação própria, que pudessem ser motivo conducente à revogação do acórdão recorrido em revista, ignorando em absoluto qualquer dessas hipóteses exclusivas ditadas pelo art. 671º, 2 (com remissão, na respectiva al. a), para o art. 629º, 2: recurso «sempre admissível) enquanto requisitos de admissibilidade para a revista normal e “continuada” de decisões interlocutórias proferidas em 1.ª instância e, na sua falta, da respectiva exclusão recursiva.

[MTS]