Processo de inventário;
direito à prova
1. O sumário de RP 21/3/2024 (2886/22.9T8STS-A.P1) é o seguinte:
I - O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
II - O direito à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos do processo, mesmo que não tenham o respetivo ónus da prova.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O apelante Cabeça de Casal refere que relacionou, na verba nº 3 da relação de bens apresentada, “Saldo da ... nº ..., no Banco 2..., SA - € 65.000,00”. E que os interessados CC, DD e EE apresentaram reclamação à relação de bens que, quanto à verba nº 3, foi do seguinte teor: “Não aceitam a totalidade da verba nº 3, porquanto a falecida AA era dona de € 21.666,67, ou seja, 1/3 da verba 3; a referida conta bancária tem 3 titulares (falecida AA, interessada DD e EE) pertencendo o saldo às 3, em partes iguais, ou seja, € 21.666,67 a cada uma delas (€ 65,000:3).
Alega que na resposta à reclamação pugna pela consideração de que todo o dinheiro dessa conta pertencia à sua mãe inventariada nos termos acima referidos e requereu a produção de prova documental nos seguintes termos: “Requer a V. Exª a notificação do Banco 2..., S.A., agência de Santo Tirso, na Avenida ..., ..., ... Santo Tirso, para informar os autos de qual a proveniência dos € 65.000,00 existentes na ... nº ..., designadamente, quando e de que outra conta foi transferido esse montante e quem eram os titulares da conta de origem.”
O tribunal deferiu essa diligência e foi realizada a 12 de junho de 2023, a inquirição da testemunha indicada pelo Cabeça de Casal, sendo que, e resulta que foi enviada notificação nessa data do teor do segundo oficio do banco.
Nessa informação, o Banco 2... veio dizer que o valor da conta da verba 3 foi proveniente da liquidação de Depósitos a Prazo que constavam na mesma, titulada na proporção de 1/3 pela falecida anteriormente identificada.
Mais referiu o Banco 2... que a proveniência foi por liquidação total do DP ..., em 23/5/2019, pelo valor de € 16.000,00 e por liquidação total do DP ..., em 26/6/2019, pelo valor de € 50.000,00, o que deu origem à constituição do Depósito a Prazo ... nº ..., em 26/6/2019, no valor de € 66.000,00.
Refere que perante o predito oficio juntou a 26/6/2013 requerimento (refª CITIUS 45953063) no qual alegou que essas operações foram meras alteração do tipo de produto bancário em que os valores foram aplicados, pelo que nada comprova sobre a origem inicial dos valores existentes nessa conta. E requereu, em nome da descoberta da verdade material, que fosse novamente notificado o Banco 2..., SA, para informar os autos da proveniência daqueles depósitos a prazo e para comprovar o rasto do dinheiro, desde a sua entrada em conta titulada pela inventariada, Srª AA.
Alega que sobre este requerimento, secundado por requerimento do interessado FF, não recaiu qualquer despacho do Meritíssimo Juiz “a quo” que, pura e simplesmente, o ignorou, dele fazendo tábua rasa e foi proferida a decisão recorrida no dia 28/6/2023 (dois dias após o seu requerimento a pedir diligências de prova adicionais).
Alega que face à informação do Banco 2..., SA, da qual constavam operações realizadas dentro da mesma conta e não a origem inicial dessa conta, o ora recorrente requereu que esse Banco prestasse novas e mais completas informações sobre a origem do dinheiro, designadamente de que outras contra proveio de início e não de meras operações tituladas dentro da mesma conta.
Conclui que o tribunal recorrido violou o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1110º do Código de Processo Civil, uma vez que, relativamente à verba nº 3, ainda não se encontravam realizadas todas as diligências instrutórias necessárias que habilitassem o julgador a resolver todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, estando em causa o valor de € 44.000,00. E que a não consideração do requerimento probatório atempadamente apresentado pelo ora recorrente constitui clara preterição do seu direito a ver o processo devidamente instruído com a produção de todas as provas requeridas, o que constitui violação da lei.
Peticiona, assim a revogação do supracitado despacho de saneamento, no segmento referente à verba 3), devendo os autos baixar à 1ª Instância para que o Meritíssimo Juiz “a quo” se pronuncie sobre o requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente e determine a notificação do Banco 2..., SA para prestar as informações completas solicitadas, designadamente qual o origem inicial do dinheiro existente na conta, de forma a permitir provar a alegação do ora recorrente de que as interessadas DD e EE nunca efetuaram qualquer depósito ou transferência para a constituição inicial daquela conta e de que o dinheiro existente nessa conta pertencia à inventariada AA, na totalidade.
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As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.
Nos termos do artigo 20 da Constituição da República a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegido, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
Esta acepção ampla do direito á jurisdição levou á consagração do direito a um processo equitativo que implica, por um lado a igualdade das partes (principio do contraditório e principio da igualdade de armas) e por outro lado á licitude das provas e fundamentação da decisão.
Pugnamos como Lebre de Freitas (in Introdução ao Processo Civil, 3 ed. pág. 124 a 125) de que à concepção restrita do princípio do contraditório (direito de pronuncia sobre o pedido e prova) substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade que garante uma participação efectiva das partes ao influírem em todos os elementos de facto ou provas ou questões de direito. Conforme refere Lebre de Freitas: «O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência á actuação alheia, para passar a ser influência no sentido positivo do direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.».(sic)
No plano da prova o princípio do contraditório exige que às partes seja facultada a proposição de todos os meios de prova relevantes e que a admissão das provas tenha lugar com audiência contraditória de ambas as partes e que se possam pronunciar sobre a apreciação das provas produzidas por si e pela parte contrária.
Conforme refere o citado autor (obra citada, pág. 175 a 177) a prova dos factos nos termos do artigo 411 do CPCivi deixou de ser monopólio das parte, tendo o juiz o dever de realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade (principio do inquisitório).
O princípio da aquisição processual (artigo 413 do CPcivil) e o princípio do inquisitório em matéria de prova (artigo 411 do CPC), faz com que a doutrina prefira denomina-lo ónus de iniciativa da prova, distinguindo-o do ónus da prova. A parte suportará as consequências desvantajosas decorrentes de não provar quer por sua iniciativa, quer por iniciativa da parte contrária ou oficiosa um facto que lhe é favorável.
Tal implica que ter o ónus da prova não significa que tenha o exclusivo da prova.
Estamos perante factualidade que exige prova documental a juntar eventualmente pelo Banco (dentro daquilo que tenha conhecimento) para ser demonstrada e que o tribunal não se pronunciou sobre o requerimento do cabeça de casal no qual o mesmo expressamente solicitou a realização de diligências de prova.
Pelo exposto, verificamos que o julgador devia-se ter pronunciado sobre o requerimento do cabeça de casal e determinado a realização da diligência de prova requerida.
A omissão do despacho ou notificação para juntar esse documento ou informação por parte do Banco, constitui nulidade processual porquanto trata-se de um acto que a lei prescreve como essencial ao bom julgamento da causa e caso não ocorra tem influência no exame ou na decisão da causa. Essa nulidade nos termos do artigo 662º nº 2 c) do C.P.C. é do conhecimento oficioso pela Relação.
Estamos perante a uma omissão que se revela essencial para a resolução do litígio, dado que se trata de factualidade controvertida e que poderá ser relevante face á necessidade de se considerar as várias posições jurídicas.
Assim, deve-se admitir a realização de prova tal como pedido pelo cabeça de casal."
[MTS]
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