"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/10/2016

Jurisprudência (442)


Processo de insolvência;
instância central; competência residual


1. O sumário de RL 28/4/2016 (506/15.7T8RGR.L1-8) é o seguinte:


O n.º 2 do art.º 117.º, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, ao atribuir à instância central competência para as ações que seriam da competência das seções (sic) de comércio, se tivessem sido instaladas, remetendo para o disposto no seu n.º 1, deve ser interpretado no sentido de atribuir à instância central a competência para todas as ações a que se reporta o art.º 128.º da mesma lei, que tenham “valor superior a € 50.000,00”.


2. O acórdão segue de muito perto o decidido por RL 26/3/2015 (702-14.4T8PDL.L1-8), afirmando-se nele nomeadamente o seguinte:

"A RLOSJ, introduzida pelo DL 49/2014, de 27 de Março, criou o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (art. 64º), não tendo criado, nenhuma secção de comércio (nem na Instância Central, nem na Local) – vide art. 66º, n.º 1, do citado diploma.

No seu curto prazo de vigência, há decisões com a atribuição de competência às instâncias centrais e locais. Assim, há quem entenda que a competência em razão da matéria se fixa pelo valor mas exige que simultaneamente se reporte a acções declarativas cíveis de processo comum, exigindo que os dois requisitos se cumulem, para se extrair a conclusão de que tais acções são da competência dos tribunais de instância local.


Não oferece dúvidas, que o processo de insolvência é um processo especial. Mas como estatuem os art. 546, 548 e 549/1, os processos especiais regem-se pelas regras próprias e pelas disposições gerais e comuns, em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que está estabelecido para processo comum. O legislador previu para as secções de comércio das instâncias centrais uma vez que a elas cabe, independentemente do valor, conhecer de todos os processos e acções que versem matéria comercial – art.º 128º da LOSJ. Se assim é, importa interpretar o que o legislador pretendeu ao fixar a regra que temos no n.º 2 do art.º117º da LOSJ.

Como decorre do art.º 9 do Código Civil: nº.1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada; n.º2–Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; n.º3–Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

No art.º 128, ao enumerar os processos e acções que são da competência das sessões (sic) de comércio pelo seu objecto, prescindindo da forma de processo, não faz diferenciação das que seguem a forma de processo comum ou especial.

Nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 117º da LOSJ e no n.º 2, desse mesmo normativo, outra não poderá ser a conclusão de que foi intenção do legislador, atenta a interpretação literal da conjugação das duas normas em apreço, atribuir competência às secções cíveis da instância central para as acções que sendo das secções de comércio, nas comarcas onde não existam tais secções especializadas»."

3. Não se acompanha a orientação do acórdão. A instância central só pode ser competente para as acções que são da competência da secção de comércio nas mesmas condições em que lhe é reconhecida a sua competência originária, o que significa que têm que estar preenchidas condições quanto ao valor da causa (superior a € 50.000) e quanto à forma do processo (processo comum) (cf. art. 117.º, n.º 1, al. a), LOSJ) (no mesmo sentido, Vieira Cura, Curso de Organização Judiciária, 2.ª ed. (2014), 187 s. (orientação cuja falta de apreciação no acórdão é, aliás, algo estranha, dado que se encontra expressa no trabalho mais aprofundado sobre a LOSJ)). 

Sendo o processo de insolvência um processo especial, a competência para a sua apreciação nunca pode pertencer, na falta de uma secção de comércio, à instância central. Deve ainda acrescentar-se que não é facilmente compreensível o que no acórdão se quer justificar com a afirmação de que o processo de insolvência se rege subsidiariamente pelas disposições gerais e comuns.

MTS