Interposição de recurso; efeito suspensivo;
prestação de caução
1. O sumário de RP 19/5/2016 (9551/15.1T8VNG-A.P1) é o seguinte:
I - A prestação de caução para ser atribuído efeito suspensivo a um recurso deve ser oferecida nas alegações de recurso e sertramitada no próprio recurso, sem prejuízo da posterior e eventual extracção de translado para processar a caução em caso de demora na sua prestação.
I - A prestação de caução para ser atribuído efeito suspensivo a um recurso deve ser oferecida nas alegações de recurso e sertramitada no próprio recurso, sem prejuízo da posterior e eventual extracção de translado para processar a caução em caso de demora na sua prestação.
II - Apresentado o requerimento, o juiz deve verificar se a execução da decisão da decisão recorrida é susceptível de causar ao requerente prejuízo considerável e só nessa situação deverá depois fixar o valor a caucionar (ainda que superior ao indicado pelo recorrente) e se a caução é idónea (podendo determinar a prestação de outra diferente da oferecida).
2. Na fundamentação do acórdão diz-se o seguinte:
"A prestação espontânea de caução por parte do requerente tem como objectivo declarado pelo próprio a “imediata suspensão da decisão proferida”, expressão que consta do cabeçalho e que é depois repetida no artigo 4.º do requerimento inicial onde se menciona pretender “obter o efeito suspensivo relativamente a tal decisão nos termos do artigo 647.º, n.º 4, do nCPC”.
O que o requerente verdadeiramente pretende, como resulta da norma processual citada, é que a apelação da decisão recorrida(sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e ordenou a entrega ao requerente de um imóvel) tenha efeito suspensivo; não é suspender a decisão, mas que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso da decisão.
Nessa medida e salvo melhor opinião, o requerimento inicial padecia desde logo de uma irregularidade formal.
O n.º 4 do artigo 647.º do Código de Processo Civil estabelece que fora dos casos previstos no número anterior (dos casos em que a apelação tem efeitos suspensivos da decisão), o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.
O n.º 2 do artigo 648.º estabelece, por sua vez, que ao pedido de atribuição de efeito suspensivo pode o apelado responder na sua alegação.
E o artigo 650.º do mesmo diploma estabelece que se a caução não for prestada no prazo de 10 dias após o despacho previsto no artigo 641.º, extrai-se traslado, com a sentença e outras peças que o juiz considere indispensáveis para se processar o incidente, seguindo a apelação os seus termos.
Resulta destas normas que o recorrente deve, ao interpor o recurso e nas próprias alegações de recurso, requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, alegando então os factos necessários para preencher os requisitos da atribuição desse efeito ao recurso (que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável) e oferecendo logo a prestação de caução.
Que isso deve ser feito nas próprias alegações, e não em requerimento autónomo, resulta do disposto nos n.os 2 dos artigos 648.º e 650.º. Só se compreende que o recorrido deva pronunciar-se sobre o pedido do recorrente na resposta às alegações se o pedido dever constar das alegações de recurso, pois não faria sentido que o pedido fosse formulado no articulado de um incidente (autónomo) e a resposta devesse ser dada noutra instância (do recurso).
Da mesma forma, só se até esse momento o incidente estiver a ser processado no próprio recurso (acção principal quando o recurso suba nos próprios autos; apenso do recurso quando este suba em separado) faz sentido que a demora superior a 10 dias após o despacho de admissão do recurso motive a extracção de translado para processar o incidente da prestação da caução (afinal de contas, se a tramitação da prestação da caução já tivesse lugar num incidente autónomo bastaria desapensá-lo).
Acresce que se for processada por apenso, como incidente autónomo, a prestação espontânea de caução tem de observar a tramitação prevista no artigo 913.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 915.º. Ora o n.º 2 daquele preceito diz que a pessoa a favor de quem a caução deve ser prestada é notificada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia. Sendo só esse o objecto possível da impugnação do requerido (o valor ou a idoneidade da caução), ficariam de fora, designadamente, as questões relativas à própria atribuição do efeito suspensivo à apelação que era afinal a exclusiva razão de ser da prestação de caução e que sempre terão de ser apreciadas na sequência da oposição do recorrido (art. 648.º, n.º 2).
Com a agravante de que nesse caso o incidente seria tramitado à margem, sem nele se discutirem os restantes requisitos da atribuição do aludido efeito, mas estes podiam vir a ser enjeitados no recurso, tornando totalmente inútil a tramitação do incidente. Solução estranha, porque o normal será que se discuta a caução apenas depois de apurar que a mesma é necessária, ou seja, que estão reunidos os requisitos para atribuir o efeito suspensivo ao recurso e só falta mesmo prestar a caução.
Não descuramos o disposto no artigo 915.º do Código de Processo Civil que rege sobre a tramitação processual da prestação de caução a título incidental. Segundo o n.º 1 do preceito, o disposto nos artigos anteriores, que regulam a prestação (forçada ou espontânea) de caução a título principal é também aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor da outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso.
Tanto quanto se julga, esta disposição que manda tramitar o incidente por apenso (autonomamente) à acção geradora da sua necessidade, aplica-se nos casos em que não existe nenhuma regulamentação processual específica sobre este aspecto, quando da lei não resultar coisa diversa para algum incidente específico. Ao invés, nos casos em que a regulação processual da própria instância geradora da necessidade da caução inclua a regulação do incidente para a sua prestação (norma particular), este deve observar o que aí se encontra especificamente regulado (norma especial) e não o que, supletivamente, resulta do n.º 1 do artigo 915.º do Código de Processo Civil (norma geral supletiva). É o caso precisamente do regime da prestação de caução como incidente com vista à atribuição de efeito suspensivo à apelação, cuja regulação consta dos artigos atrás citados.
Não obsta a esta circunstância, cremos, o facto de o n.º 2 do artigo 915.º incluir na sua previsão, entre outros, o caso previsto “no n.º 4 do artigo 647.º”, que nos ocupa, já que esta norma apenas estabelece que o incidente tem natureza urgente, podendo, pois, separar-se perfeitamente da previsão do n.º 1.
Isto posto, podemos concluir que a instauração em separado de um incidente autónomo para a prestação da caução é, no caso, desprovida de fundamento jurídico-processual. O mesmo entendimento é defendido por Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 2.ª edição, pág. 217, ao afirmar que “a atribuição casuística de efeito suspensivo depende da iniciativa do recorrente, a integrar no próprio requerimento de interposição de recurso (ou nas alegações), devendo ser alegados os factos dos quais se possa concluir pela verificação do específico periculum a que a lei se reporta. No mesmo momento e na mesma peça processual, deve o requerente deduzir o incidente de prestação de caução, indicando não apenas o valor que oferece, como ainda o modo porque a pretende efectivar, nos termos do art. 988.º,ex vi art. 990.º,n.º 1. Notificado o recorrido da dedução daqueles incidentes, tem a faculdade de responder na contra-alegação, nos termos do art. 692.º-A, n.º 2, onde pode incluir tanto a impugnação dos factos como a dedução de quaisquer objecções quanto ao valor ou idoneidade da caução.”
Qual a consequência desta irregularidade?
A resposta é-nos dada pelo n.º 3 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, segundo o qual o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados. Daqui decorre que se deve considerar que o incidente foi deduzido juntamente com as alegações de recurso nas quais o recorrente requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e aí tramitado (sem prejuízo da extracção do translado se e quando se verificar a circunstância processual que o permita)."
[MTS]