"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/10/2016

Jurisprudência (465)


Apoio judiciário; honorários do agente de execução;
regra da precipuidade


1. O sumário de RG 2/5/2016 (1208/12.1TBBGC.G1) é o seguinte:

a) O elemento relevante a ter em conta no apoio judiciário é que seja o mesmo o direito que se pretende acautelar, independentemente dos meios processuais necessários para o efeito.

b) Ao efetuar-se uma reclamação de créditos numa ação executiva em curso, devido a aí terem já sido penhorados os mesmos bens (art. 794º nº 1 do CPC), está a acautelar-se o mesmo direito que na ação executiva em que a penhora de bens foi posterior.

c) Assim, por interpretação extensiva dos números 4 e 5 do art. 18º da LAJ, deve considerar-se que o benefício do apoio judiciário concedido a uma Exequente é extensivo ao processo de reclamação de créditos que ela haja de efetuar noutro processo executivo, em razão da sustação da sua execução por força do art. 794º nº 1 do CPC.

d) Porém, as custas e os honorários do agente de execução de que essa Exequente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade.e) Por força do art. 541º do CPC, os honorários do agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado, razão por que, numa tal situação, o benefício do apoio judiciário concedido não inibe o funcionamento do preceito, devendo tais honorários ser pagos pelo produto da venda, e não pelo IGFEJ. 

2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte:

"[...] o sistema de justiça não é um serviço público gratuito, antes importando custos diversos.

Assim, como contrapartida da prestação desse serviço, o Estado exige, para si próprio, taxas de justiça a qualquer dos pleiteantes, bem como o pagamento dos encargos que o processo venha a originar.
Depois, há ainda que ter em conta que as mais das vezes as partes terão de recorrer a advogado, solicitador ou agente de execução, aos quais terão de pagar honorários.
No final do processo, na sentença, o juiz tem de referir qual das partes é condenada em custas, ou a sua proporção (art. 607º nº 6 CPC).

Ora, de acordo com o nosso regime de custas processuais (abrangendo a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte), é condenado quem tiver decaído na ação ou quem do processo tirou proveito (art. 527º nº 1 e 2 do CPC).

Uma das componentes dessas custas processuais são as custas de parte, compreendendo estas as taxas de justiça pagas, os encargos suportados, bem como os honorários e despesas do advogado e do agente de execução (art. 533º nº 2 CPC).

Significa isto que a parte vencedora irá depois reaver aquilo que pagou (mais rigorosamente, a proporção indicada no art. 26º do RCP) ou os custos suportados com esses itens, de acordo com o princípio da justiça gratuita para o vencedor.

Ora, é perspetivando que a carência de meios económicos para suportar todos estes custos coartasse às pessoas a possibilidade de efetivarem ou discutirem os seus direitos nos tribunais, que existe o mecanismo do apoio judiciário.

Assim, e uma vez que lhe foi concedido, a Recorrente pôde logo recorrer ao tribunal sem pagar as taxas de justiça necessárias para que o tribunal pudesse apreciar a sua pretensão; foi-lhe nomeado advogado e agente de execução, sendo o Estado a suportar os respetivos honorários.

O apoio judiciário que lhe foi concedido, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, nomeação e pagamento de honorários e despesas de advogado e de agente de execução, significou apenas que, na hipótese de ficar vencida em qualquer das ações, ainda assim a Recorrente nada iria pagar (art. 607º nº 4 e 527º nº 1 e 2 do CPC), pois seria o Estado a suportar tais custos.

Sendo estas as regras gerais em matéria de custas, temos agora que atender ao caso específico do art. 541º do CPC, em que o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento: “as custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”, precipuidade essa que se deixou consignada na sentença de reclamação de créditos. [...]

Esta regra não deixa, porém, de estar em coerência com as regras gerais.

Na verdade, chegado a este ponto do processo executivo, já se sabe que o executado é a parte vencida pelo que, ao retirar-se do produto da venda os valores necessários a pagar as custas, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, é o Executado, parte vencida, quem está a suportar os custos da ação, através do seu património.

Tanto assim que, não sendo esse produto suficiente, a execução pode e deve continuar, com a penhora e posterior venda de outros bens.

As custas e os honorários do agente de execução de que a Recorrente ficou dispensada (por efeito do apoio judiciário) foram apenas aqueles que viessem a ser reputados da sua responsabilidade. Já não os que forem da responsabilidade de outrem, designadamente do Executado.

Nesta medida, os honorários do Sr. agente de execução estão a ser pagos à custa do património do Executado.

Convém também ainda esclarecer que o produto conseguido com a venda do património do Executado não fica desde logo pertença do Exequente ou dos Credores Reclamantes.
Daí que não possa a Recorrente considerar que “é ela que está a pagar os honorários” do Sr. agente de execução. [...]

Adiante-se que o preceito equivalente do anterior CPC, ex art. 455º, era bem mais gravoso pois mandava que pelo produto dos bens penhorados fossem ainda cobradas as custas da execução sustada.

Nesta medida, a penalização da Recorrente (se assim se pudesse considerar), resulta do facto de os bens penhorados não terem sido suficientes para pagamento integral das custas da execução e do seu crédito.

Pelo exposto, há que concluir que o problema não resulta da interpretação do art. 18º da LAJ, mas simplesmente da aplicação do art. 541º do CPC.

Razão por que não ocorreu nenhum desvirtuamento do apoio judiciário concedido à Recorrente e, nessa medida, não possa ser acolhida a sua pretensão de que seja o IGFEJ a suportar o valor devido ao agente de execução a título de honorários e despesas."


[MTS]