"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/10/2016

Jurisprudência (443)


Advogado; deveres deontológicos;
perda de chance


1. O sumário de RL 28/4/2016 (40-14.2T8STB.L1-8) é o seguinte:

-- O advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.
 
-- Nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – artigo 95º nº 1 alínea b) do EOA.
 
-- Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado.
 
-- Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.
 
-- O insucesso na lide, na hipótese atrás referida, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o respectivo êxito.
 

-- A mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito.

2. Da fundamentação do acórdão consta o seguinte trecho:

"A argumentação traçada pela primeira instância afigura-se-nos correcta, pelo que a iremos seguir e mesmo transcrever:

“A questão está em saber se ao incumprimento culposo das obrigações assumidas pelo advogado se liga causalmente um prejuízo para o seu cliente. É que o resultado de uma acção judicial depende do concurso de múltiplos e, normalmente, imponderáveis factores, como sejam a conduta processual das partes, a falta ou ocultação de dados por parte do cliente, o estado da doutrina e da jurisprudência ao tempo em que o juiz é chamado a pronunciar-se, o erro judiciário, etc., sendo estes últimos estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado.

Como é perceptível, uma hipótese de perda de oportunidade apenas pode colocar-se verdadeiramente quando não se alcança a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.

No caso em apreço afigura-se-nos que não se provaram factos que permitam formular um juízo de causalidade naturalístico. O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.


A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis. Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o acto ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).

Trata-se de uma técnica a que se recorre, pois, para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada (Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, “Dissertação de Mestrado, Dano de Perda de Chance e a sua Perspectiva No Direito Português”, página 4, consultada no link http://www.verbojuridico.com//doutrina/2011/patriciacosta_danoperdachance.pdf).

A chance surge, assim, como uma entidade autónoma, como um dano emergente, sendo o seu “quantum” inferior ao dano final, a determinar de acordo com a equidade e em função do grau de seriedade (probabilidade de êxito) da chance perdida. Através da noção da perda de chance faz-se “avançar” a incerteza do encadeamento causal de acontecimentos para o da valoração dos danos, transformando-se o problema da prova da causalidade numa questão de avaliação do dano (Rute Teixeira, “A Responsabilidade Civil do Médico”, páginas 221, 225, 229, 230 e 408).

(…) “E o que se verifica na não interposição de um recurso (ou na sua interposição extemporânea ou no facto de o deixar deserto por falta de alegações), em que por definição, a causalidade não pode ser demonstrada, porque o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudências dos julgadores chamados a reapreciar a causa.

Certo ainda, a propósito, não se confundir a perda de chance com a frustração de expectativa juridicamente tutelada, e que ficcionar-se o dano patrimonial através da figura de perda de chance implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto.

Assim, no caso em apreço, apurado que está o facto de a 1ª ré, ao não recorrer da sentença condenatória, ter cometido um acto ilícito e culposo, há que formular um juízo (julgamento) hipotético sobre as consequências da falta de interposição desse recurso, o que passa pela aferição do grau de risco, ou probabilidade de verificação do resultado danoso.

Acontece que, no processo em causa, alegou o autor que a maior parte dos factos que integram o crime não assumem grande relevância enquanto violação de valores sociais e por outro lado que a indemnização por danos morais é exorbitante. Porém, resultou que o autor no processo-crime não apresentou qualquer contestação, nem mesmo ao pedido de indemnização cível formulado pela assistente naqueles autos. Mais o pedido de indemnização cível formulado foi julgado parcialmente procedente.

Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados na presente acção não permitem concluir que, caso tivesse sido interposto recurso, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito por parte do autor e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o autor visto a questão reapreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Ora, o autor não demonstrou nos presentes autos, para além de considerações genéricas sobre o excessivo valor da indemnização ou a excessiva pena aplicada, que existiam argumentos fácticos e/ou jurídicos que permitissem que a questão fosse reapreciada e que essa reapreciação tivesse para o autor um desfecho favorável.


É certo que ocorreu incumprimento do mandato por parte da 1ª ré, mas o mesmo, atento o exposto, é insusceptível de gerar a obrigação de indemnizar. Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação do recurso foi causa (real, efectiva) adequada da perda de uma oportunidade de ver o quantum indemnizatório reduzido”.

E assim sendo, temos de concluir que a viabilidade das pretensões do autor era nula e, como tal, não existe direito a indemnização pela perda de chance."

[MTS]