"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/10/2016

Jurisprudência (447)


Fundamentação da decisão; processo executivo; 
compensação; erro na qualificação do meio processual;
dever do tribunal


1. O sumário de RP 16/5/2016 (10977/10.2TBVNG-B.P1) é o seguinte:


I - A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão não se basta com a existência de uma fundamentação abreviada ou que seja incompleta ou deficiente ou que, por qualquer modo, não seja convincente; nestes casos, poderá questionar-se o mérito da própria decisão e a procedência dos seus argumentos, mas não afirmar a sua nulidade.
 
II - A reconvenção não é admissível em processo executivo, na medida em que, caracterizando-se por conter um pedido autónomo dirigido contra o autor/exequente, a sua admissibilidade não é compatível com a função da oposição à execução, extravasando a mesma.
 
III - Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente; na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa.
 
IV - O princípio enunciado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição não afasta as normas processuais e não impõe que a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos se exerça numa mesma ação.
 

2. Nas suas linhas essenciais, o caso decidido pela RP era o seguinte:

-- Um Banco instaurou uma acção executiva contra vários executados;

-- Os executados apresentaram oposição à execução e deduziram, nos respectivos embargos, um pedido reconvencional em que pediram o reconhecimento de um crédito contra o exequente.

Os executados incorreram no equívoco de entenderem que, para fazer valer um contracrédito numa execução para pagamento de quantia certa, é necessário deduzir um pedido reconvencional. O disposto no art. 729.º, al. h), CPC (ainda não vigente no momento da dedução daquele pedido) demonstra claramente que não é assim: a invocação de um contracrédito constitui um dos fundamentos possíveis dos embargos de executado (e não de um pedido reconvencional do executado).

De acordo com o disposto no (sempre esquecido) art. 193.º, n.º 3, CPC, a RP, em vez de ter analisado o problema da inadmissibilidade da reconvenção no processo executivo (que, aliás, é indiscutível na execução para pagamento de quantia certa), deveria ter convolado o pedido reconvencional formulado (equivocadamente) pelos executados para uma "normal" oposição à execução. Dito de outro modo: em vez de ter seguido o equívoco dos executados, a RP deveria ter desfeito esse equívoco.

Se o tivesse feito, teria cabido à RP realizar posteriormente o seguinte:

-- Analisar a admissibilidade da alegação do contracrédito pelos executados; dado que a execução se baseava em livranças subscritas e avalizadas, não há nenhum obstáculo à alegação do contracrédito, porque não se vislumbra nenhuma hipótese de preclusão da alegação desse contracrédito (cf. art. 731.º CPC); da leitura do acórdão não se infere com segurança se a RP considerou devidamente este aspecto;

-- Conhecer, se para tal tivesse elementos, do mérito dessa opoisição (cf. art. 665.º, n.º 2, CPC).

MTS