"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/10/2016

Jurisprudência (466)



Apoio judiciário; caducidade;
propositura da acção

1. O sumário de RC 7/6/2016 (3582/13.3TJCBR-F.C1) é o seguinte:

I – Tendo sido solicitado apoio judiciário pelo demandante para propor ação cível, esta considera-se proposta na data em que este requereu o benefício do apoio judiciário.

II - Se o patrono nomeado não propuser a ação no prazo de 30 dias que lhe determina o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004 ou tendo este pedido escusa do patrocínio, se o novo patrono nomeado não propuser a ação no prazo de trinta dias a contar da notificação da sua nomeação deve considerar-se que a ação não foi proposta, perdendo-se o benefício de considerar como proposta a ação na data do requerimento do apoio judiciário.

III - Assim, quando o pedido de apoio judiciário foi requerido antes de decorrido o prazo para propor a ação (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada fora desse prazo, deve considerar-se tempestivamente proposta se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação dentro do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004.

IV - No entanto, quando o pedido de apoio judiciário tenha sido requerido antes de decorrido o prazo para propor a acção (prazo de caducidade) e a petição inicial respectiva tenha sido apresentada depois de decorrido esse prazo, deve considerar-se a caducidade da propositura da ação se o patrono nomeado (ou aquele outro que o substituiu depois de deferido pedido de escusa) realizou essa apresentação fora do prazo de 30 dias a que alude o art. 33º, nº 1 do DL 34/2004.
2. O acórdão transcreve a anterior decisão singular, da qual consta o seguinte trecho:

"[...] o art. 33 do DL 34/2004 estabelece que: “1 – O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo.

2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.

3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.(…)”

De acordo com este normativo, no caso em decisão o patrono nomeado em 21 de maio de 2014 dispunha do prazo de 30 dias, que terminava em 30 de Junho de em 2014, para intentar a acção, pelo que julgamos ser razoável concluir que só nesta circunstância (isto é propondo a acção nesse prazo de 30 dias) poderia beneficiar da “ficção” concedida no art. 24 nº4 citado, segundo a qual a acção se considera proposta, não no dia em que a petição dá entrada em juízo mas sim na data em que foi requerido o pedido de apoio judiciário para a propor.

Configuramos pois este art. 24 nº4 como uma fixação da data de propositura da acção condicionada à apresentação da petição inicial respectiva no prazo de 30 dias a contar da data em que o patrono nomeado foi notificado da nomeação.

Contrariamente ao que defende a recorrente, não cremos que a não apresentação da petição inicial pelo patrono nomeado no prazo aludido dos 30 dias seja configurável como um causa de interrupção do prazo da caducidade, porquanto o art. 285 do CPCivil para que remete se inscreve no capítulo da interrupção da instância e não nos parece ser aplicável à caducidade como causa de interrupção ou suspensão, como adiante veremos.

A caducidade, referida ao direito de propor uma acção em juízo, como expressamente a lei proclama (artigo 328 do Código Civil), em princípio não se suspende nem se interrompe, pelo que a não ser quando isso seja ordenado, não lhe são aplicáveis as regras de suspensão e da interrupção da prescrição.

E não se suspendendo nem se interrompendo o prazo de caducidade, só a prática, dentro do prazo, do acto a que a lei atribua o efeito impeditivo (artigo 331 do Código Civil) é causa impeditiva da sua ocorrência.

Reportada ao direito de propor a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, parece indiscutível que o acto a que tem de atribuir-se o efeito impeditivo dessa mesma caducidade é o da propositura dessa mesma acção, como resulta claro da letra do artigo 332 do Código Civil, onde se fala na acção “…tempestivamente proposta (n. 1); e…prazo decorrido entre a propositura da acção e…”.

Aqui se revela, cremos que sem margem para dúvidas, que o acto impeditivo da caducidade é o da propositura da acção, sem mais. E o que importa para impedir a caducidade é a manifestação de vontade do titular do direito, exercendo-o, não a chegada dessa manifestação ao conhecimento da outra parte, sendo que, no caso de se haver requerido o apoio judiciário o momento da propositura da acção é situado, por determinação legal, com referência à data em que o apoio judiciário foi requerido.

Ora, regressando à questão antes suscitada, se o patrono nomeado, ao contrário do que a lei lhe impõe, não apresenta a petição inicial no prazo de 30 dias, como antes deixámos expresso, julgamos que isso não determina que se tenha a instância processual por suspensa (nos termos do art. 285 do CPC então aplicável) uma vez que, em rigor, essa instância, materialmente, ainda não existe. Efectivamente, é quando dá entrada em juízo a petição inicial que o julgador pode concluir que sendo embora aquela a data em que se inicia materialmente o processo, afinal, a acção se deve ter por proposta em momento anterior, ou seja, naquele em que haja sido requerido o apoio judiciário. Mas é também nesse momento que o tribunal deve aferir se a petição inicial é apresentada depois do prazo de diligência de 30 dias a que alude o art.33 nº1 do DL 34/2004.

Até ser apresentada a petição inicial, que traz consigo a certificação de haver sido requerido (e em que data) e concedido o apoio judiciário, o tribunal não tem forma de saber se a propositura da acção é tempestiva ou não, razão pela qual o argumento (da recorrente) segundo o qual se deveria tomar a não apresentação como uma suspensão da instância julgamos não ter sentido lógico, bastando pensar que para se considerar suspensa a instância a partir do momento da nomeação do patrono estar-se-ia a considerar suspensa uma instância que materialmente não existe e sem possibilidade de proferir um despacho a julgar tal suspensão. E, por absurdo, teria de admitir-se que ao iniciar-se materialmente a instância com a apresentação da petição inicial, retroagindo a data da propositura da acção à do requerimento de apoio judiciário, o processo se iniciaria estando, ou tendo já estado, com a instância suspensa.

Aliás, veja-se que o próprio preceito do C.Civil (o art. 332 nº1), para que a recorrente remete, tem como previsão os casos em que “(…) a caducidade se refere ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta (…)”, o que reforça a ideia de que este normativo não tem aplicação se a acção, como forma material de processo não tiver existência real no tribunal.

Pelo sobredito, entendemos que a solução do objecto do recurso deve ser encontrada na conjugação dos prazos de caducidade e de obrigação do patrono propor a acção em 30 dias com aquela outra disposição que fixa a data da propositura da acção fazendo-a coincidir com a do requerimento de apoio judiciário.

De uma forma mais simples e impressiva, podemos pensar que a situação que se coloca ao juízo do tribunal neste recurso não é diferente e não deverá ter diferente solução daquela outra que se colocaria se, nas mesmas condições e contexto de facto, tendo sido requerido o apoio judiciário numa determinada data, a petição inicial só viesse a entrar em juízo um ou mais anos depois de o patrono haver sido nomeado, sendo o prazo de caducidade de três meses

Ora, se o aludido prazo de 30 dias para propor a acção se situa ainda dentro do prazo de caducidade, se o patrono não a propuser incorrerá em responsabilidade disciplinar (art. 33 nº 3 do DL 34/2004) mas a acção poderá ainda ser proposta até ao termo do prazo de caducidade por esse mesmo patrono ou por outro que a Ordem do Advogados venha a nomear.

Por outro lado, se o prazo de 30 dias para propor a acção terminar, ou mesmo se iniciar, depois de decorrido o prazo de caducidade esta não ocorrerá desde que o requerimento de apoio judiciário tenha sido apresentado enquanto estava ainda a decorrer tal prazo (de caducidade) e isto porque, quando vier a dar entrada em juízo a petição inicial, ao observar-se que a data de tal requerimento se situa dentro do prazo de caducidade, se deverá considerar que a acção foi proposta nesse momento (da apresentação do requerimento de apoio judiciário) e, como assim, tempestivamente proposta.

Diferentemente, se o requerimento de apoio judiciário foi apresentado durante o período em que estava a decorrer o prazo de caducidade mas se o patrono nomeada não apresenta em juízo a petição inicial respectiva nos 30 dias de que dispõe para o fazer, julgamos que caso o venha a fazer depois desses 30 dias e num momento em que o prazo de caducidade já se esgotou, deverá ser considerado que a caducidade ocorreu e o direito de propor a acção se extinguiu. E isto porque, para que tal não sucedesse, para que a petição inicial pudesse impedir a ocorrência da caducidade seria necessário que se verificasse que o requerimento de apoio judiciário foi apresentado ainda quando estava a decorrer esse prazo de propor a acção e, também, que a petição inicial correspondente entrou em juízo no prazo de 30 dias de que o patrono dispunha.

Trata-se de um caso em que poderíamos ser tentados a dizer que o prazo de caducidade se alargou e é acrescentado do prazo concedido para o patrono nomeado apresentar a petição inicial mas em que, verdadeiramente, nenhum acréscimo existe porque é a própria lei que manda considerar como data de propositura a do requerimento de apoio judiciário."

[MTS]