"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



17/10/2016

Jurisprudência (453)



Valoração da prova; poderes da Relação;
assembleia de condóminos; acta;
 natureza jurídica



 1. O sumário de RP 30/5/2016 (45/14.3TBVFR.P1) é o seguinte:
 

I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.

II - A acta da assembleia de condóminos é um documento escrito que apenas tem como finalidade reproduzir aquilo que se passou na assembleia de condómino, ou seja, não constitui qualquer documento negocial
ad substantiam nem ad probationem.

III - Daí que a sua existência possa ser provada pelo recurso a qualquer outro meio de prova, nomeadamente testemunhal ou confissão, expressa ou presumida.

IV - Nos termos do artigo 1436º nº 1 al. j) do C. Civil umas das funções do administrador é prestar contas a assembleia, as quais devem ser apresentadas na reunião a ter lugar na primeira quinzena de Janeiro-artigo 1431.º nº 1 do mesmo diploma legal.

V - Ora, não sendo apresentadas, qualquer condómino ou a respectiva administração mandatada para o efeito, pode pedir a quem exerceu funções de administração que preste contas reportadas ao período em causa.

VI - A obrigação de prestar contas deve recair sobre quem cobra as receitas e efectua as despesas comuns, no fundo, aquilo que constitui não só o núcleo da actividade de administração do condomínio, mas também o próprio objecto da acção de prestação de contas, tal como o define o artigo 941.º do CPCivil.

VII - A obrigação de prestação de contas do mandatário (aplicável ao administrador do condomínio) só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante e não cessa com a simples prestação extrajudicial de contas, cessa apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.
 

2. Da fundamentação do acórdão consta a seguinte passagem: 

"Refere [...] a recorrente que a assembleia [...] não foi extraordinária mas sim ordinária, que ela não ocorreu em Fevereiro de 2012 mas sim em Fevereiro de 2013 e que dela não consta qualquer delimitação temporal quanto à administração da Ré.

Para além disso refere ainda que única forma admissível para provar as deliberações da assembleia de condóminos é através da respectiva acta, não podendo ser substituída por outro meio de prova (ou por outro documento que não seja de força obrigatória superior), conforme se entenda tratar-se de uma formalidade ad substantiam ou ad probationem.

Será que assim é?

Importa, desde logo dizer, como alega a Ré recorrente, que a referida assembleia não ocorreu no dia 2 de Fevereiro de 2012 mas sim em 2 de Fevereiro de 2013 e, não foi, como também refere a recorrente, uma assembleia extraordinária mas sim ordinária [...].

Mas que tipo de formalidade representa a acta do condomínio?

Será uma formalidade ad substantiam ou ad probationem ou nem uma coisa nem outra?

A solução não se apresenta consensual.

Importa, desde logo, dizer que se tem entendido que a falta da acta da assembleia de condóminos não conduz à nulidade ou inexistência da deliberação, apenas determinando que esta tenha a sua eficácia suspensa.[Cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 8.2.2001 in CJ/STJ, 2001, I, 105 solução que aí se defendeu por apelo à solução propugnada por Lobo Xavier para as deliberações das sociedades comerciais. Com efeito, segundo Lobo Xavier, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Coimbra, 1998, pág. 219, a acta não consubstancia verdadeiramente a forma da declaração negocial].

Na verdade, a acta da assembleia não tem necessariamente de ser lavrada na própria assembleia, podendo sê-lo em momento ulterior, pese embora seja de toda a conveniência a sua elaboração no decurso da reunião, atendendo a que a deve ser assinada por todos os condóminos presentes.

Ora, na doutrina Aragão Seia [In “Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª ed., 172 a 175] entende que a acta “é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular– artigo 376º. (…)” e no âmbito administrativo pronunciou-se neste sentido Marcello Caetano [In Manual de Direito Administrativo, 8ª ed., Lisboa, 1968, pág. 195], concluindo que a acta apenas é necessária para a prova da deliberação, pelo que esta não poderá ser executada enquanto não for documentada.

Por sua vez Sandra Passinhas [In “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2ª ed., Almedina”, pág. 265 a 267], defende que a “acta constitui um requisito essencial, uma formalidade imposta ad substantiam, para a validade das deliberações. Para tal invoca a circunstância de as deliberações da assembleia de condóminos serem, juntamente com a lei e o título constitutivo, elementos constitutivos do estatuto de um direito real, a propriedade horizontal. Defende, por isso, que a formulação escrita “será um requisito mínimo indispensável para a certeza e segurança no tráfego jurídico. O valor ad substantiam da acta resulta, para nós, de uma exigência de certeza e segurança jurídica” e que “do regime legal não se retira qualquer indicação no sentido de que a acta tenha valor meramente probatório”.

Deste modo, a falta da acta geraria a nulidade da deliberação (artigo 220.º do CCivil).

Mas existe ainda uma terceira opinião acerca deste tema, segundo a qual a acta não constitui uma formalidade ad substantiam nem ad probationem, sendo tão somente o meio normal de documentação das deliberações [Cfr. Alberto Pimenta, Suspensão de Deliberações Sociais, pág. 24 e Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, I, Lisboa, 1914, pág. 105]

Foi esta, aliás, a solução avançada no Acórdão da RL de 8/10/1991 [...] onde se considerou que a “acta é apenas um documento escrito que «a posteriori» reproduz o que se passou na reunião de condóminos, não constituindo um documento negocial «ad substantiam» nem «ad probationem», pois a sua falta não produz a nulidade da deliberação e a sua existência não impede que contra ela se admita qualquer prova em contrário.

A força probatória da acta é apreciada livremente pelo Tribunal - art. 396º do CC - enquanto documento particular informativo testemunhal”.

Por nossa parte, afigura-se-nos que, efectivamente, a acta é apenas um documento escrito que tem como finalidade reproduzir aquilo que se passou na assembleia de condómino, ou seja, não constitui, quanto a nós, qualquer documento negocial «ad substantiam» nem «ad probationem»."


3. A RP defende aquela que parece ser a melhor orientação quanto à natureza da acta da assembleia de condóminos. Devendo excluir-se que a mesma deva ser considerada um documento ad substantiam, também deve ser afastada a sua qualificação como um documento ad probationem, dado que é admissível a produção de prova contra ou em complemento que se encontra documentado na acta.

Importa ter presente, no entanto, que só tem legitimidade para produzir essa prova quem tenha estado presente na respectiva reunião e não tenha aprovado a acta. 

MTS