Liquidação de sociedade;
responsabilidade dos sócios
1. O sumário de RP 22/10/2018 (582/15.2T8PRT.P1) é o seguinte:
I - Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou ativo supervenientes.
II - Em consequência da extinção, deixa de existir a pessoa coletiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem.
III - Nos artigos 162º, 163º e 164º do Código das Sociedades Comerciais, a questão do passivo e do ativo supervenientes foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão.
IV - A existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova.
V - Não pode a execução intentada contra a sociedade prosseguir contra os sócios, quando não foram alegados, ao menos no requerimento inicial executivo, os pressupostos da sua responsabilização, isto é, que aqueles receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial o registo da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade executada.
Com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou ativo supervenientes.
Em consequência da extinção, deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do disposto nos artigos 162º a 164º do C.S.C.
Os artigos 162º, 163º e 164º do C.S.C. regulam questões derivadas da subsistência de relações jurídicas após a extinção da sociedade. No primeiro, define-se o destino das ações em que anteriormente à extinção a sociedade era parte; no segundo, soluciona-se a questão do passivo superveniente ou débitos sociais não satisfeitos depois da partilha entre os sócios; e no terceiro, estabelece-se que os bens que não tiverem sido partilhados pertencem aos sócios, regulamentando-se a respetiva partilha adicional.
A propósito do estabelecido nos citados artigos 163º e 164º, refere Raul Ventura que, «expressamente estabelecida na lei a responsabilidade dos sócios, em certa medida, pelas dívidas sociais e a titularidade dos sócios nos bens sociais, uns e outros não incluídos na liquidação, ficam afastadas as teorias que, por qualquer processo técnico-jurídico, concluam ou pela cessação de qualquer titularidade ou que atribuam esta à sociedade. Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais ativo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse ativo e passivo. A explicação jurídica dessa intuição reside na extensão do direito de cada sócio relativamente ao património ex-social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos sociais insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes». Dissolução e Liquidação de Sociedades, pág. 480.
Por conseguinte, naqueles preceitos do Código das Sociedades, a questão do passivo e do ativo supervenientes foi solucionada no sentido de a responsabilidade e a titularidade passarem, em determinados termos, para os sócios por sucessão.
No caso em apreço, a execução foi instaurada contra a C…, Lda., em 19 de maio de 2014, sendo que a dita sociedade, em 2013 (OF. 2013, estava pendente de dissolução administrativa e, pela AP. 34/201440704, foi registada a dissolução e encerramento da liquidação, não se indicando se a data deste registo é anterior ou posterior àquela da instauração da execução.
De qualquer modo, o direito que, agora, se pretende fazer valer contra os dois sócios – D… e E… – depende de estes terem recebido em partilha, na sequência da dissolução da sociedade, bens suficientes para o efeito, pressupostos de facto que são constitutivos daquele direito da exequente/apelante, pelo que o ónus de alegação e prova lhe incumbia nos termos do artigo 342º, nº 1, do C.C.
A exequente não dispõe de título executivo contra os referidos sócios, dado que não foram condenados pela sentença que foi dada à execução, nem nada alegou no requerimento inicial executivo quanto a bens que aqueles, eventualmente, tenham recebido em partilha do património societário. Limita-se a exequente a requerer, além de diligência oficiosa junto da administração tributária, que a executada C…, Lda., seja considerada substituída pelos seus sócios, sendo os mesmos «notificados para juntarem aos autos as contas finais da sociedade para comprovarem os valores que foram objeto de partilha dos bens sociais e se os direitos dos credores foram, ou não, acautelados».
A apelante considera suficiente o requerido, visto que, na sua perspetiva, o credor deverá estar apenas obrigado a provar o seu direito sobre a sociedade, cabendo aos sócios provar, nos termos do artigo 342º, nº 2, do C.C., que da liquidação da sociedade não resultou qualquer saldo, ou não resultou saldo suficiente para satisfazer o crédito peticionado.
Porém, como já resulta do referido, é ao credor que, nos termos do nº 1 do mesmo artigo 342º do C.C., cabe alegar e provar o recebimento pelos sócios de bens ou direitos em partilha, na sequência da dissolução da respetiva sociedade. Neste sentido, os acórdãos do STJ, de 5.11.2007 e 26.6.2008, respectivamente, publicados na CJ/STJ, Ano XV, Tomo III/2007, pág. 124, e CJ/STJ, Ano XVI, Tomo II/2008, pág. 138; e o acórdão da Relação do Porto, de 6.4.2017, publicado em www.dgsi.pt.
Em suma, a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova nos termos do artigo 342º, nº 1, do C.C. Não pode a execução intentada contra a sociedade prosseguir contra os sócios, quando não foram alegados, ao menos no requerimento inicial executivo, os pressupostos da sua responsabilização, isto é, que aqueles receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado."
[MTS]