Legitimidade processual;
aferição
1. O sumário de RG 20/9/2018 (3756/12.4TBGMR.G2) é o seguinte:
1- Ao apuramento da legitimidade processual - que se reporta à relação de interesse das partes com o objeto da ação - releva, apenas, a consideração do concreto pedido e da respetiva causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última e do mérito da causa. A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, e é nestes termos que tem que ser apreciada;
2- A ampliação do prazo prescricional, estatuída no n.º 3, do art. 498º, do Código Civil, depende da alegação e, posterior, prova pelos interessados nela (os Autores) de factos dos quais decorra que os ilícitos em que fundam o direito indemnizatório de que se arrogam preenchem os elementos objetivos e subjetivos de um tipo legal de crime em relação ao qual a lei penal preveja um prazo de prescrição superior a três anos. Verificando-se que os alegados factos (afirmados na petição inicial) são suscetíveis de, em abstrato, o constituir, o prazo prescricional é o alargado. De contrário o prazo prescricional será o especial, mais curto (de três anos), previsto no nº1 do referido artigo e, arguida, pelos Réus, a exceção perentória da prescrição, a mesma procederá, com a consequente absolvição daqueles do pedido (nº1 e 3, do art. 576º, do CPC).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
2- A ampliação do prazo prescricional, estatuída no n.º 3, do art. 498º, do Código Civil, depende da alegação e, posterior, prova pelos interessados nela (os Autores) de factos dos quais decorra que os ilícitos em que fundam o direito indemnizatório de que se arrogam preenchem os elementos objetivos e subjetivos de um tipo legal de crime em relação ao qual a lei penal preveja um prazo de prescrição superior a três anos. Verificando-se que os alegados factos (afirmados na petição inicial) são suscetíveis de, em abstrato, o constituir, o prazo prescricional é o alargado. De contrário o prazo prescricional será o especial, mais curto (de três anos), previsto no nº1 do referido artigo e, arguida, pelos Réus, a exceção perentória da prescrição, a mesma procederá, com a consequente absolvição daqueles do pedido (nº1 e 3, do art. 576º, do CPC).
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Cumpre [...] apreciar se os Autores são dotados de legitimidade para pedir:
1 - a declaração de nulidade dos contratos (definitivos), por falta de escritura pública – pedido formulado sob a al. a);
2 - a condenação dos Réus a absterem-se da prática de atos que correspondam à utilização dos poços referidos – pedido formulado sob a al. d);
3 - a condenação (solidária) dos Réus a pagar-lhes uma indemnização por danos que provocaram a familiares seus – parte do pedido formulado sob a al. e).
A legitimidade processual constitui um pressuposto processual, de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz conhecer do mérito da ação. A sua falta dá lugar à absolvição da instância.
Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2004, processo 04B2212, in dgsi.net, relatado pelo saudoso Senhor Juiz Conselheiro Araújo de Barros (sendo os preceitos referidos de anterior redação do CPC) “A legitimidade processual, pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art. 288º, nº 1, al. d), do C.Proc.Civil) - que se não confunde com a denominada legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido - afere-se pelo interesse directo do autor em demandar e pelo interesse directo do réu em contradizer (art. 26º, nº 1, do mesmo diploma).
Sendo certo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art. 26º).
Assim, "ao apuramento da legitimidade interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram a última". [José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, Coimbra, 1999, pag. 52].
Na verdade, "a relação controvertida, tal como a apresenta o autor e forma o conteúdo jurídico da pretensão deste é que é - em orientação jurídica - o objecto do processo, em face do qual (e, por isso, quase sempre determinável por simples exame da petição inicial) se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objecto dependam". Concluindo, "a parte é legítima quando, admitindo-se que existe a relação material controvertida, ela for efectivamente seu titular". [Castro Mendes, "Manual de Processo Civil", Coimbra, 1963, pags. 260, 261, 262]. (…) Será, desta forma, apenas pelo exame da petição inicial (sujeitos, pedido e causa de pedir) que há-de decidir-se das excepções dilatórias em causa - ilegitimidade activa e ilegitimidade passiva. (…) Ora, como já acima referimos, a legitimidade constitui um pressuposto processual de cuja verificação depende que o tribunal conheça do mérito da causa, e profira, acerca dos pedidos deduzidos, uma decisão de fundo.
"Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes (") o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto processual para o efeito". (Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra, 1985, pag. 104)” [...].
A legitimidade processual afere-se pela titularidade da relação material controvertida tal como é configurada pelo Autor na petição inicial e é nestes termos que tem que ser apreciada.
Na verdade, a legitimidade, enquanto pressuposto processual, vê o seu conteúdo definido no art. 30º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, o qual estabelece, no seu nº 1, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, sendo que o interesse direto de que deriva a legitimidade, segundo o nº 2, daquele preceito, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal.
Com efeito, estabelece este preceito que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. O Autor é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, utilidade. O Réu é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, prejuízo.
Na verdade, a legitimidade, enquanto pressuposto processual, vê o seu conteúdo definido no art. 30º, do Código de Processo Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, o qual estabelece, no seu nº 1, que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, sendo que o interesse direto de que deriva a legitimidade, segundo o nº 2, daquele preceito, consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal.
Com efeito, estabelece este preceito que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. O Autor é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, utilidade. O Réu é parte legítima se da procedência da ação advier, para si, prejuízo.
E o nº 3, de tal preceito, estabelece, como regra supletiva, que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeitos da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como configurada pelo autor.
A legitimidade refere-se à relação jurídica objeto do pleito e determina-se pela averiguação dos fundamentos da ação. A determinação da legitimidade afere-se pelo pedido formulado e pela causa de pedir (objeto do litígio).
Independentemente da decisão de mérito, fundando-se o pedido dos Autores em responsabilidade civil pelos danos por si sofridos, invocando violação de um seu direito, os sujeitos da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelos autores, são os por eles mesmos indicados. Tal não ocorre, contudo, como resulta evidente, relativamente ao pedido que formulam referente a indemnização, para si, por danos causados a terceiros, seus familiares.
Perante a relação material controvertida, tal como configurada pelos próprios Autores, na petição inicial, os Autores são dotados de legitimidade ativa para os pedidos formulados sob as alíneas a) e d).
Na verdade, relativamente ao atinente ao ponto 1, supra referido, sustentam os apelantes, no corpo das alegações, que o tribunal a quo não atentou em que, embora fossem juntos documentos referentes a contrato promessa, os contratos definitivos subjacentes que exigiam a forma de escritura pública foram concretizados de facto como foi alegado, até porque todas as suas partes se encontram implementadas no terreno, e o que se pede que seja declarado nulo, por falta de forma, são os negócios que se consubstanciam nas permutas, nas autorizações de colocar as fossas e de deixar passar os efluentes destas e tudo o resto que se encontra implementado no local que resultou no prejuízo direto que os autores reclamam para si. São esses negócios, no âmbito de um crime ambiental (não se pode deixar de contextualizar os factos desta forma, até pela forma de ação que foi inicialmente intentada) que se pretende ver declarados nulos por falta de forma. Senão quaisquer partes de negócios podiam celebrar todo o tipo de negócio com cláusulas que prejudicassem diretamente um seu vizinho e esse vizinho, prejudicado, não teria interesse em ver anulados ou declarados nulos esse negócios, então onde ficam os interesses públicos de cumprimento da lei e do cumprimento da forma dos negócios.
Efetivamente, os contratos que os Autores afirmam nulos, por violação da forma exigível, à data, para a celebração de “contratos sobre direitos reais” - a escritura pública - são os definitivos (cfr. artigos 107-108, da petição inicial), são as permutas, não sendo legítimo considerar que os Autores formularam o pedido com referência, tão só, aos contratos promessa.
Como bem referem os apelantes, a exigência de forma nos negócios (no caso escritura pública - cfr. art. 875º, do Código Civil, diploma a que pertencem os preceitos legais citados sem outra referência) não visa apenas os interesses dos contraentes mas sim os de qualquer interessado (cfr. art. 286º, do CPC).
Como não foi pedida a declaração de nulidade dos contratos promessa, mas sim dos definitivos, que aliás, se alega terem sido cumpridos na prática, não é, na verdade, o art.º 410.º, referente a promessa, que se aplica neste caso mas sim o previsto no art.º 875º, do CC uma vez que se trata de permuta de imóveis e de servidão sobre imóveis.
Têm os autores legitimidade para pedir a declaração de nulidade dos contratos definitivos, uma vez que, alegadamente, foram afetados por eles, atentas as consequências na qualidade das águas que consumiam.
Relativamente ao ponto 2, sustentam os apelantes que o tribunal a quo entendeu que pelo facto de os poços terem sido aterrados os danos desaparecem, mas que assim não se verificou (citando o caso, com as devidas distâncias, dos reatores nucleares de Chernobyl que também foram “aterrados” e os danos ambientais ainda subsistem). E, na verdade, a colocação de terra por cima dos detritos humanos não implica que eles não continuem a poluir os solos e as águas freáticas, designadamente as que vão dar aos poços dos autores, pois que as infiltrações se fazem por baixo da terra que foi colocada em cima dos detritos. O facto de os poços - não limpos dos detritos e as argolas de betão que lá ficaram – terem sido aterrados, consubstancia alegação de novo ato de utilização dos mesmos e do inquinar das águas freáticas e do subsolo e, em consequência, das águas do poço dos autores.
Como referem os Autores, face ao alegado e referido, não ocorre ilegitimidade ativa, não se verificando fundamento legal para declarar, sem entrar na decisão de mérito, que tendo os Réus aterrado os poços, como os Autores reconhecem, e tendo sido instalada a rede de saneamento público a tutela requerida neste pedido se torne injustificada.
Face ao alegado, são os Autores dotados de legitimidade para formularem o pedido que deduzem na al. d).
Quanto ao ponto 3, sustentam os apelantes que o pedido para terceiros, mesmo que seus familiares, se deveu à ação ser conformada, inicialmente, como popular, mas invocam que uma das pessoas para quem pedem indemnização é uma sua filha menor e, sendo menor, os pais podiam ter pedido a indemnização reclamada nos artigos 105.º e 106.º da petição inicial, sendo que, pelo menos, neste caso, não têm falta de legitimidade ativa para tal pedir.
Ora, apesar de os Autores serem os representantes legais de sua filha menor, o certo é que no âmbito da presente ação declarativa comum, não atuam nessa qualidade (sendo eles próprios os autores e não a sua filha menor) e nenhum pedido formularam para a sua referida filha, sendo que nenhum poder de representação dos restantes familiares têm.
Antes, em nome próprio, invocando danos causados a terceiros, formulam pedido para si, não tendo legitimidade para tal.
Assim, são os Autores dotados de legitimidade para pedirem:
1 - a declaração de nulidade dos contratos de permuta (definitivos), por falta de escritura pública;
2 - a condenação dos Réus a absterem-se da prática de quaisquer atos que correspondam à utilização dos poços referidos.
Não têm, porém, legitimidade para pedir a condenação dos Réus a pagar-lhes uma indemnização por danos sofridos pelos seus familiares, de que os AA não tem qualquer poder de representação neste processo."
[MTS]