Contrato individual de trabalho;
competência internacional
I. O sumário de STJ 26/9/2018 (1485/15.6T8VLG.P1-A.S1) é o seguinte:
1. Sempre que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, os tribunais do trabalho portugueses são internacionalmente competentes.
2. Esta regra não é afastada pelo art.º 4 do Acordo judiciário entre Portugal e ..., publicado no Diário da República de 12 de julho de 1976, que se limita a estabelecer que a competência internacional dos tribunais das duas Partes contratantes será determinada segundo as regras privativas da legislação de cada um dos Estados.
3. Nos termos do art.º 11 do Código de Processo do Trabalho, não pode ser invocada perante os tribunais portugueses uma cláusula, inserta num contrato de trabalho, que afasta a competência internacional reconhecida pela lei aos tribunais portugueses.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa de condenação instaurada em 29 de julho de 2015, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 5 de fevereiro de 2018.
Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:
- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;
- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.
B2) Como já se referiu a questão a decidir consiste em saber se o tribunal do trabalho do Porto, instância central de Valongo, tem competência internacional para a presente ação.
A competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses está regulada nos artigos 10.º e 11.º do Código de Processo do Trabalho.
O art.º 10.º, no seu n.º 1, enuncia que na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação.
Por seu turno, o art.º 11.º, com a epígrafe «Pactos privativos de jurisdição», estatui que não podem ser invocados perante tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.
Como observa Alberto Leite Ferreira (Código de Processo do trabalho – Coimbra Editora, Limitada, pág. 54) foi o Código de Processo do Trabalho de 1963 que introduziu as primeiras regras referentes à competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses, matéria que antes era apenas regulada pelo Código de Processo Civil.
No art.º 12 desse diploma previa-se, para além do mais, que na competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses estavam incluídos os casos em que a ação podia ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho.
Esta orientação foi mantida na versão atual do Código de Processo do Trabalho.
Assim, desde que a ação possa ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, os tribunais do trabalho portugueses são, por essa razão, internacionalmente competentes.
A jurisprudência desta 4.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça quanto a esta questão não tem divergido.
No Acórdão de 12-09-2007, proferido no processo n.º 1155/07, foi sumariado que «A primeira parte do artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho consagra o princípio da coincidência entre a competência internacional dos tribunais do trabalho e a competência territorial estabelecida nos subsequentes artigos 13.º a 19.º, devendo ter-se em conta, por expressa determinação do citado artigo 10.º, tão-somente as regras de competência territorial estabelecidas no próprio Código de Processo do Trabalho, sendo vedado, para esse efeito, atender-se ao preceituado nos n.º 2 e 3 do artigo 85.º do Código de Processo Civil».
O Acórdão de 13-10-2004, proferido no processo n.º 3783/03, refere que «A cláusula contratual que, nestas circunstâncias, atribui competência para o conhecimento dos litígios emergentes do contrato individual de trabalho ao foro do local de trabalho é repudiada pelos artigos 10.º e 11.º do Código de Processo do Trabalho, uma vez que as normas que fixam a competência internacional dos Tribunais do Trabalho portugueses, determinando o campo dentro do qual a jurisdição portuguesa do trabalho em conflito com as de outros Estados, se move soberanamente, são de interesse e ordem pública, escapando ao domínio da vontade das partes».
Também o Acórdão de 10-12-2009, proferido no processo n.º 470/09, sublinha que a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral afere-se, na falta de convenções de direito internacional ao caso aplicáveis, pelo disposto no Código de Processo do Trabalho, e que para aferir dessa competência, atende-se aos termos em que a ação foi proposta.
No caso concreto, as regras de competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses, estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, não são afastadas pelo art.º 4 do Acordo judiciário entre Portugal e ..., publicado no Diário da República de 12 de julho de 1976, que se limita a estabelecer que a competência internacional dos tribunais das duas Partes contratantes será determinada segundo as regras privativas da legislação de cada um dos Estados.
A citada disposição legal deste Acordo não exclui, portanto, a competência internacional dos tribunais de ambas as Partes contratantes, acabando por haver um reconhecimento mútuo dessa competência, num quadro de entendimento entre Estados soberanos.
Por outro lado, a cláusula a que se faz referência no ponto 35 dos factos provados, que atribui competência ao Tribunal Judicial da cidade de ... para a resolução dos conflitos emergentes do contrato de trabalho em causa, não pode ser invocada perante os tribunais portugueses, nos termos do art.º 11 do Código de Processo do Trabalho, por consubstanciar um pacto privativo de jurisdição, que afasta a competência internacional reconhecida pela lei aos tribunais portugueses.
No caso concreto, como já se referiu, o Tribunal da Relação considerou o tribunal recorrido competente em razão do território.
Assim, e atento o exposto, podendo a ação ser proposta em Portugal por se verificarem os requisitos da competência territorial, também se configura a competência internacional dos tribunais portugueses.
III. [Comentário] a) Saber se o STJ decidiu a questão da competência internacional com base na legislação realmente aplicável ao caso depende de saber o que falta no n.º 19 do elenco da matéria de facto adquirida com a seguinte redacção: "19 - A 1ª ré tem sede no ....". Se a sede se situa em Portugal, as hipóteses mais viáveis são (talvez) Funchal e Porto.
Se uma destas hipóteses é a correcta (a do Porto tem grande probabilidade de o ser, dado que a acção foi proposta no Porto), então o STJ não utilizou a legislação adequada na aferição da competência internacional dos tribunais portugueses. A existir um problema de competência internacional em relação à primeira Ré, o mesmo deveria ter sido resolvido segundo o disposto nos art. 20.º, 21.º e 23.º Reg. 1215/2012 quanto à competência em matéria de contratos individuais de trabalho.
Dado que o domicílio dessa Ré se situa em Portugal, preenche-se, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, o âmbito de aplicação espacial deste Reg. 1215/2012. Estando igualmente preenchidos o âmbito material e temporal, nada obstava à aplicação do Reg. 1215/2012 a este este caso. Recorde-se -- embora se suponha que tal é desnecessário -- que o Reg. 1215/2012 é aplicável mesmo que o elemento de estraneidade da acção tenha conexão com um Estado não membro e, no caso de acções relativas a contratos individuais de trabalho, mesmo que o lugar da prestação do trabalho ocorra ou tenha ocorrido igualmente num Estado não membro.
Dado que o domicílio dessa Ré se situa em Portugal, preenche-se, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012, o âmbito de aplicação espacial deste Reg. 1215/2012. Estando igualmente preenchidos o âmbito material e temporal, nada obstava à aplicação do Reg. 1215/2012 a este este caso. Recorde-se -- embora se suponha que tal é desnecessário -- que o Reg. 1215/2012 é aplicável mesmo que o elemento de estraneidade da acção tenha conexão com um Estado não membro e, no caso de acções relativas a contratos individuais de trabalho, mesmo que o lugar da prestação do trabalho ocorra ou tenha ocorrido igualmente num Estado não membro.
b) O mesmo não se pode dizer, sem mais, em relação à segunda Ré, dado que esta tem sede na República Democrática de S. Tomé e Príncipe. Em relação a esta Ré, importa dizer o seguinte:
-- A Ré são-tomense só poderia ser demandada em Portugal segundo o disposto no art. 21.º, n.º 2, Reg. 1215/2012, que é ressalvado no art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 e que é o único preceito que permite a demanda num Estado-Membro de uma entidade patronal não domiciliada num desses Estados; no entanto, não parece que, no caso concreto, estejam preenchidas as condições requeridas pelo art. 21.º, n.º 2, Reg. 1215/2012 para que isso pudesse suceder;
-- Por isso, em relação a essa Ré, não está preenchido o âmbito de aplicação espacial do Reg. 1215/2012, como, aliás, se reforça no disposto no art. 20.º, n.º 1, Reg. 1215/2012;
-- Sendo assim, não poderia ser aplicável em relação a essa Ré o estabelecido, em termos de litisconsórcio, no art. 8.º, n.º 1, Reg. 1215/2012.
-- A Ré são-tomense só poderia ser demandada em Portugal segundo o disposto no art. 21.º, n.º 2, Reg. 1215/2012, que é ressalvado no art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 e que é o único preceito que permite a demanda num Estado-Membro de uma entidade patronal não domiciliada num desses Estados; no entanto, não parece que, no caso concreto, estejam preenchidas as condições requeridas pelo art. 21.º, n.º 2, Reg. 1215/2012 para que isso pudesse suceder;
-- Por isso, em relação a essa Ré, não está preenchido o âmbito de aplicação espacial do Reg. 1215/2012, como, aliás, se reforça no disposto no art. 20.º, n.º 1, Reg. 1215/2012;
-- Sendo assim, não poderia ser aplicável em relação a essa Ré o estabelecido, em termos de litisconsórcio, no art. 8.º, n.º 1, Reg. 1215/2012.
Perante isto, há então que aplicar as regras do foro (art. 6.º, n.º 2, Reg. 1215/2012). De acordo com o disposto no art. 4.º do Acordo Judiciário entre Portugal e S. Tomé e Príncipe, "a competência internacional dos tribunais da duas Partes contratantes será determinada segundo as
regras privativas da legislação de cada um dos Estados". Isto significa que apenas quanto a esta Ré haveria que ver, à luz do direito interno português, se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar o pedido formulado contra ela.
c) Ignora-se o motivo pelo qual as instâncias, o STJ, as partes e também o Ministério Público (referido no acórdão) não sentiram necessidade de analisar a competência internacional pela óptica do Reg. 1215/2012. Tudo leva a crer, no entanto, que isso teria sido necessário.
c) Ignora-se o motivo pelo qual as instâncias, o STJ, as partes e também o Ministério Público (referido no acórdão) não sentiram necessidade de analisar a competência internacional pela óptica do Reg. 1215/2012. Tudo leva a crer, no entanto, que isso teria sido necessário.
MTS