"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/01/2019

Jurisprudência 2018 (158)


Falta de citação;
administrador de condomínio; substituição processual

1. O sumário de RP 27/9/2018 (9970/17.9T8PRT-B.P1) é o seguinte:

I - O condomínio não integra a previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 mas antes o n.º 2 al. a), 2ª parte, do transcrito artigo [4º DL n.º 129/98, de 13/5], por isso, não é obrigatória a inscrição do condomínio no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. A sua inscrição é facultativa e efectuada como "entidade equiparada a pessoa colectiva".

II - Por outro lado, perante as normas do CC e CPC que regulam o regime de propriedade horizontal, entendemos que no nosso ordenamento jurídico o condomínio não pode ser considerado uma pessoa colectiva.

III - O condomínio não tem personalidade jurídica. Trata-se de uma situação em que um prédio materialmente indiviso ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre fracções determinadas (cf. neste sentido Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 281).

IV - Nos termos do art. 1430 do Código Civil a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Nos termos do art. 1437 do C. Civil, o administrador pode agir quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, no exercício das funções que lhe pertencem. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Entendemos, que o condomínio não integra a previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 mas antes o n.º 2 al. a), 2ª parte, do transcrito artigo [4º DL n.º 129/98, de 13/5], por isso, não é obrigatória a inscrição do condomínio no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. A sua inscrição é facultativa e efectuada como "entidade equiparada a pessoa colectiva.

Por outro lado, perante as normas do CC e CPC que regulam o regime de propriedade horizontal, entendemos que no nosso ordenamento jurídico o condomínio não pode ser considerado uma pessoa colectiva.

O condomínio não tem personalidade jurídica. Trata-se de uma situação em que um prédio materialmente indiviso ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre fracções determinadas (cf. neste sentido Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 281).

Nos termos do art. 1430 do Código Civil, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Nos termos do art. 1437 do C. Civil, o administrador pode agir quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, no exercício das funções que lhe pertencem.

Por força do disposto no art. 12º al. e) do CPC, o condomínio resultante de propriedade horizontal, relativamente às acões que se inserem no âmbito dos poderes de administração têm personalidade judiciária, isto é, é susceptível de ser parte e tem também capacidade judiciária (cf. art. 15 do CPC e art. 1437 do CC), mas quem deve estar em juízo é o administrador na sua qualidade de órgão executivo da assembleia de condóminos. Em rigor estes são os demandados na ação sendo representados pelo administrador.

Por outro lado, o condomínio ao contrário do que ocorre com as pessoas colectivas, não tem património próprio, integrando-se as frações e partes comuns no património dos condóminos e não tem obrigações que são atribuídas aos condóminos (cf. neste sentido Menezes Leitão, Direitos Reais, pág. 353, que refere ainda “ nem as contribuições dos condóminos nem o fundo comum de reserva, instituído pelo art. 4º do DL 268/94, de 25.10, constituem receitas próprias do condomínio, sendo antes pagamento de despesas comuns). [...]

Em suma, não tendo o condomínio património próprio, nem obrigações, que são atribuídas aos condóminos, não visando a prossecução de um objetivo social ou económico autónomo relativamente aos condóminos e não tendo personalidade jurídica, não pode ser considerado uma pessoa colectiva, não havendo fundamento para lhe ser aplicável o regime dos nºs 1 a 4 do art. 246 do CPC.

Não sendo aplicável ao condomínio o regime do art. 246º do CPC, temos de concluir que está demonstrado que a Executada não foi validamente citado. [...]

Para efeitos do exercício do direito de defesa, tinha que estar demonstrado que à Executada tinha sido entregue cópia da petição inicial e dos documentos que a acompanhem, com comunicação formal do prazo para exercer a defesa, com indicação do tribunal e seção onde corre o processo, como estabelece o art. 227 do CPC. [...]

Dos elementos juntos aos autos, consta um auto de penhora (fls. 91 e 92) com data de 25.05.2017 do saldo de uma conta que a Executada no D… no montante de €12.000,00, que se reporta ao requerimento executivo inicial de 04.05.2017, mas está assente que posteriormente foi efetuada nova penhora na sequência do requerimento executivo em cumulação sucessiva.

No entanto, não está documentado quando é que o D… comunicou à Executada essa penhora de 24.05.2017 e esta alega que só teve conhecimento do processo em 17.12.2017, na sequência de uma penhora de saldos bancários, ficando por esclarecer se se reporta à primeira penhora, se à segunda de 31.07.2017.

De qualquer forma, da notificação pelo Banco de que foi realizada a penhora, não decorre que a Executada teve conhecimento da ação para exercer o seu direito de defesa, para o efeito tinha que estar demonstrado no mínimo que conhecia a petição executiva, os documentos do que a acompanhavam e a identificação do processo e prazo para a defesa (art. 227 do CPC) e seguramente não é o Banco que pode fornecer essas informações, nem é exigível ao demandando que faça buscas nos tribunais para averiguar se pendem contra ele processos.

Temos, pois, de concluir que a falta de citação da Executada, não se deve a culpa dela.

De referir que estando perante falta de citação e não nulidade, a mesma podia ser arguida em qualquer altura enquanto não estiver sanada (art. 198º n.º 2 do CPC) e era também de conhecimento oficioso (cf. art. 196º do CPC). [...]

Procede, pois, a apelação e revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se que se proceda à citação da Executada, anulando-se o processado, no que respeita à petição inicial de 04.05.2017 (fls. 2 a 4 destes autos de recurso) aproveitando-se essa petição e a penhora efectuada constante do auto de fls. 92 e 93 deste recurso, por se estar perante execução sumária, em que a citação apenas se realiza após a penhora (art. 865º 3 do CPC).

3. [Comentário] A RP foi chamada a pronunciar-se sobre se a citação da executada -- que é a administração de um condomínio -- foi correctamente realizada. A RP entendeu -- aliás, bem -- que se verificou a falta de citação dessa administração.

Neste sentido, o interesse do acórdão vai muito para além do problema da citação. Efectivamente, o acórdão mostra que o administrador do condomínio pode ser executado (naturalmente, nessa sua qualidade). Isto é: o administrador do condomínio pode ser, ele mesmo, parte, e não um representante do condomínio. No caso concreto, a executada é uma administração do condomínio, e não este representado por aquela administração.

Isto demonstra que, ao contrário do que vulgarmente se entende -- incluindo no próprio acórdão --, o art. 1437.º CC atribui realmente legitimidade ao administrador do condomínio para actuar como substituto processual deste, quer como parte activa, quer como parte passiva, e não para actuar como representante do condomínio. Volta a referir-se o caso concreto: quem é executada é a administração do condomínio, e não este representado por aquela administração. É por isso que, para ser coerente com a ideia de que o administrador é um representante do condomínio, a RP teria de ter considerado a executada (isto é, a administração do condomínio) parte ilegítima, dado que, como é claro, um representante nunca pode ser executado por uma obrigação do representado.

Aliás, a expressão "legitimidade para agir em juízo" que é utilizada no n.º 1 do art. 1437.º CC só pode referir-se à legitimidade para ser parte, dado que o representante nunca tem legitimidade para agir em juízo, mas antes poderes para representar a parte que tem legitimidade para agir em juízo. A atribuição a alguém de legitimidade para agir em juízo só pode querer dizer que essa pessoa tem legitimidade para ser parte, seja nos casos em que essa pessoa é o titular do direito (então fala-se de legitimidade directa), seja nos casos em que essa pessoa não é o titular do direito (então fala-se de legitimidade indirecta ou de substituição processual).

Seria salutar que, havendo todos os meios teóricos para interpretar correctamente o disposto no art. 1437.º CC, se deixasse de se fazer dele uma interpretação nada condizente com o que nele efectivamente se estabelece (e que, como o acórdão bem demonstra, ainda por cima é desmentida na prática).

MTS