"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/01/2019

Jurisprudência 2018 (157)


Reclamação de créditos;
contestação; oposição


1. O sumário de STJ 18/9/2018 (379/16.2T8LSB.S1) é o seguinte:

I - No caso, não se verificam as excepções de litispendência e de caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).

II – Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.

III – A reclamação de créditos apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida proposta pelo reclamante, cuja sentença, de simples apreciação positiva, faz caso julgado material quando reconheça os créditos.

IV – Há que atentar na importância que deve ser atribuída ao disposto no art.573º, nº1, do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão.

V – A circunstância de a autora não ter podido, na reclamação de créditos, deduzir reconvenção, não a impede de aí invocar os factos fundamentadores dos pedidos de declaração de nulidade ou de reconhecimento da excepção de incumprimento do contrato, ora formulados, enquanto casos que extinguem ou modificam a obrigação, no intuito de demonstrar a inexistência do crédito reclamado.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No caso sub judice, o que se passou foi que, no âmbito do processo de reclamação de créditos nº3160/10-A, em que é reclamante CC, S.A., ora ré, e reclamada AA, S.A., ora autora, foi proferida sentença, transitada em julgado, julgando improcedente a impugnação deduzida por aquela reclamada e reconhecendo os créditos reclamados por aquela reclamante, decorrentes dos contratos de locação financeira e de factoring, tendo, ainda, declarado que a referida reclamante goza de garantia real resultante de hipoteca.

Como é sabido, na reclamação de créditos o credor reclamante deduz dois pedidos em relação de prejudicialidade: que seja reconhecido o seu crédito e que seja graduado no pagamento do produto da venda em conformidade com a sua garantia real (cfr. Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, págs. 854 e 855).

Os pressupostos essenciais da reclamação são a titularidade de um direito de crédito com garantia real sobre os bens penhorados e a disponibilidade de um título de crédito (cfr. o art.788º, do CPC - serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem).

Assim, no concurso de credores, há que assinalar duas fases distintas: a fase da verificação dos créditos e a fase posterior à verificação.

A primeira fase apresenta os contornos nítidos duma acção declarativa, enquanto que a segunda tem feição executiva.

A reclamação de créditos apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida proposta pelo reclamante.

O crédito reclamado pode ser impugnado com fundamento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência, quando, como no caso dos autos, o crédito não estiver reconhecido por sentença que tenha força de caso julgado em relação ao impugnante (cfr. os nºs 4 e 5, do art.789º).

Isto é, a impugnação, no caso, é livre, podendo ter por fundamento qualquer causa que extinga ou modifique a obrigação, nomeadamente, a nulidade desta, a prescrição, a simulação e a falsidade.

Quer dizer, o impugnante pode alegar tudo o que poderia deduzir como defesa no processo de declaração (cfr. o art.735º).

Quanto à garantia real ou direito equiparado, o impugnante tanto pode impugnar os respectivos factos constitutivos, como pode excepcionar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma.

Sendo que, a parte cujo crédito foi impugnado mediante defesa por excepção, pode deduzir resposta à impugnação, nos termos do art.790º.

Em sede de sentença a proferir, tem o juiz de exercer uma dupla actividade: a de verificação e a de graduação.

No desenvolvimento da primeira, cumpre-lhe resolver as questões que tenham sido suscitadas nas impugnações, tanto as questões de facto da sua competência, como as de direito.

No desenvolvimento da segunda, há-de graduar os créditos não impugnados e os créditos impugnados que tenha verificado, por julgar improcedentes as impugnações.

Trata-se de uma sentença de simples apreciação positiva, mas que faz caso julgado material quando reconheça os créditos (cfr. Rui Pinto, ob.cit., págs.884, 886 e 887, onde vêm citados, nesse sentido, Castro Mendes, in Direito Processual Civi, III, pág.451, e Teixeira de Sousa, in A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, pág.350).

No caso dos autos, verifica-se que, face à reclamação de créditos apresentada pela ora ré no processo nº3160/10-A, a ora autora, aí reclamada, limitou-se a impugná-la com o fundamento de que os créditos resultantes da locação financeira não gozavam de garantia real (cfr. a al. a) dos factos provados).

Aliás, até alegou, naquela impugnação, que todos os contratos donde emergem os créditos reclamados se encontram a ser cumpridos, não se encontrando por pagar nenhuma das prestações já vencidas, pelo que, também por essa circunstância, não tem cabimento a reclamação de créditos (cfr. fls. 347).

Tal impugnação foi julgada improcedente por sentença proferida em 6/12/12, transitada em julgado, a qual reconheceu os créditos reclamados e declarou que a reclamante goza de garantia real resultante de hipoteca (cfr. a al.a) dos factos provados).

Na presente acção, aquela impugnante invoca a nulidade dos referidos contratos de locação financeira, alegando que são negócios simulados e que, por via do contrato dissimulado, a ré se locupletou à sua custa com a quantia de € 428.236,24, e, subsidiariamente, que seja reconhecida a inexistência de mora no cumprimento, por via da exceptio non adimpleti contractus, e a ré condenada a devolver-lhe aquela quantia, nos termos do art.473º, do C.Civil.

Ou seja, com a presente acção, a autora põe em causa a validade e eficácia dos contratos de locação financeira, que estiveram na origem dos créditos reclamados.

Sendo certo, porém, que tais créditos foram reconhecidos na sentença de verificação de créditos, o que pressupõe a validade daqueles contratos, já que esta se apresenta como antecedente lógico necessário à parte dispositiva daquela sentença. [...]

Deste modo, dir-se-á, como na sentença recorrida, que da sentença proferida na reclamação de créditos emergiu uma autoridade de caso julgado que impede que se discutam, novamente, as questões que nessa sentença são antecedente lógico ou premissa da decisão, ou seja, a validade e eficácia dos contratos de locação financeira.

De tal modo assim é que a possibilidade de conhecimento dos pedidos formulados na presente acção, colocaria o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

Entende a recorrente que o escopo por si prosseguido é o de reaver a quantia de € 428.236,24, com a qual, à sua custa, a recorrida se locupletou, sendo que, quanto a essa questão, nenhuma decisão anterior se constitui como pressuposto indiscutível da sua apreciação e decisão.

Mas não é assim. Na verdade, para conseguir esse objectivo teve a recorrente que pedir a declaração de nulidade dos aludidos contratos, a título principal, e a declaração da excepção de não cumprimento, a título subsidiário.

Ora, tais pedidos e respectivos factos que os suportam, além de serem contraditórios ou incompatíveis com a situação que ficou definida na decisão transitada, proferida no processo de reclamação de créditos, tão pouco fazem parte da impugnação que a ora autora aí apresentou.

Note-se que, como já vimos, a impugnação, no caso, era livre, isto é, podia ter por fundamento qualquer causa que extinguisse ou modificasse a obrigação, nomeadamente, a nulidade desta, a simulação, etc..

No entanto, a ora autora não invocou aí a nulidade dos referidos contratos de locação financeira, nem a exceptio non adimpleti contractus, tendo-se limitado a alegar que os créditos resultantes daqueles contratos não gozavam de garantia real e que não se encontrava por pagar nenhuma das prestações já vencidas, pelo que não tinha cabimento a reclamação de créditos.

E não é admissível que a autora, ora recorrente, depois de ter sido atingida pelos efeitos definitivos de uma sentença de mérito proferida no âmbito de um processo em que teve ampla possibilidade de se defender, faça uso autónomo do direito de acção para, no fundo, provocar o esvaziamento daquela sentença, com prejuízo para o direito que pela mesma foi reconhecido.

Há, pois, que atentar na importância que deve ser atribuída ao disposto no art.573º, nº1, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão, como se diz no Acórdão do STJ, de 10/10/12. [...]

Na jurisprudência, a propósito do princípio da preclusão ou da eventualidade, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 8/4/10 e de 6/12/16.

Consta do sumário deste último Acórdão que «O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art.580º, nº2, do Código de Processo Civil – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação de factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art.552º, nº1, al.d) – e das excepções, quanto à defesa – art.573º, nº1, do Código de Processo Civil».

Alega, ainda, a recorrente que não podia deduzir reconvenção na reclamação de créditos, para ser ressarcida da quantia aqui peticionada, e que, ainda que pudesse, sempre seria opção sua, pelo que poderia intentar acção própria para o efeito. [...]

É certo que a ora autora, enquanto executada-reclamada, não podia deduzir o pedido de condenação da ora ré, enquanto reclamante, no processo de reclamação de créditos, isto é, não podia deduzir aí, em reconvenção, tal pedido.

Porém, nada impedia e antes aconselhava, que invocasse na impugnação daquela reclamação os factos fundamentadores dos pedidos de declaração de nulidade ou de reconhecimento da excepção de incumprimento do contrato, enquanto causas que extinguem ou modificam a obrigação, no intuito de demonstrar a inexistência do crédito reclamado.

Não o tendo feito, oportunamente, na impugnação, não o pode fazer agora, autonomamente, ainda que para justificar o seu pedido de condenação no pagamento da quantia de € 428.236,24, pelos motivos já apontados."

[MTS]