"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



15/01/2019

Jurisprudência 2018 (154)


Despedimento; impugnação;
intervenção de terceiros; adequação formal

1. O sumário de STJ 26/9/2018 (10118/16.2T8VNG-A.P1.S1) é o seguinte:

I - Formulando o trabalhador na contestação apresentada em acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento pedido reconvencional contra a empregadora que o proferiu, e contra uma outra empresa invocando uma situação de pluralidade de empregadores, e requerendo o chamamento desta última mediante o incidente de intervenção provocada, a tramitação da acção especial - baseada na simplificação processual e na celeridade - não comporta a dedução deste incidente.

II - Confrontado com este pedido pode o Juiz, ao abrigo do artigo 547° do CPC, convolar a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento para acção com processo comum para assim permitir essa intervenção.

III
- O princípio da adequação formal vem romper com o regime apertado do princípio da legalidade das formas processuais, visando-se através dele remover um obstáculo ao acesso à justiça em obediência à natureza instrumental da forma de processo.

IV - Assim, se a tramitação prevista na lei não se adequa ao fim do processo, justifica-se que se adapte a sequência processual às especificidades da causa com vista a obter uma solução global e justa do litígio.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"2.1. 
Conforme consagra o artigo 547º do CPC, é lícito ao juiz adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa, e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.

Este princípio da adequação formal consagrado no sobredito preceito corresponde ao que constava do artigo 265º-A da lei anterior, tendo sido introduzido pela reforma de 95/96, e sendo justificado deste modo no preâmbulo do DL nº 329-A/95 de 12 de Dezembro:

Procura-se por um lado obviar a que regras rígidas de natureza estritamente instrumental possam impedir a efectivação dos direitos em juízo e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio.

Por isso, estabelece-se como princípio geral do processo o princípio da adequação, facultando-se ao juiz a possibilidade de adaptar o processado às especificidades da causa, sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe perfeitamente às exigências da acção proposta.

 
E como concretização desta ideia-chave do processo civil instituído na reforma de 95/96, prevê-se a possibilidade de cumulação de causas, mesmo que aos pedidos correspondam formas de processo diversas, quando a apreciação conjunta das pretensões se revele indispensável à justa composição do litígio.

Nesta linha, sustenta Pereira Rodrigues, “Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina (2015), pg 358, que de acordo com esta justificação tem de concluir-se que a filosofia que preside à introdução deste princípio processual é a de que o processo é um meio que deve ser o mais adequado possível para se obter uma justa composição do litígio.

E continuando a seguir o mesmo autor, o dever de adequação tem por fundamento a necessidade de adoptar a tramitação processual que melhor se ajusta à causa, com as especificidades que esta apresenta, visando garantir a efectividade das soluções legais que incentivam a economia processual e sobretudo a resolução global do litígio.

Assim, o princípio da adequação formal integra um poder-dever do juiz a usar quando o modelo processual legal se mostre de todo inadequado à situação e por isso, colida com o objectivo de atingir um processo equitativo e que resolva definitivamente a situação.

Foi perante a impossibilidade do processo especial de impugnação judicial do despedimento da trabalhadora admitir a intervenção da chamada CC, que a 1ª instância convolou o processo para a forma comum escudando-se no princípio da adequação formal.

A apelante empregadora invocou perante a Relação a impossibilidade desta convolação, argumentando para tanto o erro na forma de processo, tese a que aderiu a decisão impugnada.

Não estamos porém, perante uma situação de erro na forma de processo, pois o processo seguiu desde o início a forma que o Código de Processo do Trabalho prevê para a impugnação da regularidade e licitude do despedimento da trabalhadora.

E só foi perante a impossibilidade legal desta acção especial admitir a intervenção dum terceiro que não consta da decisão de despedimento da trabalhadora que a 1ª instância convolou o processo para a forma comum, desde a dedução da reconvenção pela trabalhadora e do pedido de intervenção do terceiro, fazendo-o como forma de compatibilizar esta limitação processual com os interesses de economia processual, da necessidade duma apreciação conjunta das pretensões e da realização da justiça no caso concreto.

Por isso, e como já dito, a questão não é de erro na forma de processo, mas consiste em apreciar se foi legal esta convolação do processo especial para a forma comum, para assim ser possível admitir a intervenção da chamada CC de Avaliação Lda.

Ou seja, o que temos de apreciar é se ao operar esta convolação o Senhor juiz da 1ª instância cumpriu os pressupostos do artigo 547º do CPC, preceito em que se fundamentou o despacho que se pretende repristinar.

Conforme sustenta Madeira de Brito, “O novo princípio da adequação formal”, in “Aspectos do Novo Processo Civil”- Lex, pg 67, nos casos a que corresponda uma forma de processo especial os poderes de adequação do juiz encontram-se naturalmente limitados, pois se o legislador, em atenção ao fim do processo, estabeleceu determinada regulamentação específica, não deve o juiz sobrepor-se à forma prevista na lei.

No entanto, continua o mesmo autor (pg 68), esta posição não deve ser entendida de modo radical, pois pode acontecer que exista a necessidade de adequar o processo especial quando se apure que, apesar de ser aplicável determinada forma de processo, ela não se ajusta à situação, estando-se perante uma lacuna que justifica a intervenção do juiz.

Ora, a trabalhadora invoca que o caso em apreço integra uma situação de pluralidade de empregadores, susceptível de gerar uma responsabilidade solidária da empregadora demandada e da chamada CC.

O despacho que se pretende repristinar não tomou posição sobre esta questão, pois limitou-se a convolar o processo e a admitir a sua intervenção.

Por isso, a questão da inexistência dos pressupostos duma relação de trabalho plural, e que a recorrida suscita na sua contra-alegação, não tem que ser agora apreciada, pois não foi objecto de pronúncia da decisão recorrida.

Posto isto, vejamos então se as razões constantes do despacho da 1ª instância procedem.

2.2.

Para tanto, este invocou as seguintes razões:

“De todo o modo, não podemos olvidar que esta posição implica, para a responsabilização do terceiro visado, a instauração de uma nova acção, com uma duplicação de processos, de custos, de diligências e, sobretudo, de decisões que podem vir a ser tendencialmente contraditórias.

Por outro lado e como sucede no caso dos autos, os factos alegados para a demanda do terceiro, contendem, não só com a responsabilização dele para além da Ré inicialmente demandada, mas também com a definição da antiguidade do trabalhador, o seu passado laboral, as suas funções e retribuição efectiva (alegadamente paga por terceiros), tendo pois reflexos até no montante em que poderá vir a ser calculada uma indemnização pelo despedimento, caso este se venha a reputar ilícito (...)“.
 

Tendo sido estas razões que determinaram a convolação do processo especial para a forma comum, para que fosse possível desta forma admitir a intervenção da chamada, temos de concordar com esta posição e com a fundamentação adrede apresentada.

Na verdade, para além de poder estar em causa uma responsabilidade solidária de ambos os demandados (a empregadora inicial e a chamada), os factos invocados pela trabalhadora podem determinar uma antiguidade diferente da que foi considerada pela empregadora, podendo desta forma estar em causa o próprio montante da indemnização de antiguidade que foi colocada à disposição da trabalhadora, e por arrastamento, a própria regularidade do despedimento, conforme prevê a alínea d) do artigo 384º do Código do Trabalho.

Além disso, estando em causa um despedimento por extinção do posto de trabalho, a provar-se a tese da pluralidade de empregadores, os motivos invocados poderão ter que ser analisados tendo também em consideração a realidade das duas empresas, situação que só por si justifica plenamente a convolação efectuada, pois só desta forma se obterá uma justa apreciação e composição do litígio.

Devendo prevalecer esta apreciação global do diferendo existente entre as partes, justifica-se perfeitamente a decisão de adequação que foi operada pela 1ª instância, pois a necessidade de realização da justiça material enquanto missão do Estado, deve prevalecer sobre a garantia conferida às partes pela forma de processo, sendo esta meramente instrumental face ao fim que visa – a Justiça do caso concreto.

E continuando a seguir Madeira de Brito, obra citada, pg 36, “[O] novo princípio da adequação formal vem romper com este regime apertado do princípio da legalidade das formas processuais. Através dele, visa-se remover um obstáculo ao acesso à justiça em obediência à natureza instrumental da forma de processo: se a tramitação prevista na lei não se adequa ao fim do processo, então conferem-se os correspondentes poderes ao juiz para adaptar a sequência processual às especificidades da causa…

Sendo esta a situação presente, temos de considerar que bem andou o Senhor Juiz da 1ª instância ao convolar a acção especial de impugnação do despedimento da trabalhadora para o processo comum, pois só desta forma seria possível admitir a intervenção da chamada.

E só com a presença desta, e caso a tese da pluralidade de empregadores se venha a demonstrar, se poderá definir a antiguidade da trabalhadora, bem como o seu passado laboral, funções e retribuição efectiva (alegadamente paga por terceiros), questões de grande relevância para o cálculo do montante da indemnização de antiguidade, caso o despedimento se venha a considerar ilícito.

Por isso, e como o figurino legal da acção especial de impugnação do despedimento não admite a intervenção de terceiros que não tenham assinado a respectiva decisão, só convolando o processo e com a presença da chamada, como se fez, se pode obter uma apreciação global da causa e uma justa composição do litígio.

Por outro lado, mesmo tratando-se duma acção especial justificava-se a convolação, em virtude da mesma não se ajustar à situação.

Alega a recorrida que a convolação operada contende com os princípios de igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual ou com a admissibilidade de meios probatórios.

Mas não tem razão, pois se na pendência da acção especial esta esteve limitada pela sua tramitação específica e urgente, bem como pelos respectivos prazos de propositura e ónus de alegação, da mesma forma a trabalhadora o esteve.

E quanto à invocada impossibilidade de reconvir, esta advém da especial configuração da acção especial e não da convolação operada.

Improcede assim esta argumentação da recorrida.

E procedendo a primeira questão suscitada pela recorrente, temos de revogar o acórdão recorrido e repristinar a decisão da 1ª instância, ficando prejudicado o conhecimento da segunda questão por aquela suscitada."

3. [Comentário] O acórdão do STJ merece ser salientado pela total concordância com o espírito do novo processo civil. Como o acórdão demonstra, a adequação formal pode ser utilizada para que o processo possa cumprir a sua função de instrumento de tutela de situações subjectivas. 

São as formas processuais que devem (e podem) adaptar-se às necessidades da tutela, não estas necessidades que têm de ficar por satisfazer por causa daquelas formas. A necessidade da tutela justifica a adequação do processo.

MTS