Acção de divisão de coisa comum;
reconvenção
reconvenção
1. O sumário de RG 20/9/2018 (242/17.0T8VPC-A.G1) é o seguinte:
I - A ação especial de divisão de coisa comum admite reconvenção (reunidos que estejam os respetivos pressupostos substanciais) se houver contestação, pois o processo converte-se normalmente, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 3 do art. 926º, do C. P. Civil, de processo especial em processo comum; a menos que as questões deduzidas na contestação/reconvenção possam ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum (art. 926º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do C. P. Civil).
II - Para a procedência da ação de divisão de coisa comum torna-se fundamental que estejamos perante uma situação de compropriedade.
III - Caso se demonstre que, aquando a propositura da ação de divisão de coisa comum, a situação de compropriedade já não se verifica, por se ter operado a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade singular de parte determinada do prédio, o pedido de divisão terá de improceder.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Os requisitos substantivos ou objetivos da reconvenção encontram-se enunciados no art. 266º, do C. P. Civil.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 266º, do C. P. Civil, é admissível a reconvenção, designadamente “quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa” (al. a)).
É pacifico na doutrina e na jurisprudência que a expressão “quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa” é o mesmo que causa de pedir, isto é, de acordo com a primeira parte da enunciada previsão legal, admite-se a reconvenção quando o pedido reconvencional tem a mesma causa de pedir da ação, isto é, o mesmo facto jurídico (real e concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca. Já a segunda parte desse normativo tem o sentido de que ela só é admissível quando o réu invoque como meio de defesa, qualquer ato ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, ou seja, embora o pedido reconvencional não se enquadre estritamente na causa de pedir da ação, aquele emerge de facto jurídico que serve de fundamento à defesa, no sentido de que resulta dos factos com os quais indiretamente se impugna os alegados na petição inicial. [...]
Com efeito, tratando-se de uma contra-pretensão, embora dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo, ou no qual o réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo.
Emergindo da causa de pedir da ação, pode figurar-se a mesma causa de pedir nos pedidos principal e cruzado. Se, porém, emerge do facto jurídico em que se estriba a defesa, a situação é buscar uma redução, modificação ou extinção do pedido principal. Isto é, o requisito substantivo da admissibilidade da al. a) do n.º 2 do art. 274º do C. P. Civil implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até se contenha nela ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito–regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor). [...]
Por outro lado, estando em causa um cruzamento de ações, necessário se torna, pois, que o pedido reconvencional detenha autonomia, não podendo ser uma simples consequência da defesa. Só existe reconvenção se o réu passar da posição de defesa à de ataque, cruzando com a ação contra si interposta uma outra dirigida contra o autor.
Neste particular, Alberto dos Reis [In Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, págs. [102]]. salienta que “só há reconvenção quando o pedido do réu não é uma mera consequência necessária da defesa por ele deduzida. Por outras palavras, quando o pedido , fundado na defesa, é um pedido substancial e não um pedido meramente formal, isto é, um pedido que nada acrescenta à matéria alegada como defesa.” [No mesmo sentido cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, 1981, pág. 17].
Ainda, no mesmo sentido, pronuncia-se José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 3ª edição, págs. 517-518], ao sustentarem que naquela alínea a) do n.º 2 do art. 266º do CPC, “o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – que o pedido do autor. Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa: o mesmo contrato é causa do pedido do autor e do pedido do réu.
Em segundo lugar, pela mesma alínea a), o pedido reconvencional pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma exceção perentória ou com os quais indiretamente impugna os alegados na petição inicial. Pedida, por exemplo, a sua condenação no pagamento do remanescente do preço duma empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização: os factos que fundam, respetivamente, a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor constituem a causa de pedir da reconvenção. (…) Exemplo de baseada nos mesmos factos que constituem a impugnação indireta da causa de pedir invocada pelo autor é o do ac. do TRC de 16.2.94 (Francisco Lourenço), CJ. 1994, I, p. 39: pedida a divisão de coisa comum, o réu alegou que a coisa não era comum por ter sido dividida de facto em duas parcelas e ter já decorrido o prazo da usucapião, consequentemente pedindo a declaração do direito de propriedade sobre a parcela que possuía e da existência de uma servidão de passagem sobre a outra parcela.” [...].
De facto, é hoje pacífico pela doutrina e jurisprudência que a ação especial de divisão de coisa comum admite reconvenção (reunidos que estejam os respetivos pressupostos substanciais) se houver contestação, pois o processo converte-se normalmente, nos termos do disposto na 2ª parte do n.º 3 do art. 926º, do C. P. Civil (cfr. primitivo art. 1060º e subsequente art. 1053º), de processo especial em processo comum; [...] a menos que as questões deduzidas na contestação/reconvenção possam ser decididas sumariamente, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum (art. 926º, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do C. P. Civil). [Neste sentido vide Ac. RL de 04.03.2010, proc. n.º 1392/08.9TCSNT.L1-6, relatora Fátima Galante; e Ac. RC de 12.03.2013, proc. n.º 81/12.4TBSBG.C1, relator Alberto Ruço [...]].
Ora, no caso em apreço, os réus vieram apresentar contestação, designadamente invocando que a divisão do prédio rústico em causa já ocorreu por acordo entre os autores e os réus, tal como é alegado pelos autores, ainda que não formalizada, encontrando-se os réus na posse exclusiva da parcela de terreno resultante de tal divisão, há mais de 30 anos, de forma contínua, sem oposição de quem quer que seja, como se proprietários únicos do direito de propriedade fossem, pelo que a adquiriram a mesma parcela por usucapião, deduzindo, na sequência, reconvenção, mediante a qual pedem o reconhecimento deste seu direito de propriedade, naturalmente através de tal aquisição originária, sobre a parcela em questão.
No fundo, os réus vieram impugnar indiretamente a causa de pedir que serve de fundamento à ação (já não se verifica a alegada indivisibilidade do prédio rústico em causa) e, concomitantemente, pedem, por via reconvencional, o reconhecimento da divisibilidade operada entre as partes do identificado prédio e do direito de propriedade exclusivo que daí decorreu para os réus da parte do prédio rústico que lhes coube, por via da usucapião.
Não obstante, o tribunal a quo, na decisão recorrida, veio consignar que:
(…) No caso dos autos, o que os Réus/Reconvintes pretendem obter com a reconvenção deduzida é precisamente a declaração de que são proprietários de metade do prédio cuja divisão os Autores vieram requerer no âmbito dos presentes autos.
Pelo que se conclui, salvo melhor opinião, que tal questão já se encontra salvaguardada pelo objeto destes autos, não necessitando de ser deduzida em sede de reconvenção.
Aliás, a decisão a proferir no âmbito destes autos visa precisamente atribuir a proporção que couber a Autores e Réus no prédio objecto de divisão.”
Na sequência, o tribunal a quo não admitiu a reconvenção deduzida pelos réus.
Entendemos, porém, que sem razão.
Na realidade, o pedido reconvencional apresentado pelos réus emerge de facto jurídico com que os réus alicerçaram a sua defesa, mais concretamente, na divisibilidade anterior do prédio rústico em apreço, ainda que não formalizada, sendo certo que tal divisibilidade ocorreu há mais de 30 anos, usufruindo e utilizando os réus tal parcela de terreno, onde designadamente edificaram a sua casa de habitação e realizaram outras obras, de forma contínua, sem oposição de ninguém e na convicção de serem seus exclusivos proprietários, pelo concluem assim terem adquirido a mesma parcela por usucapião.
Nesta medida, o pedido reconvencional formulados pelos réus enquadra-se perfeitamente na previsão legal (objetiva ou substancial) da al. a) do n.º 2 do art. 266º, do C. P. Civil.
Por outro lado, como já salientámos, não existe qualquer obstáculo de ordem formal ou processual, que impeça a admissão do pedido reconvencional deduzido pelos réus, sendo certo que a defesa, incluindo a reconvenção, apresentada pelos réus reconvintes não era suscetível de ser sumariamente decidida; impondo-se antes o prosseguimento dos autos, com a produção da prova oferecida, através da conversão da forma de processo especial em causa na forma de processo comum (art. 926º, n.º 3, do C. P. Civil).
De facto, importará realçar que se torna fundamental para a procedência da ação de divisão de coisa comum que estejamos perante uma situação de compropriedade.
Assim, a proceder a tese dos réus de que a situação de compropriedade já não se verifica, aquando a propositura da ação, por se ter operado a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade singular de parte determinada do prédio por parte dos réus, então o pedido de divisão terá de improceder. [Por todos, cfr. neste sentido Ac. STJ de 29.01.2008, proc. n.º 07B2373, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza [...]].
Nesta medida, não podia o tribunal a quo deixar de admitir o pedido reconvencional deduzido, sendo certo que o mesmo não se encontra salvaguardado pelo objeto da presente ação de divisão de coisa comum; antes se traduz numa contra-pretensão dos réus emergente da defesa apresentada, que, a proceder, nos levará, desde logo, à improcedência do pedido principal de divisão.
Termos em que, na procedência do recurso apresentado, se conclui pela admissibilidade da reconvenção, com todas as consequências legais daí advenientes."
[MTS]