"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/01/2019

Jurisprudência 2018 (166)

 
Articulado inadmissível;
aproveitamento; litigância de má fé
 
 
1. O sumário (corrigido) de RG 11/10/2018 (3507/16.4T8BRG-J.G1) é o seguinte:

I- Embora não seja admissível o articulado de “Resposta às exceções invocadas na Réplica”, não deverá ser ordenado o desentranhamento de tal articulado se dele constar a alegação de factos (e respectivas provas) demonstrativos da litigância de má-fé da A., caso em que apenas esses factos serão considerados e não os legalmente inadmissíveis.

II- Na Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 2004, o Estado Português já não se encontra vinculado a reservar aos tribunais eclesiásticos a apreciação da validade ou da nulidade dos casamentos católicos, contrariamente ao que sucedia com a Concordata de 1940.

III- Não obstante essa desvinculação, o legislador português continuou a manter em vigor o artigo 1625º do Código Civil, o qual, enquanto não for revogado ou alterado, impõe que a nulidade (e também a anulação, enquanto forma de invalidade) dos casamentos católicos só pode ser declarada pelos tribunais eclesiásticos.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Ora, temos de concordar com a decisão recorrida, de que este novo articulado apresentado pelo A. não é legalmente admissível, podendo o A. responder às exceções invocadas pela A. na Réplica na Audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (artº 3º nº 4 do CPC).

A igualdade substancial das partes - que o recorrente considera violado com o desentranhamento do seu articulado –, fica assim assegurada, com a possibilidade dada à parte de se pronunciar sobre as exceções invocadas pela parte contrária no último articulado.

Aliás, o recorrente está bem ciente dessa possibilidade, ao referir no início do seu requerimento (desentranhado): “Ainda que á luz do disposto no nº 4 do artigo 3º do CPC se possa julgar ter o Reú/Reconvinte de aguardar pela Audiência para exercer o seu direito de contraditório e defesa às Invocadas excepções pela Reconvinda, sempre ficará consignada a sua posição processual para efeitos, pelo menos, de boa fé e colaboração processual com o tribunal para não vir arguir nulidades processuais ex vi artº 195º do CPC ainda tão ardilosamente usadas numa ultrapassada e indesejada postura processual em processo civil”.

Ou seja, é o próprio recorrente que, adiantadamente, admite a inadmissibilidade legal do seu articulado.
 
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Claro que poderá sempre admitir-se que nesse articulado venha o recorrente praticar outros atos, legais, para além daqueles que a lei não admite, como seja, exercer o direito do contraditório relativamente a documentos apresentados pela A. na réplica, ou praticar outros atos legalmente admissíveis, caso em que será de aproveitar o articulado para esses efeitos (como se decidiu no Ac desta Relação de Guimarães, de 25.2.2016, disponível em www.dgsi.pt, onde se consagrou a teoria da conservação dos atos jurídicos, prevista no artº 195º nº2 2ª parte do CPC), considerando-se não ser, nesse caso, de mandar desentranhar o articulado, mas apenas de o não considerar para os efeitos a que ele se destina prioritariamente – para responder às exceções deduzidas no último articulado -, considerando-se apenas os atos válidos nele inseridos (na sequência do entendimento, também defendido naquele acórdão, de que teria aqui aplicação a teoria da conversão/redução dos negócios jurídicos, impondo-se a redução e o aproveitamento do ato processual na parte em que ele é lícito).

Ora, mesmo seguindo esta tese, que perfilhamos, começamos por dizer que não vemos no articulado apresentado pelo A. qualquer resposta a documentos apresentados pela A na réplica. Nos artºs 26º e 27º daquele articulado o recorrente apenas impugna os factos alegados pela A. na resposta à contestação, nos arts. 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º. Ou seja, o A. exerce apenas o contraditório relativamente a factos alegados pela A. na Réplica, o que é legalmente inadmissível.

O mesmo se não passa já, porém, com a dedução do pedido de condenação da A. como litigante de má-fé.

Como é por todos sabido, a litigância de má-fé (e o correspondente pedido indemnizatório a ela associado) traduz-se num incidente da instância, não tipificado, promovido por qualquer uma das partes, ou desencadeado oficiosamente pelo tribunal, a tramitar nos termos dos arts. 292° e ss. do CPC, sendo que à prolação da decisão do incidente aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 607° do CPC, nos termos do art. 295º do mesmo diploma legal (Abrantes Geraldes, “Temas Judiciários”, Vol. I, Almedina, p. 337 e Acs. STJ de 19/02/2008; Ac. RL de 17/02/2009; Ac. RC de 11/12/2012; e Ac. RP de 26/09/2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Assim, a fim de instruir o aludido incidente, cabe às partes a alegação dos factos respectivos e das provas dos mesmos (artº 293 e 294º), o que foi feito pelo A. no articulado apresentado e mandado desentranhar.

Ora, considerando o acima decidido – relativamente á tese defendida da preservação dos atos jurídicos válidos -, embora o articulado apresentado pelo A. seja legalmente inadmissível para os fins por ele visados primeiramente, deverá o mesmo ser atendido – e mantido nos autos - para efeitos da instrução e decisão do incidente da litigância de má-fé da A."
 
[MTS]