"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/01/2019

Jurisprudência 2018 (148)


Prescrição; interrupção;
apoio judiciário


1. O sumário de STJ 12/9/2018 (8158/16.0T8VNG.P1.S1) é o seguinte:

I - A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – constante do art.º 323.º n.º 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação.

II – Não integra ato imputável ao requerente para excluir a interrupção da prescrição nos termos do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, o não cumprimento por parte do patrono nomeado, no âmbito do apoio judiciário, do prazo para propositura da ação previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/200, de 29 de junho, na redação resultante da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"3 - Referiu-se no acórdão desta Secção de 20 de junho de 2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1, sobre a interrupção do prazo de prescrição, o seguinte:

«Por sua vez, a propositura de ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos subjetivos – e a acionar o seu exercício – desencadeia, de forma mediata ou imediata, determinados efeitos de natureza substantiva. Um desses efeitos mediatos consiste na interrupção da prescrição, conforme estatui o art. 323º do Código Civil, aplicável subsidiariamente, que no seu n.º 1 dispõe que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

E o seu n.º 2 estabelece, que “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.

Se for feita uma retrospetiva da evolução histórica sobre as disposições que regeram esta matéria, constata-se que o legislador sempre considerou assente o princípio de que a prescrição se interrompe pela citação, mas evoluiu para a consideração de que a citação tardia não imputável ao autor não o deveria prejudicar.[...]

“Assim, o efeito interruptivo estabelecido no n.º 2 do art.º 323º citado, pressupõe a concorrência de três requisitos:

- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;

- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;

- que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao Autor.

É dizer que aquele benefício, assim concedido ao credor, exige necessariamente – para além da verificação daqueles dois primeiros requisitos – que o demandante não tenha adjetivamente contribuído para que a informação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efetiva prática do ato informativo”.»

4 - Conforme resulta do n.º 4 do artigo 33º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 29 de julho, (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais) e sob a epígrafe «Prazo de propositura da ação», «a ação considera-‑se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono».

Assente que a ação se tem de considerar proposta na data em que é apresentado o requerimento de concessão de apoio judiciário, passa a funcionar a presunção decorrente do artigo n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, nos termos do qual «se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias», ou seja no dia 5 de agosto de 2013.

Neste sentido considerou-se no acórdão desta Secção de 17 de abril de 2013, proferido na revista n.º 36/12.9TTPRT.S1 [...], que «por outro lado, quando o regime aplicável for o da prescrição, não basta a instauração da ação dentro do prazo, pois o prazo de prescrição só se interrompe com a citação, ou com a notificação de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, conforme estabelece o artigo 323º, n.º 1 do Código Civil. 
 
De qualquer forma, o legislador, partindo do pressuposto que, em condições de normalidade, a citação se fará em regra cinco dias depois de ter sido requerida, ficcionou que a prescrição se tem por interrompida decorridos esses cinco dias, conforme resulta do n.º 2 do referido artigo 323° do Código Civil». [...]

6 - Carece de sentido a pretensão da Ré de imputar ao Autor o facto de a ação ter sido instaurada pelo patrono nomeado pela Segurança Social para além do prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com as alterações decorrentes da Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, invocando o referido no 2.º do artigo 323.º do Código Civil, para afirmar que a citação ocorreu depois do 5.º dia após ter sido requerida por facto imputável ao Autor.

Na verdade, nos termos do n.º 1 do referido artigo o patrono tem o prazo de 30 dias para instaurar a ação.

Tal prazo tem natureza disciplinar e decorre da relação do patrono com a Ordem dos Advogados, não tendo o respetivo incumprimento qualquer reflexo na situação jurídica a dirimir através da ação instaurada e nomeadamente na posição do requerente de apoio judiciário.

A norma do n.º 4 daquele artigo 33.º visa efetivamente proteger o requerente de apoio judiciário de situações de menor zelo do patrono nomeado, ou até da complexidade da demanda a instaurar, que possa justificar, nomeadamente, a prorrogação do prazo, nos termos dos n.º 2 e 3 daquele dispositivo.

Conforme refere Salvador da Costa in “O Apoio Judiciário”, 2012, 8.ª Edição, Almedina, «(…) no caso do titular do direito substantivo pedir a nomeação de patrono no quadro do apoio judiciário, a ação considera-se proposta na data em que foi apresentado o referido pedido. Isso significa que, pedida a nomeação de patrono no quadro da proteção jurídica antes do decurso do prazo de caducidade do direito de ação em causa, queda irrelevante o prazo que decorra entre aquele momento e o da propositura da ação pelo patrono que venha a ser nomeado» e «Assim, a circunstância de a ação só ter sido proposta dois anos depois da apresentação nos serviços da Segurança Social do requerimento para a concessão do apoio judiciário na modalidade de patrocínio, é a data daquela apresentação que funciona para impedir o funcionamento da exceção de caducidade do direito de ação».

Também a jurisprudência desta Secção vem afirmando que «III. A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida no falado art.º 323º n.º 2, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da citação.», acórdão de 20/06/2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1 [...].

A ultrapassagem do prazo legalmente previsto para que o patrono nomeado instaure a ação visada com a nomeação não é imputável ao requerente de apoio judiciário, não tendo qualquer relevo relativamente ao regime previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil."
 
[MTS]