Arresto; fiel depositário;
responsabilidade
1. O sumário de RL 29/11/2018 (1963/11.6TVLSB.L3-6) é o seguinte:
1 – O direito à indemnização pela perda de bens arrestados em 2008, que não foram restituídos pelo fiel depositário em 2010 na sequência da caducidade da providência, não prescreve antes de decorridos três anos a contar da não restituição dos bens, data a partir da qual o autor está em condições de exercer o seu direito, pelo que, tendo sido intentada a acção em 2011, o direito não prescreveu.
2 – O autor, na posse de quem se encontravam os bens arrestados, é lesado com a perda dos mesmos, apesar de estes pertencerem a uma sociedade, tendo em atenção que os bens lhe estavam confiados para os usar na sua actividade comercial de exposição e venda de antiguidades e obras de arte, nomeadamente para venda à consignação.
3 – O réu fiel depositário, nomeado por despacho judicial, é responsável civilmente pelo desaparecimento dos bens, por não ter ilidido a presunção legal de culpa que resulta da violação do dever de os entregar.
4 – O réu agente de execução que, por despacho judicial, não foi nomeado para o cargo de fiel depositário, não é abrangido pela presunção legal de culpa, pelo que, não se tendo provado a sua culpa não presumida, não é responsável pelos danos causados com o desaparecimento dos bens.
5 – Não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos sofridos pelo autor, nomeadamente a repercussão da perda dos bens nos rendimentos da sua actividade comercial, haverá que fixar a indemnização com recurso à equidade e, face às circunstâncias concretas do caso, é adequado o valor fixado nos autos de arresto.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Apenas está em causa a apreciação da responsabilidade do 3º e 5º réus, objecto das alegações de recurso do apelante, que não impugna a absolvição dos restantes réus.
Começando pelo 5º réu, foi o mesmo nomeado fiel depositário dos bens arrestados pelo Tribunal, por indicação do requerente do arresto (ponto 9 dos factos), constando como presente nas três diligências de arresto (pontos 11, 12 e 13), sendo que, depois de declarada a caducidade do arresto e de ser notificado para restituir os bens, o 5º ré não os restituiu (pontos 15, 16 e 17).
Na qualidade de fiel depositário, estava o 5º réu obrigado a manter os bens em segurança e a apresentá-los quando tal lhe fosse determinado, sendo estas as mais simples e gerais obrigações do seu cargo, que decorrem da natureza do depósito civil, cujas obrigações estão previstas no artigo 1187º do CC, a que acrescem os deveres de administração dos bens, previstas no artigo 760º do CPC em sede de processo executivo, correspondente ao anterior artigo 843), disposições que se aplicam ao arresto por força do artigo 391º do CPC.
Não tendo sido restituídos os bens quando lhe foi determinado, mostram-se violados os deveres gerais do 5º réu como fiel depositário.
A violação desta obrigação, de apresentação dos bens, determina mesmo, nas situações de penhora no processo executivo e não sendo justificada a falta de apresentação em cinco dias, o imediato arresto de bens do fiel depositário, sem prejuízo de procedimento criminal (artigo 771º nº 2 do CPC, correspondente ao antigo 854º).
A responsabilidade do fiel depositário que não devolveu os bens surge assim sem que o lesado necessite de provar a culpa do depositário incumpridor, invertendo-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 342º, em conformidade com o artigo 344º, ambos do CC, cabendo ao fiel depositário o ónus de ilidir a culpa presumida que decorre do artigo 771º (à semelhança do que acontece no contrato de depósito civil, nos termos dos artigos 1188º, 790º e 799º do mesmo código).
Não estamos, como defende o apelante, perante uma responsabilidade objectiva, pois esta, ao contrário da responsabilidade tradicional fundada na culpa, está associada a situações e actividades de risco, em que os respectivos beneficiários ou agentes são responsabilizados pelos danos que causarem, mesmo que tenham actuado sem culpa (cfr A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5ª edição, páginas 590 e seguinte).
Estamos ainda em sede de responsabilidade tradicional fundada na culpa, embora presumida e com a consequente inversão do ónus prova, sendo certo que, não tendo o 5º réu provado que não agiu com culpa, ou seja, que o desaparecimento dos bens não lhe é imputável, é o mesmo responsável civilmente pelos danos causados, de acordo com o artigo 483º do CC.
Aliás, foi o 5º réu julgado e condenado por estes factos, pela prática de um crime de abuso de confiança previsto no artigo 305º do CP, não constando, porém, provado o trânsito em julgado desta condenação (ponto 26), o que não obsta à sua responsabilidade civil nos termos expostos.
No que respeita ao 3º réu, ora apelado, provou-se que foi indicado pelo requerente do arresto como agente de execução para a realização das respectivas diligências, constando essa qualidade em todos os autos de arresto e tendo assinado o auto referido no ponto 12 dos factos, qualidade essa que foi sempre assumida pelo réu nos autos (pontos 8, 12, 12-A e 14).
O autor apelante alega que o 3º réu é responsável pelos danos invocados, porque, na sua qualidade de agente de execução e não sendo os bens arrestados sujeitos a registo, o agente de execução assume a qualidade de fiel depositário.
Estabelece efectivamente o artigo 764º nº1 do CPC (que corresponde ao anterior artigo 848º nº1), aplicável ao arresto por força do artigo 391º, que “a penhora de coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e sua imediata remoção para depósito, assumindo o agente de execução que realizou a diligência a qualidade de fiel depositário”.
Contudo, no presente caso, esta norma, na parte em que o agente de execução assume a qualidade de fiel depositário, não foi aplicada na decisão que decretou o arresto, a qual nomeou fiel depositário não o agente de execução, mas sim um terceiro, o ora 5º réu, o que não pode deixar de ter relevância para a apreciação da responsabilidade do agente execução com intervenção nestas condições.
Desde logo haverá que ter em conta que, apesar de serem aplicáveis ao arresto as normas relativas à penhora nos termos do já citado artigo 391º, no arresto a intervenção do agente de execução tem uma abrangência muito menor daquela que se verifica no processo de execução, em que o agente de execução realiza e acompanha toda a tramitação e em que a função de fiel depositário é apenas mais uma das suas funções, o que não acontece num processo de arresto (no caso dos autos um arresto em processo crime), onde a intervenção do fiel depositário tem carácter mais acidental.
Por outro lado a responsabilização do fiel depositário é assente na culpa presumida de acordo com o artigo 771º do CPC, sendo certo que o ónus da prova só se inverte por força do artigo 344º do CC quando há presunção legal, norma esta excepcional, por oposição à regra geral do artigo 342º, que não deve ser aplicada ao agente de execução que não foi abrangido pela regra do artigo 764º nº1 do CPC, ou seja, a quem não foi confiado o cargo de fiel depositário, expressamente atribuído a terceiro por despacho judicial.
Deste modo, não se presumindo a culpa do agente de execução ora 3º réu, este só será responsável pelos danos causados com a perda dos bens se se provar que actuou com culpa nos termos gerais, omitindo as cautelas que eram exigíveis na situação concreta.
Ora não foram provados factos de que se possa retirar tal conclusão, não resultando qualquer falta de diligência na sua actuação nos referidos pontos 12, 12-A e 14 dos factos e improcedendo as alegações de recurso quanto a este réu."
[MTS]