Restituição provisória da posse;
violência
I. O sumário de RG 6/12/2018 (2817/18.0T8VCT.G1) é o seguinte:
1 – No procedimento cautelar de restituição provisória da posse admite-se que actos de força contra coisas possam configurar a violência referida nos artigos 377º e 378º do CPC, mas só se forem um instrumento de coacção sobre terceiros.
2 – Tendo por base o conceito de posse violenta, moldado no artigo 1261º, nº 1, do Código Civil, a “coacção” aí referida só se pode referir a pessoas, pois as coisas, em si mesmas, não são susceptíveis de coacção, ou seja, a lei exige que, quando se verifique essa violência sobre a coisa, se amedronte ou ameace o possuidor.
3 – Não reveste natureza violenta o acto do requerido que se limitou a colocar uma pedra à entrada da parcela de terreno que disputa com os requerentes.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Os Requerentes sustentam no recurso que os factos provados permitem afirmar que têm a posse da parcela, que ocorreu um esbulho e que o mesmo foi violento. Entendem estar reunidos os requisitos que permitem o decretamento de uma providência cautelar de restituição provisória da posse.
A este propósito, em consonância com o estabelecido no artigo 1279º do Código Civil, dispõe o artigo 377º do Código de Processo Civil:
«No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência».
Portanto, a procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova dos três requisitos indicados nos artigos 377º e 378º do Código de Processo Civil:
- a posse (o tribunal tem de concluir que o requerente é, pelo menos, aparentemente, titular da posse, ou seja, que actua por forma correspondente ao exercício de determinado direito real);
- o esbulho (é preciso mais do que uma turbação da posse; é necessário que o requerente seja privado da posse que tenha sobre a coisa, ficando impedido de a continuar);
- a violência (pode ser física ou moral, isto é, o esbulho pode resultar do emprego de força física ou de intimidação contra o possuidor; a possibilidade concedida ao possuidor de ser restituído à posse imediatamente, antes de julgada procedente a acção, radica na violência cometida pelo esbulhador).
A questão mais delicada nesta espécie de providência de cautelar está em determinar o alcance do conceito de violência usado nos aludidos preceitos legais.
Na verdade, esbulhar alguém de uma certa coisa, em certo sentido já constitui uma violência, uma vez que se trata de privar alguém do que é seu. Porém, não é esta a “violência” a que se referem os artigos 1279º do Código Civil e 377º do CPC, pois aí exige-se mais do que o esbulho, ou seja, o privar da coisa: além do esbulho a lei exige que este seja violento.
Sobre a noção de violência exigível para caracterizar o esbulho sempre a jurisprudência e a doutrina se dividiram.
Para uma dessas correntes a coacção tanto pode ser física como moral e tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas. No fundo, partem do pressuposto de que a violência sobre coisas é sempre violência sobre as pessoas dos respectivos proprietários ou fruidores, ainda que estes estejam ausentes.
Para outra corrente jurisprudencial o esbulho a considerar na providência cautelar de restituição provisória de posse, é apenas aquele que resulte de violências ou ameaças contra as pessoas que defendem a posse.
À violência refere-se o artigo 1261º, nº 2, do Código Civil, nos seguintes termos:
«Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255º».
Nos termos do nº 1 do artigo 255º do Código Civil, «Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração». E o nº 2 acrescenta: «A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro».
Pensamos que o conceito legal de violência emerge dos dois preceitos legais com mediana clareza.
Com efeito, se é certo que a violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre as coisas (o artigo 255º é claro ao dizer que a ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante), também não deixa de ser menos acertado que a violência sobre as coisas tem de reunir os requisitos referidos nos dois últimos preceitos legais citados.
Na verdade, há sempre que relacionar a coisa objecto de violência com o possuidor que vem pedir a restituição da posse.
Quer dizer: exigindo a lei a “coacção”, esta só se pode referir a pessoas, pois as coisas, em si mesmas, não são susceptíveis de coacção, ou seja, a lei exige que, quando se verifique essa violência sobre a coisa, se amedronte ou ameace o possuidor.
Admite-se, pois, que actos de força contra coisas possam configurar a violência referida nos artigos 377º e 378º do CPC, mas só se forem um instrumento de coacção sobre terceiros.
Só este conceito de violência pode justificar verdadeiramente que esta providência cautelar possa ser decretada sem citação nem audiência do esbulhador, o que constitui uma excepção ao princípio basilar do contraditório.
Não pode ser qualquer violência a justificar este enorme benefício que é concedido ao possuidor.
Mais: para obter a restituição, o requerente não precisa de alegar e provar que corre um risco, que a demora da decisão definitiva na acção possessória o expõe à ameaça de dano jurídico, basta que alegue e prove a posse, o esbulho e a violência.
O benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima.
No caso dos autos, conforme resulta da matéria factual apurada, os representantes do Requerido não actuaram com violência, no sentido atrás apontado.
Com efeito, o Requerido limitou-se a mandar um terceiro colocar uma pedra à entrada da parcela em disputa. Não ameaçou (de forma directa ou indirecta) nem coagiu ninguém. O referido terceiro foi ouvido no processo como testemunha e ficou aí bem patente que mantém boa relação com ambas as partes, sendo que se limitou a colocar a pedra como uma prestação de serviço a um cliente.
Em suma: não existiu violência sobre pessoas, ou sequer a violência sobre as coisas de modo a reflectir-se directamente sobre pessoas. Não estamos perante um esbulho violento.
Por isso, não pode ser decretada a providência cautelar de restituição provisória da posse, por não estar demonstrado o requisito do uso da violência.
Depois, os Requerentes nem sequer demonstraram indiciariamente a posse da parcela em causa. A situação é duvidosa e requer a actuação do contraditório e até uma mais larga e profunda indagação, que não é apropriada a um procedimento cautelar.
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Actualmente permite-se defender a posse mediante utilização do procedimento cautelar comum nos casos em que o esbulho se não haja revestido de violência e mesmo quando ocorra mera turbação da posse, conforme decorre do artigo 379º do CPC.
Para isso, é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nos artigos 362º, nº 1, e 368º, nº 1, do CPC.
Ora, sendo certo que nem sequer se pode dar por adquirido que os Requerentes são titulares do direito de que se arrogam, verifica-se que dos factos dados como provados não resulta que a actuação do Requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos Requerentes.
Como bem evidencia a decisão recorrida, «a parcela não tem árvores de fruto, vinhas ou quaisquer culturas que necessitem ser salvaguardadas para além de que também não há nela animais que reclamem cuidados». O mesmo se diga relativamente ao motocultivador, uma vez que nenhum facto se demonstrou relativamente às repercussões da sua falta.
Não está em causa uma lesão do direito dos Requerentes com os contornos exigidos pelo referido artigo 362º, nº 1, do CPC.
Para isso, é necessário que se verifiquem os requisitos previstos nos artigos 362º, nº 1, e 368º, nº 1, do CPC.
Ora, sendo certo que nem sequer se pode dar por adquirido que os Requerentes são titulares do direito de que se arrogam, verifica-se que dos factos dados como provados não resulta que a actuação do Requerido cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito dos Requerentes.
Como bem evidencia a decisão recorrida, «a parcela não tem árvores de fruto, vinhas ou quaisquer culturas que necessitem ser salvaguardadas para além de que também não há nela animais que reclamem cuidados». O mesmo se diga relativamente ao motocultivador, uma vez que nenhum facto se demonstrou relativamente às repercussões da sua falta.
Não está em causa uma lesão do direito dos Requerentes com os contornos exigidos pelo referido artigo 362º, nº 1, do CPC.
Pelo exposto, também não existe fundamento para convolar o procedimento cautelar para providência cautelar não especificada nos termos previstos nos artigos 376º, nº 3, e 379º do CPC."
[MTS]