"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/03/2019

Jurisprudência 2018 (196)

Condenação genérica; 
execução; liquidação

1. O sumário de RL 11/12/2019 (7686/15.0T8LSB.L1-6) é o seguinte:

I. Face a uma sentença condenatória cujo dispositvo determina que o valor da condenação será a liquidar, não é de afastar logo a possibilidade da liquidação poder ser feita por simples cálculo aritmético, desde que esta assente em factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo.

II. Depende de simples cálculo aritmético quando a obrigação, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido.

III. No caso dos autos e da sentença que serve de título executivo estão apenas em causa cálculos matemáticos, ou seja, aferir qual o valor das prestações devidas desde a resolução do contrato, valor esse que se reportará apenas ao valor mutuado, e a obtenção desse valor não deixa de ser uma mera operação aritmética, cujos dados da equação podem ser encontrados na sentença que serve de título à execução.

IV. Efetuados pagamentos na execução e face à inexistência de oposição à execução e, logo, à liquidação, ficou precludida a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo nos termos do artº 734º nº 1 do CPC.


2. Na fundamentação afirma-se o seguinte:

"A) Da liquidação da sentença em sede de requerimento executivo por determinação do valor por simples cálculo aritmético.

Importa aferir da necessidade ou não de liquidação com recurso prévio ao incidente de liquidação previsto nos artigos 358º a 361º do Código de Processo Civil, indagando saber se, no caso concreto a obrigação é determinável, ou não, por simples cálculo aritmético.

Assim, preconiza o n.º 6 do artigo 704.º do Código de Processo Civil que tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a condenação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.

Nos termos prescritos no n.º 2 do artigo 358.º, o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso, seja admitido, a instância extinta considera-se renovada. Além disso, de acordo com o disposto no artigo 556.º, n.º 2 do CPC é permitido formular pedidos genéricos quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito, ou ainda quando não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil.

Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.10.2014 (João Nunes), acessível em www.dgsi.pt, “A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução; Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique, também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título e que não são notórios nem de conhecimento oficioso”.

Rui Pinto (in “Manual da Execução e Despejo”, pág. 237 e ss) escreve que «o acertamento da obrigação cujo objecto não esteja quantificado em face do título é um dos pressupostos da execução, já que ele irá dar a medida do ataque ao património do executado – cfr. O princípio da proporcionalidade estabelecido no nº 3 do artº 735º do CPC. Como tal, deve ter lugar preliminarmente à execução propriamente dita, uma operação de quantificação da obrigação – a liquidação – feita, por força do artº 10º do CPC, dentro dos limites que lhe são fixados pelo título executivo não podendo constituir um modo de extensão do seu âmbito».

Donde, a execução assentará numa obrigação, e estando em causa uma execução para pagamento de quantia certa a regra é que o valor deva ser indicado e liquidado pela exequente. Porém, a dúvida surge se face a uma sentença condenatória cujo dispositvo determina que o valor da condenação será a liquidar, se tal afasta logo a possibilidade da liquidação poder ser feita por simples cálculo aritmético nos termos do artº 716º e artº 704º à contrario, ambos do CPC.

Rui Pinto Duarte (sic) (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 483) escreve que «[a] liquidação dependente de simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento (…). A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, uma cálculo aritmético, assenta em factos (i.é., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão».

A liquidação pressupõe sempre um cálculo aritmético, mas este constitui um acto juridicamente relevante, tanto nos factos em que assenta, como nos efeitos que do mesmo decorre, porém todos os títulos executivos podem estar sujeitos ou a um simples cálculo aritmético ou a uma liquidação prévia, incluindo as sentenças condenatórias, competindo ao exequente efetuar tal liquidação no requerimento executivo – cf. artº 724º nº 1 alínea h) do CPC.

Deste modo, sempre que o título executivo é uma sentença e o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido, deve a liquidação ser realizada na própria acção declarativa através do incidente de liquidação: nestes casos só perante a indicação pelo Autor de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efectuar, bem como a apresentação das respectivas provas, elementos esses que serão objecto de contraditório a ser exercido pela outra parte, é possível fixar o montante da obrigação.

Ao contrário, a liquidação depende de simples cálculo aritmético, processando-se na própria execução, se, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido (cfr. artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); esta situação poderá verificar-se ainda que a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, uma vez que também aqui estão em causa factos não controvertidos – pois encontram-se abrangidos pelo título executivo –, e do que se trata é tão só de apurar da verificação da condição suspensiva ou do cumprimento da prestação por parte do credor ou de terceiro, fixados na obrigação a cumprir (cfr. n.º 1 do artigo 715.º).

Como refere Rui Pinto (in ob. cit. Pág. 243) «a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos ( i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão.»

Decidiu-se no Ac da RL de 10/04/2018 (in www.dgsi.pt/jtrl): «A liquidação não depende de simples cálculo aritmético se os pressupostos do cálculo da obrigação pecuniária a que se reporta a condenação genérica assentarem em factos novos, suscetíveis de prova, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo e não sejam notórios, nem de conhecimento oficioso. In casu, os R.R. foram condenados ao pagamento do capital das prestações vincendas, pelo valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, expurgadas de juros remuneratórios vincendos, por estes não serem devidos, porquanto a sentença considerou que haver insuficiência de alegação que não permitia aferir com precisão qual o montante exato das prestações de capital por pagar. Resultando da liquidação feita pelo exequente, no seu requerimento executivo, que o valor do capital de cada prestação era mensalmente variável com o decurso do tempo, segundo critério económico que não foi especificado, as exigências decorrentes de um processo justo e equitativo justificam que seja deduzido o incidente de liquidação de sentença, nos termos dos Art.s 358.º e ss do C.P.C, para apurar o valor exato de cada prestação vincenda de acordo com os termos do contrato celebrado entre as partes.»

Os elementos objetivos constantes da sentença condenatória, que serve de título executivo, permitem ou não evidenciar só por si que, por mero cálculo aritmético, qual o valor das prestações em divida expurgadas as mesmas do valor dos encargos com seguro e outros, bem como juros remuneratórios?. Ora, além de constar do relatório que o valor inicial mutuado era de 15.000€, refere-se ainda na sentença que «(…) do contrato celebrado entre Autora e Ré uma TAEG de 14,76% (cfr. documento de fls. 11). Prevêem-se, aqui, os chamados juros remuneratórios, isto é, juros com carácter retributivo, como contra-prestação onerosa pela disponibilidade do capital, funcionando como o pagamento de empréstimo». Acresce que também resulta dos factos confessados pela ré, face à ausência de contestação, que o valor mutuado seria pago em 90 meses, estabelecendo-se também o valor devido em cada prestação. Ora, bastará dividir o capital mutuado pelo número de prestações e teríamos o valor amortizado em cada mês a título de capital, nomeadamente para aferir do valor pago antes da resolução pela devedora. Deduzido tal valor ao capital mutuado encontraríamos o valor em divida a título de capital. 

Assim, no âmbito da sentença condenatória que constitui o título executivo apresentado nos autos, conclui-se em: «a) condenar a Ré, nos termos dos artigos 661.º, n.º 2 e 805.º do Código de Processo Civil, na quantia que se vier a apurar em sede de liquidação, correspondente às prestações de capital vencidas e não pagas (excluindo as quantias nelas incluídas a título de juros remuneratórios, prémios de seguro e outros encargos), acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa supletiva para os juros civis, desde a data de resolução do contrato, bem como os que se vencerem até efectivo e integral pagamento. b) condenar a Ré no pagamento da quantia que corresponder a 8% do valor referido em a), a título de cláusula penal.»

Ora, na liquidação efectuada pela exequente refere a mesma qual o valor do capital total em dívida e alega ainda determinados pagamentos efectuados pela executada, imputando os mesmos no capital total que contabilizou, deduzindo tais valores, o que lhe era permitido fazer nos termos do artº 785º nº 2 do CC. 

Entendemos pois, que inexistem as razões relativas ao respeito por um processo justo e equitativo que justificariam no caso concreto que o exequente devesse deduzir previamente o incidente de liquidação de sentença. Pois do teor dos factos tidos em conta na sentença já se consegue, através de operações matemáticas, estabelecer em termos definitivos qual o valor exato de cada prestação devida a título de capital vencido por força do Art. 781.º do C.C, obtendo uma conclusão justa e com a necessária segurança jurídica.

Logo, no caso dos autos e da sentença que serve de título executivo estão apenas em causa cálculos matemáticos, ou seja, aferir qual o valor das prestações devidas desde a resolução do contrato, valor esse que se reportará apenas ao valor mutuado, e a obtenção desse valor não deixa de ser uma mera operação aritmética, cujos dados da equação podem ser encontrados na sentença que serve de título à execução.

Seguindo de perto o Ac. da RL de 27/02/2018 que decidiu desta questão numa situação similar: «I- A liquidação do montante condenatório quando do que se trata, essencialmente, é destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61, depende de simples cálculo aritmético. II– Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva. III– Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético. IV– Assim sendo, tal liquidação deverá ser feita no presente requerimento executivo, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6 e 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil.» [...]"

[MTS]