Presunções judiciais*
1. O sumário de RP 25/10/2018 (1838/14.3TJPRT.P1) é o seguinte:
I - As presunções judiciais são admissíveis quando partem de um facto indiciário (i), que é certo e está demonstrado, para um facto consequência (ii), distinto daquele outro mas estando com o mesmo conexionado, existindo entre ambos uma estreita relação de proximidade (iii), utilizando-se para o efeito raciocínios lógicos, naturais ou extraídos da regra da experiência (iv), mormente aqueles que têm por base elementos objectivos, os quais devem estar devidamente motivados na convicção probatória (v).
II - A concessão de poderes representativos tem subjacente uma relação de confiança (fidúcia), mantendo-se ou reforçando-se as exigências de atuação do representante de acordo com a boa fé contratual, não significando que exista um mandato em branco ou arbitrário para realização de qualquer negócio e muito menos para prejudicar os interesses da pessoa representada.
III - O consentimento conjugal para a alienação ou oneração casa de morada de família do casal, deverá ser próprio, expresso e específico, não deixando qualquer sombra de dúvidas.
IV - Atua com abuso de representação e sem o devido consentimento conjugal, o marido que, com uma procuração outorgada de um modo genérico pela sua mulher, vende a casa de morada de família à mulher com quem mantinha uma relação extraconjugal.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Tem razão o recorrente quando afirma que não existe uma motivação expressa da convicção probatória no que concerne aos itens 23 e 24, pois o tribunal recorrido ficou-se pelo item 22. No entanto e na sequência do que aí foi afirmado, o mesmo tribunal fez para os tais itens 23 e 24 as mesmas presunções judiciais, as quais são permitidas pelo artigo 351.º do Código Civil, que para o efeito estabelece que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”. A propósito tem se entendido que “As presunções judicias são situações em que, num quadro de conexão entre factos provados e não provados, à luz da experiência comum, da lógica corrente e por via da própria intuição humana, a existência dos primeiros, em termos de alta probabilidade, justifica a existência dos últimos” (Ac. STJ de 15/jun./2005, Cons. Salvador da Costa, em www.dgsi.pt, como os demais a que se fizer menção sem indicação expressa da sua origem). Esta posição tem sido constante na jurisprudência, afirmando-se ultimamente que “O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos)”, acrescentando-se que “A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil)” (Ac. STJ de 19/jan./2017, Cons. Joaquim Piçarra).
Nesta conformidade, podemos considerar que as presunções judiciais partem de um facto indiciário (i), que é certo e está demonstrado, para um facto consequência (ii), distinto daquele outro mas estando com o mesmo conexionado, existindo entre ambos uma estreita relação de proximidade (iii), utilizando-se para o efeito raciocínios lógicos, naturais ou extraídos da regra da experiência (iv), mormente aqueles que têm por base elementos objectivos, os quais devem estar devidamente motivados na convicção probatória (v).
Foi isso que aconteceu com o julgamento da matéria de facto agora impugnada, porquanto partindo do forte indício de que a RR. não queria vender a fracção onde habitava e muito menos o queria fazer à senhora com quem o seu então marido mantinha uma relação extraconjugal – nada mais óbvio, que dispensa quaisquer outros comentários. E com a utilização daquela procuração era por demais evidente que o seu então marido pretendia retirar essa mesma fracção do domínio da RR. – também facilmente inteligível. E é por demais perceptível que só com estes últimos acontecimentos é que a RR. teve conhecimento dos contratos de compra e venda que tinham como objecto a fracção habitacional onde residia – igualmente intuitivo e evidente. Aliás, este entendimento sai reforçado com a carta recebida pela RR. em 04/abr./2013, que lhe é dirigida pela advogada da referida C..., sendo intimidada para sair da referida fracção, assim como pela carta resposta por si enviada em 16/abr./2013, onde reafirma que é proprietária dessa fracção, desconhecendo quaisquer negócios contrários (8.º e 9.º dos factos provados). E mais reforçado fica quando o seu ex-marido D... enviou em 11/jun./2013 requerimento ao processo de divórcio respeitante ao casamento celebrado entre este último e a RR. afirmando “nada ter a opor em relação à atribuição provisória da casa de morada de família à aqui Ré” (13 dos factos provados)."
*3. [Comentário] Apenas uma precisão: o facto probatório (ou instrumental) não deve ser confundido com o facto indiciário. A distinção pode ser feita nos seguintes termos:
-- O facto probatório é um facto que serve de base a uma presunção legal ou judicial, ou seja, um facto do qual se infere um outro facto;
-- O facto indiciário é um facto que possibilita a suposição de um outro facto; por exemplo: se alguém apareceu doente depois de ingerir uma refeição num restaurante, constitui um indício de que a doença foi contraída através da refeição tomada nesse restaurante se outros clientes também ficaram a padecer da mesma doença.
MTS