Apresentação de documentos;
prazo*
1. O sumário de RP 11/11/2018 (11465/17.1T8PRT-B.P1) é o seguinte:
O prazo limite para a apresentação de documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
A questão a decidir é saber se os documentos foram apresentados ou não dentro do prazo fixado no n.º 2 do art. 423º do CPC.
É o seguinte o teor do despacho recorrido.
“A audiência de julgamento iniciou-se a 13 de Junho de 2018, pelo que, atento o disposto no art.º 423.º do CPC, o prazo normal para apresentação de documentos como meio de prova há muito que decorreu (salvo melhor opinião, a data limite a este propósito constante do referido artigo apenas se pode considerar como referida ao inicio da audiência de julgamento, que é no fundo o que foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo referido a fls. 736 – não ocorreu adiamento, interrupção ou adiamento da audiência de discussão e julgamento, mas antes a sua simples suspensão (art.º 3 do artigo 606º do Código de processo Civil).
Logo, a apresentação de documentos como meio de prova neste momento apenas será possível se a parte alegar e demonstrar que não teve oportunidade de os apresentar antes.
O que não sucede.
Logo, não se admitem os documentos apresentados a fls.738 a 871.” [...]
A questão está, pois, em saber se os documentos têm de ser apresentados 20 dias antes da data designada para o início da audiência de julgamento ou nos casos em que audiência seja interrompida e a sua continuação designada para 20 dias depois, as partes podem ainda apresentar documentos, nos termos do n.º 2 do citado artigo 423º. [...]
Com o atual o n.º 2 do art. 423º o legislador fixou um regime idêntico ao já consagrado para a alteração do rol de testemunhas (anterior art. 512º-A e atual art.º 598º - o rol de testemunhas poder ser aditado ou alterado até 20 dias antes de data em que se realize a audiência final).
A questão do termo do prazo de 20 dias quando a audiência de julgamento não terminava no dia em que se iniciava, já se colocava, quanto ao momento do aditamento ou alteração do rol de testemunhas, nos termos do art. 512º -A n.º 2 do CPC que corresponde ao atual art. 598º, n.º 2, tendo a esmagadora maioria dos acórdãos publicados, antes e depois da reforma do CPC de 2013, decidido que a antecedência de 20 dias se reportava à realização efetiva da audiência final e não à simples abertura.
Neste sentido Ac. desta Relação do Porto de 20.10.2009, processo 2172/04.6TBVFR.P1, relator Vieira e Cunha, com o sumário: “III - O prazo do art° 512°-A conta-se da data da audiência aprazada para a audição da testemunha ou daqueloutra data para que a audição haja sido adiada.”. Acórdão de 11.12.2008, da Relação de Guimarães, processo n.º 1903/08-1, relatora Isabel Rocha, com o sumário: “I - De acordo com o disposto no artº 512º-A do Código de Processo Civil, o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize efectivamente o julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência logo seguida de adiamento.”
E ainda o Ac. TRL de 03/05/2001, Proc. 0008432 (Rel. Proença Fouto), com o sumário: «I - Prevendo o artº 512º do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou adiado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência. Assim, uma vez adiada nos termos do artº 651º do mesmo código ou anulada, será tempestivo tal adiamento ou alteração se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nava data designada para o início do julgamento». E os Acs. TRP, de 24/01/2000, Proc. 9951224 (Rel. Aníbal Jerónimo), com o sumário: «Os róis de testemunhas podem ser alterados ou adicionados as vezes que se tornem necessárias, desde que apresentados até vinte dias antes da data da efectiva realização do julgamento»; de 20/03/2000, Proc. 9951480 (Rel. Fernandes do Vale), com o sumário: «I - O prazo de vinte dias - previsto no artigo 512-A do Código de Processo Civil - para aditamento ou alteração do rol de testemunhas - deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e não a simples abertura desta, seguida logo de adiamento»; de 08/03/1999, Proc. 9950075 (Rel. Marques Peixoto), com o sumário: “I - O artigo 512-A n.1 do Código de Processo Civil, quando refere que o rol de testemunhas pode ser alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, reporta-se, não à data para que a audiência foi designada, mas àquela em que efectivamente se realiza.”, todos em www.dgsi.pt.”
Na vigência do atual CPC, o acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2015, processo 3070/09.2TJVNF-B.G1, relatora Maria Amália Santos, com o sumário: “I- Prevendo o art. 598º nº 2 do CPC que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal à realização efectiva da audiência. II - Assim, uma vez adiada a mesma, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efectiva realização na nova data designada para o início do julgamento.” Acórdão da Relação de Coimbra, de 08.09.2015, processo 2035/09.9TBPMS-A.C1, relatora Isabel Silva, com o sumário: “O prazo de 20 dias a que alude o art. 598º, nº 2 do CPC refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.”
Ainda a decisão sumária de 14.12.2016, proferida no processo n.º 3669/14.5T8VIS.C1, da Relação de Coimbra, relator Vítor Amaral, com o sumário: “O prazo de vinte dias, previsto no art.º 598.º, n.º 2, do NCPCiv., para aditamento ao rol de testemunhas tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que, anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência final, com tentativa de conciliação, seguida de suspensão, sem produção de quaisquer provas, para conclusão das negociações entre as partes e designação de nova data para realização da audiência.”
Em sentido contrário, o Ac. desta Relação de 12.05.2015, processo n.º 7724/10.2TBMTS-B.P1, relator Henrique Araújo, com o sumário: “O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final sendo a data a considerar a que designa dia para julgamento, independentemente de este se realizar ou não e de terem sido agendadas mais sessões em função do volume de prova a produzir.” Tem um voto de vencido.
Concretamente quanto à junção dos documentos no referido prazo de 20 dias antes da realização da audiência final, o Ac. de 17.12.2014, desta Relação do Porto, processo n.º 436/13.7TTVNG-A.P1, relatora Maria José Costa Pinto, decidiu: “O prazo de 20 dias antes da realização da audiência previsto no artigo 423.º, n.º 2 do CPC para a junção de documentos após os articulados, deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento (ainda que verificado logo após a sua abertura) como uma repetição da audiência, vg. por se verificar a nulidade da primeira, ou para ampliação da matéria de facto.” (cf. ainda a decisão sumária citada pelos Apelantes, do nosso colega de secção Paulo Dias da Silva)
Em sentido contrário, decidiu o Ac. da Relação de Coimbra de 06.06.2017, processo n.º 2890/13.8TBPRD-A.C1, relator Arlindo Oliveira, com o sumário: “1. Perante a anulação da sentença proferida nos autos principais apenas e tão só para ser reinquirida uma testemunha, dada a inaudibilidade da gravação do depoimento por ela prestado, não estamos em face da realização ab initio da audiência de julgamento mas somente perante a repetição de um concreto acto que dela faz parte – a inquirição de uma testemunha. 2. Dado que a audiência de discussão e julgamento já tinha tido lugar e a autora poderia ter requerido a junção dos documentos que agora pretendeu fazer, desde que apresentados até 20 dias antes da data em que se realizou, atento o disposto no n.º 2 do artigo 423.º do CPC, já não é admissível a pretendida junção de documentos.”
A posição dos que defendem que o prazo de 20 dias tem sempre por referência o inicio da audiência de julgamento, independentemente de adiamento ou continuação, assenta na teleologia do preceito “que visa evitar a perturbação resultante da apresentação de documentos” (cf. CPC Anotado, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, vol. I, pág. 499)
No entanto, não concordamos com este entendimento.
Em primeiro lugar, a letra do preceito “data em que se realize a audiência” não permite a interpretação literal que se está a reportar ao início da audiência.
Por outro lado, o legislador que teve por finalidade impedir que fossem apresentados documentos imediatamente antes do encerramento da audiência de julgamento, como era permitido no regime anterior, por razões de lealdade e para evitar que a audiência de prolongasse, impôs que os documentos sejam entregues até 20 dias antes da data em que se realize a audiência.
Contudo não se se vislumbra que quando a audiência não é contínua haja especial perturbação com a apresentação dos documentos, desde que entregues até 20 dias antes da data designada para a continuação da audiência.
Note-se que a fixação do prazo de 20 dias, antes da data designada para a realização ou continuação da audiência de julgamento, possibilita desde logo que a parte contrária (obrigatoriamente notificada pelo apresentante nos termos do art. 427º do CPC) se pronuncie sobre a sua admissibilidade e ainda impugne os documentos apresentados, nos termos do art. 444º do CPC, no prazo de 10 dias, expressamente fixado neste normativo, ou seja, necessariamente antes da continuação da audiência, não havendo, por isso, em regra, perturbação para o decurso da audiência.
Por outro lado, se as circunstâncias o exigirem, a parte contrária, passa a ter a possibilidade legal, nos termos do art. 423º n.º 3, parte final do CPC de apresentar documentos para contrariar os apresentados, sem multa.
Não há, pois, qualquer violação do princípio da igualdade das partes, que inclui o do contraditório, em interpretar o art. 423º n.º 2, de forma a contabilizar o prazo nele fixado tendo por referência a data da efetiva realização da audiência e não a data do seu início.
De resto, como resulta do preâmbulo da Lei n.º 41/2013, que aprovou o atual CPC, uma das principais finalidades do legislador, foi evitar que formalismos processuais impeçam a descoberta da verdade material e, por isso, as normas que fixam preclusões processuais têm de ser interpretadas em consonância com o princípio da prevalência do mérito, evitando que formalismos processuais obstem à descoberta da verdade.
Entendemos, pois, que o prazo limite para a apresentação dos documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência (cf. neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 3ª edição, pág.s 241 e 675/676).
Assim, tendo os documentos sido apresentados em 14.06.2018 e estando a continuação da audiência de julgamento designada para o dia 4.07.2018, os AA apresentaram os documentos dentro do prazo previsto no n.º 2 do art. 423º do CPC e, por isso, devem ser admitidos, ainda que com condenação em multa pela tardia junção."
*3. [Comentário] Concorda-se com a solução defendida no acórdão, nomeadamente porque é ela que está de acordo com o princípio de que as regras processuais devem ser interpretadas de molde a assegurarem a melhor tutela judicial. A orientação contrária é demasiado formalista, dado que não se vislumbra nenhuma vantagem para a boa administração da justiça em que o prazo para a junção de documentos tenha de ter como referência temporal apenas o início da audiência final.
MTS