Sucursal; falta de personalidade judiciária;
sanação
1. O sumário de RL 28/3/2019 (6564/17.2T8LRS.L1-6) é o seguinte:
I – Se a acção for proposta contra a sucursal ou agência da sociedade ou pessoa colectiva, por nascer de facto por ela praticado, a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada.
I – Se a acção for proposta contra a sucursal ou agência da sociedade ou pessoa colectiva, por nascer de facto por ela praticado, a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada.
II – No entanto, nada impede a substituição processual da sucursal ou agência demandada pela sociedade ou pessoa colectiva, a quem respeita a relação jurídica.
III - A referida substituição pode ter lugar por iniciativa da administração principal da sociedade ou pessoa colectiva.
IV - Se a acção for proposta contra a sucursal ou a agência de uma sociedade ou pessoa colectiva, por facto imputável à administração principal, deve o juiz fazer uso dos poderes-deveres de gestão processual/adequação formal [artigos 6.º e 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC ] e providenciar pelo suprimento da falta de personalidade judiciária da demandada, convidando o autor promover a citação da administração principal dentro de determinado prazo.
V - Efectuada a citação da sociedade ou pessoa colectiva e tendo esta contestado a acção, em nome próprio, fica sanada a falta do referido pressuposto processual e o processo seguirá os seus termos contra a sociedade ou pessoa colectiva, que passa a ocupar a posição processual da sucursal ou agência [art.º 14.º, 1.ª parte do CPC].
VI – Na eventualidade de a primitiva demandada ter apresentado contestação ou outros articulados, o processo só prosseguirá os seus termos como se a parte preterida tivesse intervindo desde o início se esta ratificar esse processado [art.º 14.º, 2.ª parte, do CPC].
VII – Em caso de recusa de ratificação, ocorrem de novo os prazos previstos para a prática dos actos não ratificados [art.º 14.º, 2.ª parte, do CPC].
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Primeira questão: O despacho recorrido enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC?
Nos termos do art.º 11.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), em regra quem “tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária”.
Em regra, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica (art.º 5º do Código das Sociedades Comerciais – CSC).
No que respeita às agências, o art.º 13º do CPC, que reproduz o teor do art.º 7º do anterior código, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, estabelece o seguinte:
“1 - As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado.
2 - Se a administração principal tiver a sede ou o domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a ação derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.”
O acórdão desta Relação de 16/11/2010, Proc. n.º 487/08.3TBVFX.L1-1, disponível em www.dgsi.pt., [Desembargadora Anabela Calafate], faz uma ampla análise do preceito do anterior código, em termos doutrinais, e do qual se destaca o seguinte:
“De harmonia com o art. 10º al c) do Código do Registo Comercial são factos sujeitos a registo «A criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de sociedades, cooperativas, agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse económico com sede em Portugal ou no estrangeiro, bem como a designação, poderes e cessação de funções dos respectivos representantes».
Também o art.º 13º do Código das Sociedade Comerciais prevê que «a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.».
Por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr. Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª ed, pág. 116).
Já em anotação ao art.º 7º do CPC de 1939 explicava Alberto dos Reis:
«As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta. [...].
Não sucede o mesmo quando a acção emerge de acto ou facto praticado pela administração principal; então só esta pode demandar ou ser demandada. Exceptua-se o caso de a administração principal ter a sede ou o domicílio em país estrangeiro» (cfr Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., pág. 26/27).
Também no ensinamento de Antunes Varela as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) «como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.
Trata-se, por hipótese, de uma acção de condenação destinada a obter a amortização e os juros dum empréstimo concedido a um cliente do Banco Português do Atlântico pela filial de Coimbra. Apesar de o mutuante ser o Banco, cuja representação cabe ao conselho de gerência da sede, a filial de Coimbra goza de personalidade judiciária para propor a acção (ou para ser demandada), seja qual for a comarca onde a acção deva ser instaurada, porque a demanda nasce de um facto praticado pela dita filial. A decisão que seja proferida nesse caso goza de eficácia não apenas contra a filial directamente demandada, mas também contra o próprio Banco.
E, no caso de a pessoa colectiva ou sociedade ter a sede ou domicílio em país estrangeiro, a lei amplia a esfera de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais ou delegações estabelecidas em Portugal, ainda no mesmo propósito de «dar vida, facilidades e interesse aos órgãos de administração local das sociedades» ou pessoas colectivas. Neste caso, mesmo que a acção proceda de facto praticado pela administração principal as sucursais, agências, filiais ou delegações terão personalidade judiciária, quer para demandar quer para serem demandadas, se a obrigação a que a acção se refere tiver sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal.» (cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed, pág. 112).”
Por outro lado, de acordo com o artigo 2º-A al. a) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31/12, com subsequentes alterações, entre as quais as introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 107/2017, de 30/08), normativo citado pela decisão recorrida, “agência” é a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal.
Por sua vez, a alínea ll) do mesmo dispositivo legal estatui que a “sucursal” é o estabelecimento de uma empresa desprovido de personalidade jurídica e que efectue directamente, no todo ou em parte, operações inerentes à actividade da empresa de que faz parte integrante.
No caso em apreço, como se dá devida nota na decisão em crise, ”é o próprio A. que na petição (a propósito do título “legitimidade passiva”) logo revela destrinçar a actividade da CGD e a das suas agências afirmando “O R. exercia como exerce a actividade bancária em Portugal, praticando com regularidade atos de intermediação bancária, entre outros, estando autorizado a exercê-la pelo Banco de Portugal” (artº 1º da p.i) – em clara referência à “CGD, SA” – mais afirmando “A R. tinha dezenas de agências abertas em Portugal (…) com uma organização hierárquica vertical” (cfr. artº 2º p.i).
Logo essas iniciais afirmações do A. encerram o reconhecimento de que a agência demandada, fruto da referida organização hierárquica vertical, não efectuou directamente, no todo ou em parte, qualquer operação tendente à concretização da subscrição do produto financeiro em causa: ela actuou em operação inerente à actividade da empresa de que faz parte integrante.”
A tudo acresce que a actuação e intervenção do Gestor de Conta da Agência de Moscavide é feita no âmbito das suas funções e sob subordinação da CGD. [...]
Quem poderá responder é a CGD, à luz do citado art.º 800º do Cód. Civil, uma vez que o Autor era cliente desta entidade bancária.
A violação do dever de informação dará lugar a responsabilidade contratual e não delitual, na medida em que esta resulta do incumprimento de obrigações; pressupõe a existência de uma relação intersubjectiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica.
A única responsabilidade pessoal do Gestor de Conta, seria, eventualmente, perante a entidade patronal: pela via da responsabilidade disciplinar e pela via do exercício de um direito de regresso. [...]
Serve tudo isto para se concluir que a produção de prova relacionada com os factos controvertidos relacionados com os actos praticados na Agência de Moscavide se revelava e revela desnecessária e irrelevante para o conhecimento da excepção de falta de personalidade judiciária.
Face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal a quo podia conhecer da referida excepção dilatória – cf. artigo n595.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Por conseguinte, também não se verifica a invocada nulidade da decisão recorrida, por omissão e/ou excesso de pronúncia.
Saber do acerto dessa decisão, isto é, se a mesma fez incorrecta interpretação ou aplicação da lei é questão que trataremos mais adiante.
Improcedem, com tais fundamentos, as invocadas nulidades da decisão recorrida.
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Segunda e terceira questões:
- A Agência de Moscavide da CGD tem personalidade judiciária para intervir como parte no processo?
- Não sendo esse o caso, o Tribunal a quo deveria ter providenciado pelo suprimento da falta desse pressuposto processual, convidando o Autor a promover a citação da administração principal da CGD, dentro de determinado prazo?
A resposta à segunda questão tem de ser negativa, valendo aqui os fundamentos aduzidos na apreciação da primeira questão para se concluir, como se conclui, que a Agência de Moscavide da CGD não tem personalidade judiciária para ser demandada.
Passando à terceira questão, cabe aqui dizer que concordamos com o Autor quando afirma que tendo a acção sido proposta contra a agência da CGD, por facto imputável à administração principal, deveria o Tribunal a quo ter feito uso dos poderes-deveres de adequação formal/gestão processual [art.ºs 590.º, n.º 2, alínea a) e 6.º, n.º 2, do CPC] e convidado o Autor a sanar a falta de personalidade judiciária, promovendo a citação da administração principal, isto é, da entidade CGD. Só no caso de não se verificar a integração do pressuposto processual dentro do prazo concedido para a sua regularização, é que o Tribunal a quo estava habilitado a absolver da instância a Ré Agência da CGD.
No entanto, no caso concreto, aquando da prolação da decisão em crise, já se mostrava prejudicada a possibilidade de adopção de tal acto de gestão processual, face à citação levada a efeito da CGD, na sede da sua administração principal, e subsequente apresentação de contestação por esta entidade.
É o que veremos de seguida.
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Quarta questão: Tendo a CGD sido citada na sede da sua administração principal e apresentado contestação em nome próprio [Caixa Geral de Depósitos, S.A.] deveria o Tribunal “a quo” ter considerado sanado o vício da falta de personalidade judiciária e o processo ter seguido os seus termos como se a parte preterida tivesse intervindo desde o início?
Esta questão merece resposta afirmativa!
O Tribunal a quo considerou que a citação e subsequente intervenção da CGD não teve por efeito suprir a falta de personalidade judiciária da demandada Agência de Moscavide da CGD.
Salvo o devido respeito, que é muito, diga-se, não podemos concordar com este entendimento, feito ao arrepio do artigo 14.º do CPC.
Foi por iniciativa do próprio Tribunal a quo que a CGD veio a ser citada, na sede da administração principal, em vez de ter sido citada a Agência de Moscavide, no endereço indicado pelo Autor.
Efectuada a citação da entidade [pessoa colectiva] que preenche os requisitos para intervir no processo como parte, do lado passivo, e tendo a mesma apresentado contestação, em seu próprio nome, impõe-se que se considere sanada a falta de personalidade judiciária da Ré Agência, devendo o processo prosseguir os seus termos como se a parte preterida [CGD] tivesse intervindo desde o início, em conformidade com o disposto no artigo 14.º, 1.ª parte, do CPC.
No caso, nem sequer é aplicável o estabelecido na segunda parte do referido normativo [“ratificação ou repetição do processado”] desde logo, por não existir processado a ratificar [a Ré Agência não foi citada e não contestou].
Tendo a CGD intervindo na acção, tem de se considerar a Ré Agência de Moscavide da CGD substituída na acção pela pessoa colectiva Caixa Geral de Depósitos, S.A., que passa a ocupar a sua posição na lide.
Comentando o art.º 7.º, na redacção do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25-9, que corresponde, sem alterações, à redacção do art.º 14.º do CPC vigente, escreveu ANTUNES VARELA [Manual de Processo Civil, pág. 116]:
“Se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária, significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”.
Tomando como bons tais conhecimentos, nada mais se nos oferece acrescentar.
Consideramos, portanto, que o Tribunal a quo errou ao não ter considerado sanado o pressuposto processual de falta de personalidade judiciária e, em consequência, substituída a Ré Agência de Moscavide da CGD pela pessoa colectiva Caixa Geral de Depósitos, S.A., e bem assim ao ter recusado a apreciação da contestação apresentada pela Ré CGD, considerando prejudicadas as demais questões nela suscitadas."
MTS