Declarações de parte;
admissibilidade; justo impedimento*
1. O sumário de RP 25/3/2019 (13083/16.2T8PRT-A.P1) é o seguinte:
I - As declarações de parte do art. 466º do CPC pressupõem que a parte requerente esteja presente, não só para manifestar a sua concordância para que o mandatário proceda ao pedido, como para que preste as suas declarações assim que deferido o requerimento, atento o princípio da inadiabilidade da audiência.
I - As declarações de parte do art. 466º do CPC pressupõem que a parte requerente esteja presente, não só para manifestar a sua concordância para que o mandatário proceda ao pedido, como para que preste as suas declarações assim que deferido o requerimento, atento o princípio da inadiabilidade da audiência.
II - Não é, pois, de deferir o requerimento de declarações de parte ausente da audiência, formulado pelo mandatário, ainda que se mostre justificada a sua falta.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Insurgindo-se contra o despacho recorrido, supra transcrito, alega o recorrente:
Ao contrário dos restantes meios de prova que têm que ser deduzidos com os respectivos articulados, sendo esta a regra geral.
As declarações de parte são, portanto, uma excepção quanto ao momento para a indicação dos meios de prova.
O regime previsto para as declarações de parte, cuja prestação pode ser requerida depois de produzidos todos os meios de prova em audiência de julgamento, demonstra que o recurso a este meio visa colmatar falhas ao nível da produção da prova.
Trata-se do último expediente de que as partes podem lançar mão para tentar criar no Juiz a convicção da realidade dos factos.
O fundamento do Despacho do Tribunal a quo prende-se essencialmente com razões de celeridade processual.
Todavia, as declarações de parte encontram justificação em interesses e valores diversos da economia e celeridade processual.
Em sentido contrário aos autores citados no douto Despacho, veja-se João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra, Almedina, 2013, p. 57-58, “o direito à prova e o interesse da descoberta da verdade material impõem que a única condição seja a formulação do requerimento antes do início das alegações orais e já não que a parte esteja em condições de depor de imediato”. [...]
A lei não é clara quanto ao momento em que devam ser produzidas as declarações de parte.
O artigo 604º, nº 3, do CPC regula os actos a praticar na audiência de Julgamento.
Todavia, o preceito legal não faz qualquer referência às declarações de parte.
Na falta de norma legal quanto à ordem de produção de prova, parece que ao Juiz competirá determinar qual o momento mais adequado, ao abrigo do dever de adequação e gestão processual.
A utilização deste meio de prova tem especial relevo nas relações em que apenas as partes conhecem, intervém e têm conhecimento direto dos factos.
É o caso dos presentes autos em que se discute uma relação laboral.
Tendo a respectiva prova produzida em Audiência de Julgamento sido constituída pelo Depoimento de Parte da R. e a inquirição de 7 testemunhas – 6 delas funcionários da Entidade Empregadora.
O nº 2 do art. 466º do CPC determina que às declarações de parte se aplica o disposto no art. 417º do CPC.
As declarações de parte estão sujeitas ao dever geral de cooperação para a descoberta da verdade.
Também o Tribunal a quo está obrigado a cooperar com as próprias partes para se obter a justa composição do litígio.
O sucesso da Reforma do Novo Código de Processo Civil, no que a este novo meio de prova diz respeito, depende da mudança de mentalidade dos operadores da justiça.
Com este novo meio de prova visou o Legislador (re)equacionar da intervenção das partes em termos probatórios.
Consideração que o Tribunal a quo não levou em conta.
O A./Apelante deu cumprimento aos pressupostos de que dependem a admissibilidade das declarações de partes: por um lado, o pressuposto temporal e, por outro lado, a indicação discriminada dos factos.
Encontrando-se a falta do A./Apelante devidamente comprovada por atestado médico nos autos e justificada pela Mma. Juiz.
Por seu lado, sustenta a recorrida que:
(...) a prova por declarações de parte trata-se de um meio de prova a apresentar pela parte (requerente), pelo que, sendo a mesma requerida em sede de audiência final, como foi, o então A., aqui Recorrente, deveria estar em condições de a produzir de imediato, o que, conforme se referiu, não aconteceu.
Com efeito, e seguindo a linha de entendimento de PAULO RAMOS FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, em anotação ao artigo 466º do Código de Processo Civil, “[a prova por declarações de parte] é um meio a apresentar pela requerente, pelo que, sendo requerido no decurso da audiência final, deve a parte estar em condições de o produzir de imediato. Não pode o mandatário requerer a prestação de declarações do seu constituinte, não presente, solicitando a suspensão dos trabalhados e a designação de nova sessão da audiência final, para assim conseguir a sua comparência”. [FARIA, Paulo Ramos de, LOUREIRO, Ana Luísa, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, Almedina, Coimbra, 2013, página 365] negrito e sublinhado nossos.
Neste mesmo sentido, entende ABÍLIO NETO que “(...) para que [o requerimento de prova por declarações de parte] possa ser feito deve a parte em apreço encontrar-se presente, quer para o mandatário se assegurar da sua anuência prévia, quer em obediência ao princípio da inadiabilidade da audiência (...)” [NETO, Abílio, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição revista e ampliada, Ediforum, Lisboa, 2014, página 535].
Por tudo o quanto foi exposto, cremos que o douto despacho recorrido não padece de quaisquer vícios ou error in iudicando, não merecendo, por esse motivo, qualquer juízo de censura, devendo concluir-se pela integral manutenção do mesmo.
No seu parecer considerou o Ilustre Magistrado do Ministério Público: “embora os argumentos sustentados pelo Mmo. Juiz “a quo” não sejam do nosso acolhimento, uma vez que têm uma sustentação meramente literal, estribados nos pareceres invocados, não tendo em conta a realidade que o “Direito” sempre terá de acolher e a que cabe enquadrar, entendemos que no caso concreto em análise, não se justifica a suspensão da audiência a fim de se tomarem declarações de parte ao autor. Por um lado, o mesmo não apresenta uma justificação convincente para a sua impossibilidade de comparecer á audiência de julgamento, cingindo se a uma simples declaração de ITA, por parte da seguradora – fls. 5, e, por outro lado sempre teria de, logo nesse requerimento, face á tramitação concreta dos autos, ter solicitado tal audição, o que não fez.”
Dispõe-se no art. 466º, nº 1, do CPC, que as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em primeira instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.
Entende o recorrente que esse requerimento pode ser formulado pelo mandatário da parte, ainda que a própria parte não esteja presente, suspendendo-se para o efeito a audiência de julgamento, sobretudo no caso de a parte justificar a sua ausência, como ocorreu no caso dos autos. Para sustentar a sua posição invoca o recorrente João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, em Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, 2013, págs. 57-58, os quais referem “o direito à prova e o interesse da descoberta da verdade material impõem que a única condição seja a formulação do requerimento antes do início das alegações orais e já não que a parte esteja em condições de depor de imediato”.
Já a recorrida, em defesa do despacho sob recurso invoca Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – os artigos da reforma, Volume I, 2013, pág. 365, em anotação ao artigo 466º do CPC, citados no despacho recorrido, e Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição revista e ampliada, 2014, página 535.
Efectivamente, refere Abílio Neto na aludida obra, nota 4 ao art. 466º: “O requerimento para declarações de parte será naturalmente formulado pelo mandatário quando, face à prova produzida, tenha fundadas dúvidas acerca da convicção do juiz, surgindo, assim, como uma última chance de inverter um resultado que prefigura desfavorável para o seu constituinte, não obstante a aleatoriedade de tal prova, uma vez que esta pode conduzir a confissão (de factos desfavoráveis). Para que esse requerimento possa ser feito deve a parte em apreço encontrar-se presente, quer para o mandatário se assegurar da sua anuência prévia, quer em obediência ao princípio da inadiabilidade da audiência, a qual sempre decorrerá se a parte contrária, no exercício do contraditório, também, ela própria, requerer declarações de parte.”
Já Paulo Pimenta, em Processo civil declarativo, 2014, pág. 358, vem defender uma terceira via consistente em admitir o adiamento da audiência nas situações que o juiz, “consciencializando-se do eventual relevo das declarações da parte não presente na audiência, deverá admitir que o requerimento seja formulado pelo mandatário e a parte ouvida, entretanto.”
Sobre o assunto refere Ruy Drummond Smith, em A prova por declarações da parte, Universidade Autónoma de Lisboa, 2017, págs. 49-50, “se as partes têm ciência do seu ônus probatório e do momento processual oportuno para a produção de tal prova, entendemos que a ausência da parte requerente na audiência final (art. 456/1 do CPC Português) importa na renúncia tácita a tal prerrogativa. Assim, advogamos que, nessa hipótese, o requerimento deverá ser indeferido (…)”. Acrescentando, porém, que “Tal não deverá ocorrer, todavia, se a ausência for devidamente justificada (art. 140º do CPC Português).”
Afigura-se correcta a posição perfilhada na decisão recorrida.
Conforme refere Mariana Fidalgo, em A Instrução no novo Código de Processo Civil – A Prova por Declarações de Parte, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2015, pág. 84, “Não se alvitre, porém, que o requerimento poderá ser temporaneamente feito pelo mandatário presente em sua representação, pois que é nosso entendimento que o limite temporal estabelecido tem por fito a prestação dessas declarações nesse mesmo ato processual em que são requeridas; e não o seu requerimento formal para, contudo, só poderem ser prestadas obrigatoriamente mediante a marcação de nova data.”
No mesmo sentido se pronuncia Carolina Braga da Costa Henriques Martins, em Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 37, referindo: “A parte requerente deve estar presente, não só para manifestar a sua concordância para que o mandatário proceda ao pedido, como para atender ao princípio da inadiabilidade da audiência prestando as suas declarações assim que deferido o requerimento.” Parece igualmente ser este o entendimento de Catarina Gomes Pedra, em A prova por declarações das partes no Novo Código de Processo Civil – Em busca da verdade material no Processo, Universidade do Minho, 2014, pág. 140.
As declarações de parte têm o mesmo regime, quanto a este aspecto, que a produção de prova por testemunhas a apresentar pela parte, ou seja, ainda que a falta seja devidamente justificada, a sua ausência não determina por si a suspensão da audiência para sua posterior inquirição.
Conforme a doutrina maioritária referida, este é o entendimento que melhor se coaduna com o regime deste novo meio de prova."
*3. [Comentário] Ainda que se adira à tese defendida no acórdão, parece demasiado pesado entender que, havendo justificação para a ausência da parte, a parte fique impossibilitada de prestar declarações. Salvo o devido respeito, a orientação defendida pela RP acaba por ignorar o regime do justo impedimento (art. 140.º CPC), tanto mais que, in casu, a ausência da parte estava comprovada por atestado médico nos autos e justificada pelo tribunal de 1.ª instância.
MTS