Deliberações sociais;
suspensão; periculum in mora
I. O sumário de RC 2/4/2019 (58/19.9T8FVN.C1) é o seguinte:
1.- Na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais efectuam-se dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.
2.- A providência de suspensão só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação, pois mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.
3.- É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.
4.- Ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.
5.- O “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Uma providência cautelar é por definição uma decisão provisória destinada a antecipar, em atenção ao periculum in mora, o efeito jurídico da decisão definitiva, ou seja, destinada a evitar o dano jurídico que pode vir a ocorrer no lapso de tempo que sempre leva a tomada duma decisão definitiva.
Daí que repetidamente se refira que na providência cautelar se efectuam dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.
É o caso da presente providência cautelar de suspensão de deliberação social, em que o direito invocado é a pretensa invalidade da deliberação em causa, traduzindo-se o requisito do “periculum in mora” na demonstração de que, se tal deliberação for executada, daí resultará dano apreciável (cfr. art. 380.º/1/in fine do CPC).
Temos pois que uma providência de suspensão, como é o caso, só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação; uma vez que, mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.
É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.
“Periculum in mora” que, na presente providência, corresponde à verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência dum “dano apreciável”.
Efectivamente, ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.
Expressão esta que “integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade” – cf. Abrantes Geraldes, in Temas Da Reforma Do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, a pág. 88.
Acrescentando-se ainda, no art. 381.º/2 do CPC, que o tribunal pode deixar de suspender a deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato se entender que o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que poderá derivar da execução [...].
De referir, ainda, no que concerne à natureza dos danos a ter em linha de conta que como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 74, se visa o impedimento “de danos futuros, que podem resultar de comportamentos activos ou omissivos de outrem, através da conservação da situação existente. Também à suspensão de deliberações sociais não escapa a consideração de que, mais do que restaurar provisoriamente acções pregressas, interessa prevenir danos futuros”.
Acrescentando a pág. 75 que:
“a suspensão de deliberações sociais não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se à paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação seja susceptível de produzir”, reiterando a possibilidade de suspensão de deliberação social “enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, directos, laterais, secundários ou reflexos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável” – pág.s 75/6, entre as quais se integra a deliberação que deu causa a eleição de membros dos órgão sociais e/ou proclamação de uma lista vencedora em eleições para os órgãos sociais, mesmo que empossados – cf. nota 99 de pág. 76.
Por outro lado, da simples demora da sentença a proferir na acção definitiva, resulta um dano atendível.
Como refere Vasco da Gama Lobo Xavier, in O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, ano XXII, pág. 215:
“não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”.
Idêntica opinião propugna Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Almedina, pág.467, que ali escreve:
“O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação”.
Analisada a questão sob o prisma legal e doutrinário, por cotejo com a factualidade alegada, vejamos, se a mesma, a esta luz, será suficiente, a demonstrar-se, para que se possa ter por verificado o requisito do dano apreciável.
Inquestionavelmente, o “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.
Mais, tal concreta prova não tem única e necessariamente que ser extraível de factos e comportamentos (da requerida) praticados em data posterior à deliberação sob escrutínio.
Se assim fosse, fácil seria obstar ao sucesso da generalidade dos procedimentos de suspensão de deliberação: bastaria para tal que, no curto prazo (10 dias) de proposição da providência, nenhuma execução ou efeito fossem extraídos da deliberação em causa.
São pois, como acima já referido, as próprias consequências e efeitos práticos de tal entendimento – segundo o qual teriam que estar alegados/provados factos e comportamentos ocorridos em data posterior à deliberação sob escrutínio – que o desautorizam [...].
Como antes já se referiu, o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro e que não raras vezes as deliberações produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.
É, sem sombra de dúvidas, o caso da deliberação de eleição dos órgãos sociais de uma associação; já que tal deliberação tem como consequência passarem a ser os órgãos, alegadamente, ilegalmente, eleitos, que passam a gerir os destinos da pessoa colectiva em causa, com todas as consequências daí resultantes.
O que, só por si, mantendo-se tal situação durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.
A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente se visa tutelar – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém, alegadamente ilegalmente eleito, passar a gerir os destinos da requerida, em detrimento de outros que poderão vir a ser considerados como legalmente capacitados a fazê-lo.
O “dano apreciável”, repete-se, é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões (quanto mais ter certezas), porém, a provar-se o alegado pela requerente, é indubitável que a requerida será gerida por órgãos que não deveriam considerar-se como regularmente eleitos, em detrimento de outros, pelo que pode/deve extrair-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos daí decorrentes, dado a direcção, assim eleita, poder deliberar, da forma como bem entender, sobre o destino e gestão da associação/requerida. [...]"
[MTS]
Daí que repetidamente se refira que na providência cautelar se efectuam dois tipos de juízos: um juízo de simples/mera probabilidade quanto à verificação do direito invocado pelo requerente; e um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito séria quanto ao “periculum in mora”.
É o caso da presente providência cautelar de suspensão de deliberação social, em que o direito invocado é a pretensa invalidade da deliberação em causa, traduzindo-se o requisito do “periculum in mora” na demonstração de que, se tal deliberação for executada, daí resultará dano apreciável (cfr. art. 380.º/1/in fine do CPC).
Temos pois que uma providência de suspensão, como é o caso, só faz sentido com a alegação/prova dos prejuízos que possam decorrer da execução da deliberação; uma vez que, mais do que restaurar provisoriamente a legalidade, interessa prevenir danos futuros.
É justamente também por isto que só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.
“Periculum in mora” que, na presente providência, corresponde à verificação, em termos de probabilidade, do perigo de ocorrência dum “dano apreciável”.
Efectivamente, ao contrário do que ocorre com o procedimento cautelar comum – em cujo art. 362.º/1 do CPC se fala “em lesão grave e dificilmente reparável” – considera-se desnecessário que se evidenciem danos irreparáveis ou de difícil reparação, “apenas” se impondo ao requerente o ónus de demonstrar que a suspensão da deliberação é essencial para impedir a verificação de um “dano apreciável”.
Expressão esta que “integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos dos quais possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa colectiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade” – cf. Abrantes Geraldes, in Temas Da Reforma Do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2001, a pág. 88.
Acrescentando-se ainda, no art. 381.º/2 do CPC, que o tribunal pode deixar de suspender a deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato se entender que o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que poderá derivar da execução [...].
De referir, ainda, no que concerne à natureza dos danos a ter em linha de conta que como refere Abrantes Geraldes, ob. cit., a pág. 74, se visa o impedimento “de danos futuros, que podem resultar de comportamentos activos ou omissivos de outrem, através da conservação da situação existente. Também à suspensão de deliberações sociais não escapa a consideração de que, mais do que restaurar provisoriamente acções pregressas, interessa prevenir danos futuros”.
Acrescentando a pág. 75 que:
“a suspensão de deliberações sociais não deve entender-se no seu sentido mais restrito, como simples impedimento da actividade dos órgãos sociais destinada a executá-la, antes deve estender-se à paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação seja susceptível de produzir”, reiterando a possibilidade de suspensão de deliberação social “enquanto se protraírem no tempo os respectivos efeitos, directos, laterais, secundários ou reflexos, suficientemente graves para serem causadores de dano apreciável” – pág.s 75/6, entre as quais se integra a deliberação que deu causa a eleição de membros dos órgão sociais e/ou proclamação de uma lista vencedora em eleições para os órgãos sociais, mesmo que empossados – cf. nota 99 de pág. 76.
Por outro lado, da simples demora da sentença a proferir na acção definitiva, resulta um dano atendível.
Como refere Vasco da Gama Lobo Xavier, in O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais, RDES, ano XXII, pág. 215:
“não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmas comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela acção proferida”.
Idêntica opinião propugna Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, Almedina, pág.467, que ali escreve:
“O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o periculum in mora na obtenção de uma decisão através da acção judicial de oposição a uma determinada deliberação”.
Analisada a questão sob o prisma legal e doutrinário, por cotejo com a factualidade alegada, vejamos, se a mesma, a esta luz, será suficiente, a demonstrar-se, para que se possa ter por verificado o requisito do dano apreciável.
Inquestionavelmente, o “dano apreciável” – o requisito do “periculum in mora” – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova – tal questão de facto – pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados.
Mais, tal concreta prova não tem única e necessariamente que ser extraível de factos e comportamentos (da requerida) praticados em data posterior à deliberação sob escrutínio.
Se assim fosse, fácil seria obstar ao sucesso da generalidade dos procedimentos de suspensão de deliberação: bastaria para tal que, no curto prazo (10 dias) de proposição da providência, nenhuma execução ou efeito fossem extraídos da deliberação em causa.
São pois, como acima já referido, as próprias consequências e efeitos práticos de tal entendimento – segundo o qual teriam que estar alegados/provados factos e comportamentos ocorridos em data posterior à deliberação sob escrutínio – que o desautorizam [...].
Como antes já se referiu, o “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro e que não raras vezes as deliberações produzem efeitos duradouros, persistentes e prolongados.
É, sem sombra de dúvidas, o caso da deliberação de eleição dos órgãos sociais de uma associação; já que tal deliberação tem como consequência passarem a ser os órgãos, alegadamente, ilegalmente, eleitos, que passam a gerir os destinos da pessoa colectiva em causa, com todas as consequências daí resultantes.
O que, só por si, mantendo-se tal situação durante o lapso de tempo que leva a ser tomada uma decisão definitiva, evidencia um prejuízo significativo, de importância relevante, longe dos danos irrisórios ou insignificantes.
A questão – o “dano apreciável” que cautelarmente se visa tutelar – está no que significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, o simples facto de alguém, alegadamente ilegalmente eleito, passar a gerir os destinos da requerida, em detrimento de outros que poderão vir a ser considerados como legalmente capacitados a fazê-lo.
O “dano apreciável”, repete-se, é um dano futuro e sobre o futuro é sempre difícil fazer previsões (quanto mais ter certezas), porém, a provar-se o alegado pela requerente, é indubitável que a requerida será gerida por órgãos que não deveriam considerar-se como regularmente eleitos, em detrimento de outros, pelo que pode/deve extrair-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos daí decorrentes, dado a direcção, assim eleita, poder deliberar, da forma como bem entender, sobre o destino e gestão da associação/requerida. [...]"
[MTS]