"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/09/2019

Suspensão da instância executiva; oposição de credor reclamante

 
1. De acordo com o direito positivo, a posição processual na execução do credor reclamante, depois de verificado o seu crédito, não é absolutamente equiparada à do credor exequente. Isso é sobremaneira visível nos poderes processuais de promoção da execução. Quer dizer: não vigora no sistema processual civil português a execução sub-rogatória do credor reclamante, que o habilitaria a substituir-se ao exequente sempre que discordasse da iniciativa processual por este empreendida no processo.

O que se verifica é que só no caso de inércia processual do credor exequente é que o credor reclamante se lhe pode substituir na prática do ato que aquele tenha omitido, nos termos (limitados) previstos no n.º 4 do artigo 763.º do Código de Processo Civil.

Tendo em conta esta opção normativa, não é viável a aplicação, por analogia, dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 850.º do mesmo Código, dado que não existe lacuna ou caso omisso; é, como se disse, uma opção do legislador não permitir em termos amplos a ação sub-rogatória do credor reclamante, mas apenas nos estritos limites do n.º 4 do artigo 763 do Código de Processo Civil, que, no caso de se verificarem, permitem que aquele credor assuma a posição de exequente (cf. o n.º 5 do artigo 763.º do nCPC).

2. No Código revogado, o credor reclamante podia opor-se à suspensão da instância executiva por acordo entre exequente e executado, nos termos do n.º 4 do artigo 279.º do CPC/61 (cf. art. 885.º, n.º 5 do CPC/61). Este último preceito mandava aplicar o regime de tutela dos direitos dos credores reclamantes ao acordo de suspensão da instância executiva por iniciativa das partes na execução. Só que a razão para se ter eliminado o n.º 5 do artigo 885.º do Código revogado relaciona-se com a circunstância de a junção à execução de um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda determinar, agora, a extinção da execução, e não a suspensão da execução, como sucedia no regime pretérito.

Nada impedia, no entanto, que o credor reclamante continuasse a poder opor-se à suspensão da instância executiva por acordo entre exequente e executado. Mas, como se disse, não foi essa a opção do legislador, e o argumento decisivo será o de que essa suspensão não atinge a garantia real de que goza o credor reclamante sobre os bens penhorados. Tenha-se também em conta que o prazo de suspensão da instância por iniciativa das partes é hoje relativamente curto (3 meses) (cf. art. 272.º, n.º 4, nCPC), pelo que este prazo em nada prejudica o pagamento efetivo do seu crédito.

Com base naquela premissa (saber se a vicissitude processual afeta ou não a garantia real do credor reclamante, dificultando ou mesmo inutilizando o pagamento efetivo do seu crédito), é possível construir uma outra hipótese em que o credor reclamante tem igualmente de ser ouvido, para além dos casos gerais em que lhe assiste o direito ao contraditório e dos casos especialmente previstos na lei (como é a situação regulada no n.º 4 do artigo 809.º do nCPC): é a hipótese em que o credor exequente desiste da penhora fora do contexto previsto no n.º 2 do artigo 809.º do Código de Processo Civil.

Assim sendo, no caso de desistência da penhora pelo exequente, o credor que se tenha apresentado a reclamar créditos tem de ser ouvido antes do cancelamento da penhora, dado que se aplica, por analogia, o disposto no n.º 4 do artigo 809.º do Código de Processo Civil, desde que os créditos reclamados estejam vencidos (neste sentido, V. o nosso Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, Lisboa, 2017, p. 35 (12); e ainda, o acórdão da Relação do Porto de 11/07/2018, apelação n.º 247/04.0TVPRT-C.P1).

3. Em suma: há que entender que não fica sem efeito a suspensão da instância executiva, nos termos do artigo 272.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, se algum credor reclamante, cujo crédito esteja vencido, se opuser à suspensão da instância acordada entre exequente e executado e requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito. 

J. H. Delgado de Carvalho