"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



19/09/2019

Jurisprudência 2019 (79)


Título executivo; prova documental;
custas de parte


1. O sumário de RE 28/3/2019 (4918/16.0T8STB-B.E1) é seguinte:

I - O título formado por contratos de mútuo com hipoteca e seus documentos complementares, em que a obrigação assumida pelos mutuários quanto às despesas garantidas se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a conta ou comprovativo da sua realização - carece de uma actividade de prova complementar liminar, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, já que os indicados números têm alcance geral, aplicando-se designadamente a todos aqueles casos em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo.

II - Na espécie, o exequente não apresentou tal prova complementar e a execução prosseguiu, tendo no momento próprio a executada arguido em sede de embargos a duplicação das despesas e impugnado que as contratuais fossem devidas, alegação que permite o conhecimento da exigibilidade da obrigação nesta parte, por não ter sido sanada a sua falta, na contestação apresentada pela exequente.

III - Assim, i) se os valores estimados nos contratos incluem ambos os tipos de despesa e o exequente não indicou nem comprovou qualquer despesa extrajudicial em que tenha incorrido para o cumprimento do contrato; ii) se as despesas prováveis com a execução estão incluídas no cálculo efectuado pela Senhora Agente de execução no auto de penhora; iii) e se as despesas feitas com o processo executivo, incluindo a correspondente a honorários pagos ao mandatário, conforme o Supremo Tribunal de Justiça recentemente decidiu em revista excepcional, «apenas são passíveis de ser compensadas, a título de custas de parte, conforme previsto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais», importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado na sentença recorrida, os contratos de mútuo dados à presente execução pelo Banco exequente, não preenchem, por si só, sem necessidade de outras provas complementares, os requisitos de exequibilidade quanto às despesas peticionadas no requerimento executivo. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"[...] toda a execução tem por base um título executivo, o qual determina a forma de processo, o fim da execução e estabelece os seus limites objectivos e subjectivos, de harmonia com o actualmente disposto no n.º 5 do artigo 10.º do CPC. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva [...].

Ora, o que resulta da análise e interpretação dos contratos de mútuo e documentos complementares que titulam a assumpção por parte dos mutuários da obrigação de pagarem as despesas judiciais e extrajudicias havidas pela mutuante em caso de incumprimento?

Que os mesmos se obrigaram e garantiram por via da hipoteca constituída, o pagamento de despesas devidas em cada um dos contratos até ao montante constante dos empréstimos acordados com garantia de hipoteca levada ao registo predial. Mas tal obrigação assumida pelos mutuários no caso em apreço independe da prova da realização das despesas pelo mutuante?

Afigura-se-nos que não.

Em primeiro lugar, por não estarmos perante obrigação líquida, conforme o próprio Banco Exequente assume no próprio requerimento executivo, indicando estas quantias como NÃO estando dependentes de simples cálculo aritmético. [...]

Poderia objectar-se que aquela afirmação da exequente foi efectuada porque aquele valor das decorre dos contratos naqueles precisos montantes e, nessa perspectiva, não estão dependentes de cálculo e são líquidas.

Mas basta atentarmos no teor das cláusulas contratuais, mormente as referidas nos pontos 9. e 10. da matéria de facto, para concluirmos que não é assim, como as mesmas evidenciam, ao referir-se às despesas judiciais e extrajudiciais a realizar caso o Banco tenha que recorrer a juízo para a cobrança, as quais correrão por conta do(s) mutuário(s) e serão por ele(s) pagas, em conformidade com a conta apresentada pelo Banco mutuante, ou noutra formulação, como a ainda mais clara, decorrente da cláusula 8.ª, do último contrato de mútuo, da qual expressamente resulta que «os comprovativos do pagamento de despesas, são para todos os efeitos e designadamente para os efeitos do disposto no artigo 50.º do Código de Processo Civil, considerados partes integrantes do presente contrato».

Ou seja, apesar de haver um montante de despesas fixado pelas partes em caso de incumprimento dos contratos de mútuo decorre do teor destes que se trata de despesas prováveis a realizar em caso de necessidade de recurso a juízo, e que o mutuante quis que tal valor provável fosse garantido por hipoteca, assim fazendo constar no registo predial que se encontram garantidas as despesas no valor indicado. Mas no caso em apreço o valor fixado para efeitos da garantia hipotecária das despesas realizadas até aos montantes registados, não se confunde com a liquidez para efeitos da acção executiva dessa obrigação garantida. Não obstante, o Exequente limitou-se no requerimento executivo a pedir o montante que havia estimado aquando da celebração de cada um dos contratos e de harmonia com o seu valor.

Ora, por não estarmos perante despesas líquidas, para efeitos de execução, em face da interpretação das cláusulas de cada um dos contratos, o Banco Exequente sempre teria que especificar no requerimento inicial os valores que considerava compreendidos na prestação devida a título de despesas e concluir por um pedido líquido (artigo 716.º, n.º 1, do CPC). É certo que o pedido formulado corresponde ao valor contratual garantido a título de despesas. Porém, não decorre da interpretação dos contratos que tal valor seja o devido se não houver comprovativo da sua realização pelo exequente. Assim, a especificação no requerimento inicial, em face da obrigação contratual assumida, devia espelhar a conta de despesas apresentada aos executados ou os comprovativos da sua realização, v.g. os extractos de conta que o evidenciassem ou mesmo da carta de interpelação extrajudicial para pagamento, com as quantias discriminadas.

Na realidade, trata-se da necessidade de prova complementar do título, porquanto, conforme ensina LEBRE DE FREITAS [In A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, 7.ª edição, Coimbra, 2017, págs. 112 e 113] «a certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda têm de se verificar antes de serem ordenadas as providências executivas», pelo que, «quando a certeza e a exigibilidade, não resultando do título, tiverem resultado de diligências anteriores à propositura da ação executiva, há que provar no processo executivo que tal aconteceu».

Em casos como o presente, em que a obrigação assumida pelos mutuários se encontra dependente de uma prestação por parte do credor mutuante - a comprovada realização de despesas - é necessária uma actividade de prova complementar liminar do título, à qual se refere o artigo 715.º, n.ºs 1 a 4, a ter lugar no início do processo, já que - como aduz o citado autor -, os indicados números têm alcance geral, aplicando-se designadamente a todos aqueles casos em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo.
Na espécie, o exequente não apresentou tal prova complementar e a execução prosseguiu, tendo no momento próprio a executada arguido em sede de embargos a duplicação das despesas e impugnado que as contratuais fossem devidas, alegação que permite o conhecimento da exigibilidade da obrigação nesta parte, por não ter sido sanada a sua falta, na contestação apresentada pela exequente.

Ora, nas cartas de interpelação remetidas aos executados o Banco exequente refere-se apenas às despesas extrajudiciais, mas não as quantifica. Já na própria contestação indica que naquele valor estariam, por exemplo, incluídas as despesas decorrentes do incidente de habilitação. Relembramos que no contrato estavam garantidas comprovadas despesas judiciais e extrajudicias.

Assim, i) se os valores estimados nos contratos incluem ambos os tipos de despesa e o exequente não indicou nem comprovou qualquer despesa extrajudicial em que tenha incorrido para o cumprimento do contrato; ii) se as despesas prováveis com a execução estão incluídas no cálculo efectuado pela Senhora Agente de execução no auto de penhora; iii) e se as despesas feitas com o processo executivo, incluindo a correspondente a honorários pagos ao mandatário, conforme o Supremo Tribunal de Justiça recentemente decidiu em revista excepcional, «apenas são passíveis de ser compensadas, a título de custas de parte, conforme previsto no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais» [Cfr. o Acórdão do STJ de 15-01-2019, tirado em revista excepcional no processo n.º 5792/15.0TBALM.L1.S2, onde a questão é aprofundadamente tratada.], importa concluir que, ao contrário do entendimento preconizado na sentença recorrida, os contratos de mútuo dados à presente execução pelo Banco exequente, não preenchem, por si só, sem necessidade de outras provas complementares, os requisitos de exequibilidade quanto às despesas peticionadas no requerimento executivo.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, a apelação procede.

Vencido, o Recorrido, suportará as custas devidas em ambas as instâncias, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, sendo na apelação na exclusiva vertente das custas de parte, a saber: reembolso de taxa de justiça e compensação por gasto com honorários de mandatário [Cfr. SALVADOR DA COSTA, no recente comentário ao Acórdão deste Tribunal da Relação de 02.10.2018, publicado no Blog do IPPC no dia 25.01.2019, com o título: “Condenação no pagamento de custas da parte vencida a final].

[MTS]