PER; sentença homologatória;
título executivo
1. O sumário de STJ 9/4/2019 (154/17.7T8ALD.C1.S2) é o seguinte:
[...] A sentença homologatória do plano especial de revitalização (PER) não constitui título executivo, não existindo fundamento para a aplicação analógica da norma do art. 233.º, n.º 1, al. c), do CIRE, porquanto as diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER são flagrantes.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A fundamentação do acórdão recorrido é, em parte, a seguinte: "(…)
A recorrente assenta o seu inconformismo em dois argumentos nucleares, a saber:
A aplicação analógica ao PER do artº 233º nº 1 al. c) do CIRE que tem como título executivo as sentenças homologatórias do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos em insolvência.
O entendimento de que para que uma sentença possa servir de base à acção executiva basta que ateste a existência de uma obrigação.
Quanto a este argumento já se viu, maxime em função da nova redacção do anterior artº 4º nº3 do CPC ora constante no artº 10º nº4 do NCPC, que o título não tem apenas de certificar a existência da obrigação, mas, ademais, que esta está acertada na esfera jurídica do exequente e lhe é devida.
Quanto àquele corroboramos o entendimento vertido no Aresto citado na decisão.
Como decorre do preceituado no artº 10º nº2 do CC, a aplicação do direito por analogia apenas é permitida quando «…no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei».
Tal conditio sine qua non não se encontra aqui presente.
Certo é que aquele segmento normativo do CIRE estatui que:
«Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência»
Porém, como bem se expende em tal acórdão:
«Verifica-se…uma diferença entre o regime específico do processo especial de revitalização e o processo de insolvência que impede a aplicação analógica do art. 233.º, n.º 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à sentença homologatória do plano aprovado do processo de revitalização (no qual) falta de uma fase ou processo próprio de verificação de créditos destinados ao seu reconhecimento com caráter definitivo…
Na verdade:
«…a lista definitiva de créditos reconhecidos no âmbito do processo especial de revitalização não visa a determinação da existência e configuração do direito do credor, mas tão só legitimar a intervenção do credor no processo e permitir a formação do quorum deliberativo. Não reveste por isso a natureza e a força própria de uma sentença de verificação de créditos (pelo que) … não se pode considerar que a lista de créditos reconhecidos no processo de revitalização contenha a declaração de acertamento que, como vimos, dispensa o recurso ao processo declarativo…
Ademais:
«…o incumprimento do plano implica automaticamente a extinção dos efeitos quanto à moratória e ao perdão, tal significa a repristinação do crédito nas condições originais ou primitivas, anteriormente ao plano, afectando necessariamente a obrigação constante do acordo. E significa, por outro lado, que o acordo plasmado no plano não traduz efeito novatório.
…se a sentença homologa um acordo, cuja obrigação (modificada) cessa por força do incumprimento, já se vê que não pode servir de título executivo tendo por base um acordo extinto.
…as consequências do incumprimento do plano de recuperação judicialmente homologado não passarão, em tese, forçosamente pelo modelo tradicional da execução das decisões judiciais e menos ainda pela apreciação incidental naquele tipo de processo especial, entretanto já findo”, mas antes pela declaração de insolvência do devedor ou na exigência do pagamento do primitivo crédito que já se mostre judicialmente reconhecido.»
As citações foram longas, mas valeram a pena, pois que, em função delas, adicionais argumentos, por redundantes, se mostram desnecessários.
Não há dúvida que em sede insolvencial, certas decisões podem constituir títulos executivos – cfr, para além da prevista no segmento do artº 233º, vg., a sentença de qualificação da insolvência – cfr. Ac. da RC de 27.04.2017, p.1288/15.8T8CBR.1.C1.
Mas, como se viu, em sede de PER, tendencialmente e, no concreto caso que nos ocupa, e em função do supra citado, claramente, inexistem fundamentos que possam, à míngua de estatuição legal nesse sentido, impor, ou, sequer, permitir, a qualificação como título executivo da sentença em causa, por aplicação analógica do que o citado artº 233º permite para a sentença homologatória do plano de pagamentos ou a sentença de verificação de créditos.
Pois que naquela, versus o que se verifica nesta, os créditos são apenas admitidos para os estritos efeitos e finalidades do PER e não são formalmente reconhecidos e atribuídos ao alegado credor.
Improcede, brevitatis causa, o recurso".
Crê-se que se decidiu bem.
Não foi posto em causa nos autos que a sentença homologatória – em que o juiz se limita a verificar a validade da confissão, desistência ou transacção celebrada entre as partes – constitua uma sentença condenatória (cfr. art. 290º, nº 3, do CPC) e, como tal, possa servir de título executivo (art. 703º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal).
Ponto é que, como se exige de qualquer título executivo, contenha o acertamento do direito que se pretende executar.
No caso, discute-se se a sentença homologatória de um plano de recuperação aprovado em PER, incumprido (em relação a um dos credores), satisfaz essa exigência.
A disciplina do PER nada previa para a situação de incumprimento do plano de recuperação aí aprovado e homologado.
Tem vindo a preconizar-se, porém, como se entendeu no acórdão recorrido, que deve ser aplicado a esse incumprimento, analogicamente, o regime previsto no art. 218º, nº 1, do CIRE [Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 482 e 483; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 98; Nuno F. Lousa, O incumprimento do plano de recuperação e os direitos do credor, em I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, (coord. de Catarina Serra), 134 e segs; Acórdãos da Relação de Guimarães de 21.01.2016 (Proc. 1963/14), da Relação de Coimbra de 12.07.2017 (Proc. 3528/15) e da Relação do Porto de 19.03.2018 (Proc. 121/14), aqui invocado como acórdão fundamento, todos, como os demais adiante citados, em www.dgsi.pt].
Com efeito, é inegável que existem entre o plano de insolvência e o plano de recuperação "flagrantes afinidades", existindo uma "predisposição natural" para aplicar analogicamente a este as disposições daquele plano. Acresce que essa norma está "em plena harmonia com a natureza e fins do PER", contendo "solução adequada à realização dos interesses em presença" [Catarina Serra, Ibidem].
Foi essa, aliás, a solução que veio a ser consagrada no art. 17º-F, nº 12, do CIRE, após as alterações introduzidas pelo DL 79/2017, de 30/6.
Dispõe o art. 218º, nº 1, al. a), do CIRE que, salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
Por força desta disposição, ficam sem efeito a moratória e o perdão contemplados no plano homologado, ocorrendo uma repristinação dos créditos originais.
Mas assim, como parece evidente, por força da aplicação dessa norma ao PER, o que poderia ser executado seriam esses créditos, tal como existiam antes do plano, e não nas condições – com o perdão e moratória – estabelecidas no plano homologado que, nesse âmbito, ficou sem efeito.
Ou seja, não estaria a ser executada a sentença homologatória.
Por outro lado, no que toca a esses créditos, originais, não existe no PER decisão judicial a reconhecê-los e a certificá-los.
A este respeito, importa sublinhar que a lista de créditos tem no PER um alcance diverso do da insolvência, visando apenas "determinar quem pode participar nas negociações, as maiorias de aprovação e quem pode votar" [L. M. Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas: o Processo Especial de Revitalização, 56].
Como se refere no Acórdão do STJ de 01.07.2014 (Proc. 2852/13), o processo previsto no art. 17º-D do CIRE para a reclamação de créditos e organização da lista definitiva de credores, a fim de participarem nas negociações e votação do plano de recuperação, tem uma tramitação assaz simplificada, que não tem o contraditório indispensável a que o tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados (…).
Com efeito, mesmo que haja lista definitiva de créditos, não tendo o credor de crédito aí incluído de o reclamar novamente no processo de insolvência subsequente (cfr. art. 17º-G, nº 7, do CIRE), "tal não significa, por um lado, que um credor que tenha reclamado o seu crédito, sem que ele tenha sido reconhecido, esteja impedido de o reclamar no processo insolvencial ou, por outro lado, que aquele que já tenha o crédito reconhecido, nestes termos, no PER, esteja impedido de o fazer, ou, ainda, que esse crédito não esteja sujeito, nos termos gerais, a ser impugnado no processo insolvencial" [L. M. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 57; no mesmo sentido, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, 44 e 45].
Ou seja, como já se afirmou, "a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização"[Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2ª ed., 159]; não integra "um acto formal de reconhecimento do crédito" [Maria do Rosário Epifânio, Ob. Cit., 52].
Assim, considerando o sentido a alcance acima referidos, não tendo o PER por finalidade dirimir litígios sobre os créditos, a lista definitiva, bem como a eventual decisão sobre a reclamação de créditos não constituem caso julgado fora do PER [ Neste sentido, N. Salazar Casanova e D. Sequeira Dinis, PER-O Processo Especial de Revitalização, 79; também Fátima Reis Silva, Ob. Cit, 45].
Daí decorre, parece-nos, que não existe fundamento para a aplicação analógica da norma do art. 233º, nº 1, al. c), do CIRE ao plano de recuperação homologado em PER.
Como aí se dispõe, encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as que constem do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº 1 do artigo 242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for caso disso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
As diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER são flagrantes, desde logo quer em termos de "reconhecimento" de créditos (cfr. art. 256º do CIRE), quer de abrangência de créditos pelo plano (cfr. art. 257º, nº 3).
Não há fundamento, pois, tendo em consideração a sentença homologatória do plano de pagamentos, para a aplicação analógica da referida norma à sentença homologatória do plano de recuperação em PER (art. 10º, nº 2, do CC).
Pode dizer-se que não há, entre essas situações, semelhança que justifique ou exija a mesma estatuição [Oliveira Ascensão, O Direito, 13ª ed., 447].
Mas a idêntica conclusão se chega tendo em conta a sentença de verificação de créditos e a sentença homologatória do plano de insolvência que se admite no aludido normativo poderem constituir também título executivo.
Como é sugerido pelo teor da norma, o título executivo será, em primeira linha, constituído pela sentença de verificação de créditos; a sentença homologatória do plano de insolvência tem uma função complementar, de demonstrar e certificar as modificações introduzidas no plano aos créditos reconhecidos.
Todavia, no caso de incumprimento do plano, com os efeitos previstos no já citado art. 218º, nº 1, al. a), a sentença homologatória do plano de insolvência poderá não servir, por si, de base à execução, pelas razões acima referidas – terem ficado sem efeito as condições estabelecidas no plano.
Subsiste, porém, na insolvência, o reconhecimento dos créditos estabelecido na sentença de verificação, que constitui título executivo, o que não tem paralelo no caso do processo de revitalização, como se salientou supra, em que não há um procedimento próprio de verificação de créditos destinado ao seu reconhecimento com carácter definitivo.
Conclui-se, por isso, que a sentença homologatória do plano de recuperação aprovado em PER não constitui título executivo."
"A fundamentação do acórdão recorrido é, em parte, a seguinte: "(…)
A recorrente assenta o seu inconformismo em dois argumentos nucleares, a saber:
A aplicação analógica ao PER do artº 233º nº 1 al. c) do CIRE que tem como título executivo as sentenças homologatórias do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos em insolvência.
O entendimento de que para que uma sentença possa servir de base à acção executiva basta que ateste a existência de uma obrigação.
Quanto a este argumento já se viu, maxime em função da nova redacção do anterior artº 4º nº3 do CPC ora constante no artº 10º nº4 do NCPC, que o título não tem apenas de certificar a existência da obrigação, mas, ademais, que esta está acertada na esfera jurídica do exequente e lhe é devida.
Quanto àquele corroboramos o entendimento vertido no Aresto citado na decisão.
Como decorre do preceituado no artº 10º nº2 do CC, a aplicação do direito por analogia apenas é permitida quando «…no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei».
Tal conditio sine qua non não se encontra aqui presente.
Certo é que aquele segmento normativo do CIRE estatui que:
«Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência»
Porém, como bem se expende em tal acórdão:
«Verifica-se…uma diferença entre o regime específico do processo especial de revitalização e o processo de insolvência que impede a aplicação analógica do art. 233.º, n.º 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas à sentença homologatória do plano aprovado do processo de revitalização (no qual) falta de uma fase ou processo próprio de verificação de créditos destinados ao seu reconhecimento com caráter definitivo…
Na verdade:
«…a lista definitiva de créditos reconhecidos no âmbito do processo especial de revitalização não visa a determinação da existência e configuração do direito do credor, mas tão só legitimar a intervenção do credor no processo e permitir a formação do quorum deliberativo. Não reveste por isso a natureza e a força própria de uma sentença de verificação de créditos (pelo que) … não se pode considerar que a lista de créditos reconhecidos no processo de revitalização contenha a declaração de acertamento que, como vimos, dispensa o recurso ao processo declarativo…
Ademais:
«…o incumprimento do plano implica automaticamente a extinção dos efeitos quanto à moratória e ao perdão, tal significa a repristinação do crédito nas condições originais ou primitivas, anteriormente ao plano, afectando necessariamente a obrigação constante do acordo. E significa, por outro lado, que o acordo plasmado no plano não traduz efeito novatório.
…se a sentença homologa um acordo, cuja obrigação (modificada) cessa por força do incumprimento, já se vê que não pode servir de título executivo tendo por base um acordo extinto.
…as consequências do incumprimento do plano de recuperação judicialmente homologado não passarão, em tese, forçosamente pelo modelo tradicional da execução das decisões judiciais e menos ainda pela apreciação incidental naquele tipo de processo especial, entretanto já findo”, mas antes pela declaração de insolvência do devedor ou na exigência do pagamento do primitivo crédito que já se mostre judicialmente reconhecido.»
As citações foram longas, mas valeram a pena, pois que, em função delas, adicionais argumentos, por redundantes, se mostram desnecessários.
Não há dúvida que em sede insolvencial, certas decisões podem constituir títulos executivos – cfr, para além da prevista no segmento do artº 233º, vg., a sentença de qualificação da insolvência – cfr. Ac. da RC de 27.04.2017, p.1288/15.8T8CBR.1.C1.
Mas, como se viu, em sede de PER, tendencialmente e, no concreto caso que nos ocupa, e em função do supra citado, claramente, inexistem fundamentos que possam, à míngua de estatuição legal nesse sentido, impor, ou, sequer, permitir, a qualificação como título executivo da sentença em causa, por aplicação analógica do que o citado artº 233º permite para a sentença homologatória do plano de pagamentos ou a sentença de verificação de créditos.
Pois que naquela, versus o que se verifica nesta, os créditos são apenas admitidos para os estritos efeitos e finalidades do PER e não são formalmente reconhecidos e atribuídos ao alegado credor.
Improcede, brevitatis causa, o recurso".
Crê-se que se decidiu bem.
Não foi posto em causa nos autos que a sentença homologatória – em que o juiz se limita a verificar a validade da confissão, desistência ou transacção celebrada entre as partes – constitua uma sentença condenatória (cfr. art. 290º, nº 3, do CPC) e, como tal, possa servir de título executivo (art. 703º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal).
Ponto é que, como se exige de qualquer título executivo, contenha o acertamento do direito que se pretende executar.
No caso, discute-se se a sentença homologatória de um plano de recuperação aprovado em PER, incumprido (em relação a um dos credores), satisfaz essa exigência.
A disciplina do PER nada previa para a situação de incumprimento do plano de recuperação aí aprovado e homologado.
Tem vindo a preconizar-se, porém, como se entendeu no acórdão recorrido, que deve ser aplicado a esse incumprimento, analogicamente, o regime previsto no art. 218º, nº 1, do CIRE [Neste sentido, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 482 e 483; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, 98; Nuno F. Lousa, O incumprimento do plano de recuperação e os direitos do credor, em I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, (coord. de Catarina Serra), 134 e segs; Acórdãos da Relação de Guimarães de 21.01.2016 (Proc. 1963/14), da Relação de Coimbra de 12.07.2017 (Proc. 3528/15) e da Relação do Porto de 19.03.2018 (Proc. 121/14), aqui invocado como acórdão fundamento, todos, como os demais adiante citados, em www.dgsi.pt].
Com efeito, é inegável que existem entre o plano de insolvência e o plano de recuperação "flagrantes afinidades", existindo uma "predisposição natural" para aplicar analogicamente a este as disposições daquele plano. Acresce que essa norma está "em plena harmonia com a natureza e fins do PER", contendo "solução adequada à realização dos interesses em presença" [Catarina Serra, Ibidem].
Foi essa, aliás, a solução que veio a ser consagrada no art. 17º-F, nº 12, do CIRE, após as alterações introduzidas pelo DL 79/2017, de 30/6.
Dispõe o art. 218º, nº 1, al. a), do CIRE que, salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou o perdão previstos no plano ficam sem efeito quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
Por força desta disposição, ficam sem efeito a moratória e o perdão contemplados no plano homologado, ocorrendo uma repristinação dos créditos originais.
Mas assim, como parece evidente, por força da aplicação dessa norma ao PER, o que poderia ser executado seriam esses créditos, tal como existiam antes do plano, e não nas condições – com o perdão e moratória – estabelecidas no plano homologado que, nesse âmbito, ficou sem efeito.
Ou seja, não estaria a ser executada a sentença homologatória.
Por outro lado, no que toca a esses créditos, originais, não existe no PER decisão judicial a reconhecê-los e a certificá-los.
A este respeito, importa sublinhar que a lista de créditos tem no PER um alcance diverso do da insolvência, visando apenas "determinar quem pode participar nas negociações, as maiorias de aprovação e quem pode votar" [L. M. Pestana de Vasconcelos, Recuperação de Empresas: o Processo Especial de Revitalização, 56].
Como se refere no Acórdão do STJ de 01.07.2014 (Proc. 2852/13), o processo previsto no art. 17º-D do CIRE para a reclamação de créditos e organização da lista definitiva de credores, a fim de participarem nas negociações e votação do plano de recuperação, tem uma tramitação assaz simplificada, que não tem o contraditório indispensável a que o tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados (…).
Com efeito, mesmo que haja lista definitiva de créditos, não tendo o credor de crédito aí incluído de o reclamar novamente no processo de insolvência subsequente (cfr. art. 17º-G, nº 7, do CIRE), "tal não significa, por um lado, que um credor que tenha reclamado o seu crédito, sem que ele tenha sido reconhecido, esteja impedido de o reclamar no processo insolvencial ou, por outro lado, que aquele que já tenha o crédito reconhecido, nestes termos, no PER, esteja impedido de o fazer, ou, ainda, que esse crédito não esteja sujeito, nos termos gerais, a ser impugnado no processo insolvencial" [L. M. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 57; no mesmo sentido, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, 44 e 45].
Ou seja, como já se afirmou, "a lista só é definitiva nos termos e para os efeitos do processo de revitalização"[Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 2ª ed., 159]; não integra "um acto formal de reconhecimento do crédito" [Maria do Rosário Epifânio, Ob. Cit., 52].
Assim, considerando o sentido a alcance acima referidos, não tendo o PER por finalidade dirimir litígios sobre os créditos, a lista definitiva, bem como a eventual decisão sobre a reclamação de créditos não constituem caso julgado fora do PER [ Neste sentido, N. Salazar Casanova e D. Sequeira Dinis, PER-O Processo Especial de Revitalização, 79; também Fátima Reis Silva, Ob. Cit, 45].
Daí decorre, parece-nos, que não existe fundamento para a aplicação analógica da norma do art. 233º, nº 1, al. c), do CIRE ao plano de recuperação homologado em PER.
Como aí se dispõe, encerrado o processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as que constem do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº 1 do artigo 242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for caso disso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
As diferenças entre o regime do plano de pagamentos em insolvência e o do plano de recuperação em PER são flagrantes, desde logo quer em termos de "reconhecimento" de créditos (cfr. art. 256º do CIRE), quer de abrangência de créditos pelo plano (cfr. art. 257º, nº 3).
Não há fundamento, pois, tendo em consideração a sentença homologatória do plano de pagamentos, para a aplicação analógica da referida norma à sentença homologatória do plano de recuperação em PER (art. 10º, nº 2, do CC).
Pode dizer-se que não há, entre essas situações, semelhança que justifique ou exija a mesma estatuição [Oliveira Ascensão, O Direito, 13ª ed., 447].
Mas a idêntica conclusão se chega tendo em conta a sentença de verificação de créditos e a sentença homologatória do plano de insolvência que se admite no aludido normativo poderem constituir também título executivo.
Como é sugerido pelo teor da norma, o título executivo será, em primeira linha, constituído pela sentença de verificação de créditos; a sentença homologatória do plano de insolvência tem uma função complementar, de demonstrar e certificar as modificações introduzidas no plano aos créditos reconhecidos.
Todavia, no caso de incumprimento do plano, com os efeitos previstos no já citado art. 218º, nº 1, al. a), a sentença homologatória do plano de insolvência poderá não servir, por si, de base à execução, pelas razões acima referidas – terem ficado sem efeito as condições estabelecidas no plano.
Subsiste, porém, na insolvência, o reconhecimento dos créditos estabelecido na sentença de verificação, que constitui título executivo, o que não tem paralelo no caso do processo de revitalização, como se salientou supra, em que não há um procedimento próprio de verificação de créditos destinado ao seu reconhecimento com carácter definitivo.
Conclui-se, por isso, que a sentença homologatória do plano de recuperação aprovado em PER não constitui título executivo."
[MTS]