Condomínio; impugnação de deliberação social;
legitimidade passiva*
Em ação de impugnação de deliberação de assembleia dos condóminos instaurada ao abrigo do disposto no artigo 1433º nº 1 do CC e adotando uma interpretação atualista do nº 6 deste mesmo artigo, é o condomínio representado pelo seu administrador ou pessoa que a assembleia designar quem deve ser demandado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Estando em causa a impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos, propuseram os condóminos impugnantes ação declarativa comum contra o condomínio representado pela sua administração.
Invocou o condomínio a necessidade de em ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos serem demandados os condóminos individualmente considerados que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, sob pena de ilegitimidade passiva. Ilegitimidade que assim pugnou fosse declarada, com a sua consequente absolvição da instância.
A questão suscitada pelo recorrente tem sido alvo de prolongada análise tanto na doutrina como na jurisprudência, tendo em suma sido assumidas duas posições principais que correspondem aos dois entendimentos mencionados nos autos:
-- o entendimento pugnado pelo recorrente que defende a necessidade de serem demandados individualmente os condóminos, ainda que representados judiciariamente na pessoa do administrador ou outra pessoa que para o efeito for designada, convocando para o efeito o disposto no artigo 1433º nº 6 [o nº 4 na redação anterior à alteração introduzida pelo DL 267/94] e assim o interpretando de forma literal, conjugado com o disposto nos artigos 12º al. e) do CPC [anteriormente artigo 6º al. e)] e artigos 1436º e 1437º.
Para tanto se afirmando ainda que o referido 12º al. e) [anterior artigo 6º al. e)] do CPC não visou abranger a situação de representação prevista no nº 6 do artigo 1433º e assim não goza o condomínio de personalidade judiciária para as ações de impugnação de deliberação. Até porque em matéria de deliberação da assembleia de condóminos não está conferido ao administrador qualquer poder ou função, como decorre da análise do artigo 1436º [...].
Pelo que devem ser os próprios condóminos a ser demandados;
-- o entendimento pugnado pelos recorridos nas suas contra-alegações e seguido pelo tribunal a quo, o qual defende a legitimidade passiva do condomínio representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar, na medida em que a deliberação questionada corresponde à expressão da vontade de um órgão deliberativo – a assembleia de condóminos a quem compete a administração das partes comuns – sendo este e não os condóminos considerados individualmente quem fica vinculado por tal deliberação.
De tal assembleia de condóminos, sendo o administrador o órgão executivo a quem incumbe entre o mais a execução das deliberações daquela [(1436º al. h)] e como tal também, em sua representação, sustentar a respetiva validade e eficácia[...].
Motivo por que, quer se entenda que o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão[...]; quer se entenda ser de defender uma interpretação atualista do artigo 1433º nº 6, argumenta esta corrente que a expressão “condóminos” do nº 6 deste artigo 1433º deve ser considerada/interpretada com o significado de “condomínio” na medida em que este corresponde ao conjunto dos condóminos.
Interpretação atualista justificada pela circunstância de a redação do artigo 1433º nº 6 (nº 4 na redação anterior à alteração do DL 267/94) corresponder no seu texto à redação inicial de 1966, quando apenas com a reforma de 95 do CPC foi acrescentado ao elenco das entidades destituídas de personalidade judiciária a quem foi estendida a personalidade judiciária o “condomínio resultante da propriedade horizontal” [al. e) do então artigo 6º do CPC, hoje artigo 12º][...].
Assim expostos os argumentos de uma e outra tese, é nosso entendimento que o caminho seguido pela decisão recorrida, acolhendo a segunda corrente, não merece censura.
Entendemos como decisivo o argumento de que a deliberação impugnada corresponde à expressão da vontade de um órgão deliberativo do condomínio - a assembleia de condóminos e enquanto tal exprime a vontade de um todo e não de cada um dos condóminos votantes. Pelo que é ao condomínio que deve ser dirigida a respetiva impugnação e é este quem tem interesse em contradizer na demanda.
Acresce que ao administrador incumbe executar as deliberações da assembleia [artigo 1436º al. h)] no âmbito de tal execução estando pois contidos os poderes para defender a respetiva validade e eficácia. Por esta via se devendo entender abrangidas as ações de impugnação de deliberação no âmbito das ações que se inserem nos poderes do administrador para os fins do artigo 12º al. e) do CPC, o qual confere ao condomínio personalidade judiciária.
Aceites estes argumentos como válidos e determinantes, impõe-se, à semelhança do caminho seguido pelas decisões jurisprudenciais antes citadas e que seguem esta mesma corrente trilhar uma interpretação atualizada do artigo 1433º nº 6, por forma a considerar que a representação judiciária no mesmo atribuída ao administrador para as ações que visam a impugnação das deliberações da assembleia de condóminos anuláveis respeita à representação do “condomínio” a quem para o efeito foi estendida a personalidade judiciária, pois é deste o ato impugnado.
Consequentemente, conclui-se que em ação de impugnação de deliberação de assembleia dos condóminos instaurada ao abrigo do disposto no artigo 1433º nº 1 e adotando uma interpretação atualista do nº 6 deste mesmo artigo, é o condomínio representado pelo seu administrador ou pessoa que a assembleia designar quem deve ser demandado."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, o acórdão -- e a orientação que a ele está subjacente -- padece de um equívoco.
Para se justificar uma "interpretação actualista" do art. 1433.º, n.º 6, CC é necessário que tenha havido alguma mudança legislativa que imponha que, onde nesse preceito se lê "condóminos", se deva ler "condomínio".
Ora, a única alteração legislativa que se verificou foi a atribuição de personalidade judiciária ao condomínio através do disposto no art. 12.º, al. e), CPC. Isso sucedeu, no entanto, não de forma irrestrita, mas apenas "relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador". Qualquer que seja o sentido que se atribua a esta expressão, é claro que:
-- A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante aos poderes do administrador, dado que o art. 1436.º CC não atribui ao administrador nenhuns poderes para a impugnação de deliberações sociais, nem, muito menos, para ser demandado na acção de impugnação de uma deliberação social;
-- A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante às relações entre o condomínio e o administrador, pelo que, nesta base, também não pode ser reconhecida personalidade judiciária (nem legitimidade processual) ao condomínio.
-- A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante aos poderes do administrador, dado que o art. 1436.º CC não atribui ao administrador nenhuns poderes para a impugnação de deliberações sociais, nem, muito menos, para ser demandado na acção de impugnação de uma deliberação social;
-- A acção de impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos não é uma acção respeitante às relações entre o condomínio e o administrador, pelo que, nesta base, também não pode ser reconhecida personalidade judiciária (nem legitimidade processual) ao condomínio.
Em suma: qualquer que seja a interpretação que se faça do disposto no art. 12.º, al. e), CPC (sendo certo que a interpretação aceitável é a segunda), nenhuma delas permite atribuir personalidade judiciária ao condomínio numa acção de impugnação de uma deliberação social.
MTS