Casamento; compropriedade;
acção de divisão de coisa comum
1. O sumário de RE 19/11/2020 (2899/18.5T8PTM.E1) é o seguinte:
Estando em causa bem imóvel adquirido por autor e ré, em compropriedade, antes do respetivo casamento, entretanto dissolvido por divórcio, não se tratando de bem comum do casal, a cessação da compropriedade opera através de ação de divisão de coisa comum e não por via de inventário para partilha dos bens comuns. (sumário do relator)
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Pretende o autor, com a presente ação, pôr termo à indivisão da fração autónoma a que alude a alínea a) de 2.1. – fração autónoma designada pela letra …, correspondente ao oitavo andar, apartamento n.º …, do prédio urbano sito no Alto do Pacheco, …, freguesia de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …, bem imóvel que considera indivisível, requerendo se proceda à respetiva venda.
A decisão recorrida considerou verificada a existência de erro na forma do processo, por se ter entendido que o bem em causa deve ser partilhado em sede de inventário para partilha dos bens comuns do casal e não por via da ação de divisão de coisa comum, dado terem autor e 1.ª ré acordado, no âmbito do respetivo processo de divórcio, que o imóvel seria utilizado pelo cônjuge mulher.
Discordando de tal decisão, sustenta o apelante que a fração autónoma em causa foi adquirida por autor e ré, em compropriedade, antes do respetivo casamento, pelo que não configura um bem comum do casal, acrescentando que igualmente não constitui casa de morada da família; por entender que se trata de um bem pertencente em compropriedade a ambos os cônjuges, defende o apelante não existir erro na forma do processo, sendo a ação de divisão de coisa comum o meio próprio para pôr termo à indivisão.
Vejamos se lhe assiste razão.
O artigo 1412.º, n.º 1, do Código Civil, confere ao comproprietário o direito a pôr termo à indivisão de coisa comum, dispondo que “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”; esclarece o n.º 2 que “o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”; acrescenta o n.º 3 que “a cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a registo”.
Não vem posta em causa por qualquer das partes a situação de compropriedade da fração autónoma identificada nos autos, da qual são titulares autor e ré, que a adquiriram no estado de divorciados, em data anterior ao respetivo casamento, o qual veio posteriormente a ser dissolvido por divórcio, conforme se extrai das alíneas a) e b)-iv) de 2.1..
Tendo a fração autónoma sido adquirida em compropriedade, por autor e 1.ª ré, em data anterior ao respetivo casamento e não tendo sido estipulado como regime de bens a comunhão geral, dúvidas não há de que não constitui bem comum do casal, pelo que não integra o património comum. Efetivamente, o que cada um dos consortes adquiriu, isto é, a respetiva quota sobre a fração autónoma, permanece bem próprio, não obstante o casamento posteriormente contraído, pelo que o imóvel não constitui um bem comum do ex-casal.
Como tal, verificada a situação de compropriedade da fração autónoma identificada nos autos, assiste ao autor, atenta a sua qualidade de comproprietário do bem e a vontade, que manifestou na petição inicial, de não permanecer na indivisão, o direito a pôr termo à indivisão da coisa comum, salvo se houver sido convencionado que a coisa se conserve indivisa.
Não obstante facultar o citado artigo 1412.º, aos consortes, a possibilidade de acordarem no não exercício do direito de exigir a divisão da coisa comum, por prazo não superior a cinco anos, renovável, não se vislumbra que tal tenha sido convencionado no caso presente, sendo certo que as partes não invocam a existência de qualquer cláusula de indivisão.
Extrai-se da alínea b)-ii) de 2.1. que, no âmbito do processo de divórcio que correu termos entre autor e 1.ª ré, as partes acordaram, além do mais, no seguinte:
(…) 4. A utilização da casa de morada de família, sito na Urbanização das Sesmarias, …, Lagos, fica atribuída ao cônjuge marido.
A cônjuge mulher fica a utilizar a fracção autónoma, sito na Urbanização Alto do Quintão, apartamento …, Portimão, utilização que iniciará no prazo de 60 dias a contas da presente data, sendo que o empréstimo bancário e despesas do condomínio da referida fracção, continuarão a cargo do cônjuge marido até à partilha dos bens.
Por outro lado, decorre da alínea b)-iv) de 2.1. que, por sentença proferida nesses autos de divórcio a 27-10-2011, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre o autor e a 1.ª ré, com a consequente dissolução do respetivo casamento, tendo sido homologado o acordo relativo à utilização da casa de morada de família.
Analisando a transcrita cláusula 4.ª do acordo celebrado entre autor e 1.ª ré, verifica-se que se reporta a dois bens imóveis, a saber: i) o imóvel sito na Urbanização das Sesmarias, Lote …, Lagos, o qual foi qualificado como casa de morada da família; ii) a fração autónoma correspondente ao apartamento …, da Urbanização Alto do Quintão, Portimão, cuja divisão vem peticionada nos presentes autos.
Ora, acordaram as partes na atribuição da casa de morada da família ao ora autor e na utilização pela ora 1.ª ré da fração autónoma cuja divisão vem peticionada nos presentes autos, não tendo sido estabelecida qualquer restrição ao direito a exigir a divisão desta, o qual foi exercido pelo autor nos presentes autos.
Não se tratando de um bem comum do casal, não se vislumbra que a cessação da compropriedade de autor e 1.ª ré sobre a fração autónoma em causa deva operar no âmbito do inventário para partilha dos bens comuns, conforme concluiu a decisão recorrida. Pelo contrário, encontrando-se preenchidos os pressupostos do direito a exigir a divisão previstos no n.º 1 do citado artigo 1412.º, a cessação da compropriedade opera com recurso à ação de divisão de coisa comum, a qual constitui o meio processual idóneo para o efeito.
[MTS]