"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/05/2021

Jurisprudência 2020 (217)


Recurso;
conclusões*


1. O sumário de RP 9/11/2020 (18625/18.6T8PRT.P1) é o seguinte:

I - A reprodução integral do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que com meras alterações pontuais e intitulada de “conclusões”, não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC.

II - Equivalendo essa reprodução à falta de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como resulta da delimitação do objecto a decidir no âmbito do recurso principal, a primeira questão que importa dirimir refere-se à alegada ausência de conclusões, sendo certo que, a proceder essa questão com a inerente rejeição do recurso, ficarão prejudicadas as demais questões suscitadas no âmbito do recurso principal e, ademais, isso implicará também a caducidade do recurso subordinado interposto (artigo 633º, n.º 3, do CPC) e/ou a inutilidade quanto ao conhecimento da ampliação do objecto do recurso (artigo 636º, n.º 1, do CPC).

Decidindo.

Conforme resulta do disposto no artigo 639º, n.º 1 do CPC, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de apelação fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se pretender prosseguir com a impugnação de forma válida e regular.

O primeiro é o denominado ónus de alegação, no cumprimento do qual se espera que o apelante analise e critique a decisão recorrida, imputando as deficiências ou erros, sejam de facto e ou de direito, que, na sua perspectiva, enferma essa decisão, argumentando e postulando as razões em que se ancora para divergir em relação à decisão proferida.

O ónus de alegação cumpre-se, assim, através da exposição circunstanciada das razões de facto [incluindo, a eventual impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido] e de direito da divergência do apelante em face do julgado, colhendo, pois, nesse contexto, a invocação da doutrina e da jurisprudência que suporta a posição do apelante e que justifica, em seu ver, a alteração face ao decidido.

Trata-se, pois, de o recorrente explicitar, de forma mais ou menos desenvolvida, os motivos da sua impugnação da decisão proferida, explicitando as razões por que entende que a decisão recorrida é errada ou injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e a aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso.

O segundo ónus, denominado de ónus de concisão ou de conclusão, traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursivas com a formulação sintética de conclusões, em que é suposto que o apelante resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo.

Como refere ALBERTO dos REIS, “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.”

Todavia, como salienta ainda o mesmo Ilustre Professor, “para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação. “[ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, V volume, 1984, pág. 359]

No mesmo sentido referem AMÂNCIO FERREIRA e AVEIRO PEREIRA, salientando este último que as conclusões das alegações são as “ ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.” [AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil “, 8ª edição, pág. 167 e AVEIRO PEREIRA, “ O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil “, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf.]

Na verdade, importa referir a propósito do ónus de formulação de conclusões, que no nosso sistema de recursos incide sobre o recorrente um específico ónus de impugnação da decisão recorrida, não lhe sendo lícito limitar-se a recolocar à apreciação do tribunal superior, em termos globais e sincréticos, a situação litigiosa, devendo, por isso, especificar nas conclusões da sua alegação quais as questões a decidir, especificando os pontos de facto de cujo julgamento discorda (se a impugnação se dirigir à matéria de facto) e as precisas questões de direito que, por terem sido, na sua óptica, incorrectamente decididas pelo tribunal a quo, pretende que sejam reapreciados pelo tribunal ad quem.

É essa função essencial das conclusões, como enunciado sintético das questões que integram o objecto do recurso, definindo o preciso âmbito da impugnação deduzida, seja pela especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, seja pela especificação das normas ou interpretações normativas que tem por violadas, delimitando, assim, o objecto da actividade jurisdicional do tribunal hierarquicamente superior, ou seja o “thema decidendum”. [...]

Como assim, atenta a sua relevância para fixação do objecto do recurso e porque são o resumo/condensação das razões ou argumentos contidos nas alegações, as conclusões não podem, para o serem, reconduzir-se à mera reprodução do conteúdo da motivação das (…) alegações ou com ela coincidirem ipsis verbis, sob pena de, por esta forma ínvia ou indirecta, o apelante, no fundo ou em substância, acabar por deixar de apresentar conclusões e de observar o respectivo ónus quanto à sua apresentação, ónus este que, como bem salienta, AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 168, não pode deixar de ser conhecido pelos Mandatários das partes pois que o mesmo remonta já ao Código de 1939.

Aliás, numa perspectiva crítica deste procedimento, refere AVEIRO PEREIRA que “a prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões.” (…) Como salienta ainda o mesmo Autor “Em boa verdade, o recurso a este expediente de «copy paste», para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre o papel, em termos integralmente repetitivos, o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo …”

Neste sentido, têm vindo a jurisprudência, em particular dos Tribunais da Relação, a defender que “a mera repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.” [...]

Nesta matéria, atento o rigor e proficiência com que a questão ora sob análise se mostra tratada – e considerando, não só, que se concorda integralmente com o ali decidido, como, ainda, que as considerações ali expendidas são integralmente aplicáveis ao recurso ora em apreço -, não resistimos a transcrever, com a devida vénia, o que já se escreveu nesta matéria no Acórdão desta Relação do Porto de 8.03.2018, antes citado, sendo certo que nele interviemos como 2º Juiz Adjunto.

Neste aresto escreveu-se o seguinte: “Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.

Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinária apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida.”

O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.

Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação.

O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.

Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigor da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC)”.

E continua, ainda, o aresto desta Relação que vimos de citar:

(…) Não se desconhece a orientação jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça que, condescendente com esta violação das regras processuais, vem permitindo que prática processual como a adoptada pelo aqui recorrente se haja tornado frequente e comum (a ponto do cumprimento do estatuído pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil se revelar cada vez mais invulgar...).

Pese embora esse entendimento dominante, preconizando a lei expressamente como solução para a não formulação de conclusões a rejeição do recurso, sem possibilidade de medidas paliativas, a violação deliberada de regras processuais que se traduzem na mera repetição do exposto no corpo das alegações, ainda que o recorrente pretenda conferir-lhes aparente roupagem de conclusões, através da numeração das proposições anteriormente enunciadas, não deve ser tratada com maior benevolência do que a falta tout court de conclusões, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade ao recusar a falhas desculpáveis a mesma solução permissiva que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes.

Do acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 pode, com efeito, retirar-se: “a apresentação de “conclusões”, mediante a reprodução, pura e simples, do que é exposto na motivação – ainda que, em termos práticos o resultado seja o mesmo, por em ambos os casos faltar a tal síntese exigida por lei –, afigura-se uma atitude ainda mais censurável do que a apresentação de alegações de recurso, em que a parte, por esquecimento ou ignorância da lei, as omite.

Neste caso haveria maior justificação para um convite ao aperfeiçoamento […] – convite que, de qualquer modo, a lei rejeita – do que aqueles casos em que a parte, conhecendo o ónus que sobre si impende, numa atitude deliberada e consciente, negligentemente e em desrespeito de norma expressa, se abstém de efectuar a resenha dos fundamentos do seu recurso, limitando-se a reproduzir o teor do corpo das suas alegações sob o título de “conclusões” (confiando em que a parte contrária e o tribunal de recurso não se apercebam de que se trata de uma pura repetição do anteriormente alegado), entendendo-se que, em tal caso, não se justifica uma atitude complacente do tribunal no sentido de lhe dar uma oportunidade de apresentar verdadeiras conclusões”.

Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “... é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes.

Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas.“

Com efeito:

Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.

O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP).“

Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que o recorrente, limitando-se a repetir, praticamente de forma integral, o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração diferente, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.

Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017, “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).

Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.

Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”.

Também o já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 sufraga o incontornável entendimento de que “a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.

E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.“

Destarte, em nosso ver, e secundando na íntegra a posição expressa no citado acórdão desta Relação, em que interviemos como 2º Juiz Adjunto, e conforme já decidimos em outros arestos e decisões singulares em situações exactamente idênticas, a mera reprodução integral, em sistema de «copy/past», do arrazoado do corpo das alegações para o um outro capítulo intitulado de “ conclusões “, com inclusão de diferente numeração, traduz, do ponto de vista substancial, uma forma encapotada de omitir a total ausência de conclusões.

Com efeito, quanto à exigência de conclusões, dispõe, em termos claros, o já citado artigo 639º do CPC:

«1. O Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.(…)

3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude n.º 2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completa-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.»

Por seu turno, segundo o n.º 2 al. b) do artigo 641º do mesmo Código, a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso.

Com a reforma do regime de recursos introduzida pelo DL n.º 303/2007 de 27.08, a falta de conclusões passou, a par com a ausência de alegações, a constituir motivo de rejeição de recurso (artigo 685º-C, n.º 2 al. b) do CPC, na redacção anterior); Assim, onde anteriormente se admitia o convite ao recorrente para suprimento daquela falta de conclusões, agora tal convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no n.º 2 do art. 639º [indicação das normas jurídicas violadas; o sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas; ou, invocando o recorrente erro na determinação da norma aplicada, a norma jurídica alternativa que deveria ter sido aplicada ao caso].

Assim, e face às diversas consequências que a lei atribui a tais vícios, importa distinguir entre o que sejam conclusões “deficientes, obscuras e complexas “, das situações que integram a “ ausência de conclusões.“

Segundo a definição proposta por A. ABRANTES GERALDES «[A]s conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando não revelem compatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas ou desligadas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito.

Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal alcançar ou compreender o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama.

As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par de verdadeiras questões que interferem com a decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também deverá decorrer do fato de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudências propícias ao segmento da motivação. Ou ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões.” [A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, 2014, pág. 122-123]

Quanto ao sentido a dar à omissão absoluta de conclusões, para o efeito de o juiz proceder ao convite ao aperfeiçoamento ou, desde logo, à pura e simples rejeição do recurso, afirma ainda A. ABRANTES GERALDES: «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ ineptas “, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, n.º 2 al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.» [A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 122]

No caso dos autos, confrontando a motivação constante do corpo das alegações com a parte que o recorrente intitula de «conclusões», verifica-se que o mesmo se limita a reproduzir, ipsis verbis, o que antes foi afirmado no corpo das alegações, sem, portanto, formular quaisquer conclusões, enquanto proposições sintéticas, e que condensem ou sintetizem a argumentação anterior, tendo-se limitado a eliminar o teor das decisões jurisprudenciais que citou e a dar uma sequência numérica ao que antes fez constar do corpo das alegações.

No entanto, e com o devido respeito, para que se considere verificada a existência de conclusões não basta apenas que o recorrente nas suas alegações de recurso utilize a expressão “conclusões “ para intitular o que corresponde, com meras alterações pontuais, textualmente apenas e só às próprias alegações prévias, sendo, ainda, necessário que, de facto, as alegações sejam seguidas de algo que, de algum modo, se assemelhe, ainda que aproximadamente, a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas no corpo argumentativo; Pelo contrário, a mera reprodução integral do antes alegado no corpo das alegações de recurso, não pode, a nosso ver, sob pena de subversão do regime legal e do ónus previsto o aludido n.º 1 do artigo 639º, ser considerada para efeitos de cumprimento de tal ónus.

A prova mais evidente das consequências do menor rigor na apreciação de tal exigência legal resulta de serem poucos os processos em que se evidencia por parte do apelante um esforço no sentido de efectuar uma síntese do antes exposto nas alegações, sendo, por isso, claramente comum a circunstância de as «conclusões» traduzirem uma mera reprodução das alegações, com pequenas alterações.

Note-se que não se trata aqui de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente ou prolixo, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso.

Ora, no caso em apreço, tal esforço de definição do objecto do recurso é absolutamente inexistente, uma vez que o Recorrente não procedeu a qualquer síntese ou condensação do afirmado no corpo das alegações, antes se limitando, de forma fácil e cómoda, em frontal e consciente violação do supra citado ónus de concisão, a proceder a um «copy/paste» do corpo das alegações para o capítulo das auto-intituladas «conclusões».

E não se argumente que, nestes casos, se justificava o convite ao aperfeiçoamento de tal peça.

É certo que o despacho de aperfeiçoamento traduz um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil. Mas esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente a observância de princípios de rigor e de auto-responsabilidade das partes.

Nesta perspectiva, no caso dos autos, de puro e simples «copy/paste» das alegações - este convite não encontra justificação: - o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente na nossa lei adjectiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que a parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade, torna admissível e justificado o convite ao aperfeiçoamento e a consequente (segunda) oportunidade para a sua correcção. Ao invés, se não há lugar a qualquer esforço de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, como é o caso, não será o facto de o recorrente as apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à mera reprodução do por si alegado na motivação e que justifica, à luz de uma pretensa“ complexidade “ou“ prolixidade “ das (inexistentes) conclusões, o convite à sua respectiva correcção.

Aliás, como tem sido, de resto, sobejamente evidenciado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais às partes e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, não afastam a liberdade de conformação do legislador, liberdade esta que é, pois, compatível com a imposição de ónus processuais às partes, desde que os mesmos não se mostrem arbitrários ou desproporcionados quando confrontada a dificuldade da conduta imposta à parte com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão. [...]

Por conseguinte, em nosso ver, a reprodução integral, sem qualquer alteração ou condensação do antes alegado no corpo das alegações ou com intervenções pontuais ou meramente cosméticas, não pode, sob pena de desvirtuamento do ónus legal em apreço ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.

De facto, conforme também se salienta no citado AC RL de 17.03.2016: “A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso são vícios que afectam … conclusões, supondo assim, pelo menos, um ensaio ou um esboço de síntese dos fundamentos do recurso.

Tal esboço não se verifica em nominadas “ conclusões “ que apenas repetem, integralmente o teor do corpo das alegações.

Tais conclusões não são assim passíveis de despacho de aperfeiçoamento, como o não seriam “ conclusões “ que desenvolvessem o corpo das alegações ou a pura remissão, sob a epígrafe conclusões, para o que se tivesse anteriormente alegado, no corpo único das alegações.“

O que vem a significar, à luz do antes exposto, que sendo, em nosso julgamento, o recurso em apreço destituído de conclusões para os efeitos previstos no artigo 639º, n.º 1 do CPC e não tendo cabimento o convite ao aperfeiçoamento do requerimento recursivo, o presente recurso não pode ser conhecido por falta de objecto, circunstancialismo este que se apresenta como prejudicial a qualquer julgamento de mérito do mesmo.

É certo que, em sentido contrário, existe, como já antes se referiu, posição distinta, sobretudo ao nível do Supremo Tribunal de Justiça.

Sucede que, como resulta do que antes se expôs, sem prejuízo do devido respeito por opinião em contrário e da douta corrente de sentido oposto sufragada pelo nosso mais Alto Tribunal, não a acompanhamos.

Diga-se, aliás, que só temos decidido pela rejeição do recurso nos casos – como o presente – em que não existe qualquer condensação ou sintetização, por mínima que seja, limitando-se o recorrente a reproduzir ipsis verbis tudo o antes vertido nas alegações, pois que, em nosso ver, nestas hipóteses, não existem verdadeiras conclusões.

Como assim, e com todo o respeito por opinião em contrário, nestas hipóteses, a conduta do Recorrente não pode justificar outra consequência que não seja a rejeição do recurso, não se antevendo razões bastantes para lhe conceder prazo suplementar para a condensação ou síntese de conclusões que não existem.

Destarte, em conclusão, rejeita-se o recurso principal interposto pelo Recorrente, não conhecendo do seu objecto, o que importa a caducidade do recurso subordinado e/ou a inutilidade da ampliação do seu objecto, pois que, sendo assim, se mantém a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, que se apresenta como favorável ao Recorrido – cfr. artigos 633º, n.º 3 e 636º, n.º 1, ambos do CPC."


*3. [Comentário] O acórdão tem o seguinte voto de vencida (Des. Fátima Andrade):

"Voto vencida no pressuposto de que as conclusões que consubstanciam reprodução “ipsis verbis” do corpo alegatório justificarão em última análise o convite ao aperfeiçoamento das mesmas – artigo 639º, nº 3 do CPC – sem prejuízo da censura substancial que a atuação em causa efectivamente merece.

Assim, proferiria despacho a convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões."

Também se adere a esta posição, podendo pensar-se na aplicação ao recorrente do disposto no art. 530.º, n.º 7, al. b), CPC.

MTS