Restituição da coisa locada;
indemnização; título executivo
1. O sumário de RP 19/11/2020 (5508/20.9T8SNT-A.L1-2) é o seguinte:
I – A indemnização prevista no art. 1045/2 do CC, mesmo que incluída em termos determináveis na comunicação em causa no art. 14-A/1 do NRAU, não é abrangida pela exequibilidade do título aí previsto, por não ser uma obrigação contratual e na data da comunicação ainda não estarem verificados os pressupostos da indemnização.
II – Já o mesmo não se pode afirmar da “indemnização” prevista no art. 1045/1 do CC.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Decidindo:
As normas que estão relacionadas [...] são as seguintes:
Art. 1045 do C.C:Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora a referida indemnização é elevada ao dobro.”
Artigo 14-A/1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano, na redacção dada pela Lei 31/12, de 14/08 (mantida em 2014 e 2019):
O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
Art. 15/2 do NRAU na versão original
O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
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Toda a jurisprudência tem admitido que o título dado à execução, decorrente da conjugação do contrato de arrendamento com a comunicação, pelo senhorio ao arrendatário, de que, entre o mais, fica em dívida, depois da resolução do contrato, o valor equivalente às rendas que se venceriam até à entrega efectiva do prédio arrendado, é título que serve para a cobrança deste valor.
Ou seja, a jurisprudência aceita que aquele título está abrangido pelo actual art. 14-A/1 do NRAU (≈ 15/2 da redacção original), isto é, que o senhorio pode executar as “rendas” vincendas até à entrega efectiva do prédio arrendado.
Neste sentido, veja-se:
Decisão singular do TRL de 12/12/2008, proc. 10790/2008-7 (que, em obiter dictum exige que da comunicação conste a liquidação do montante peticionado, por entender que o significado útil da exigência da comunicação prevista no artigo 15/2 do NRAU é o de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida)Decisão individual do TRL de 26/07/2010, proc. 8595/08.4YYLSB-B.L1-1Ac. do TRP de 12/10/2010, proc. 6733/09.9YYPRT.P1
Ac. do TRP de 18/10/2011, proc. 8436/09.5TBVNG-A.P1
Ac. do TRP de 22/03/2012, proc. 5644/11.2TBMAI-A.P1
Ac. do TRL de 15/12/2012, proc. 1105/12.0YRLSB-2
Ac. do TRC de 18/02/2014, proc. 182/13.1TBCTB-A.C1
Ac. do TRL de 22/05/2014, proc. 8960/12.2TCLRS-B.L1-6
Ac. do TRL de 27/10/2016, proc. 4960/10.5TCLRS.L1-6
Ac. do TRL de 18/01/2018, proc. 10087/16.9T8LRS-B.L1-6
Ac. do TRL de 21/02/2019, proc. 3855/17.6T8OER-A.L1-2
Ac. do TRL de 12/03/2019, proc. 15962/17.0T8LSB-A.L1-7
Ac. do TRC de 04/06/2019, proc. 7285/18.4T8CBR-B.C1
No mesmo sentido, implicitamente, veja-se, Gravato Morais, CDP 27, Jul-Set2009, pags. 64-69 e Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 9.ª edição, 2019, pág. 218.
Mas, enquanto alguns acórdãos, mais antigos, exigiam que a comunicação ao arrendatário contivesse a liquidação aritmética, prévia e extraprocessual, dos valores que o senhorio considerava compreendidos na prestação devida, caso da decisão individual do TRL de 2010, do acórdão do TRP de 2010, seguindo o obiter dictum da decisão singular do TRL de 2008, e do ac. do TRC de 2014, a maior parte deles limita-se a exigir, implícita ou explicitamente que a comunicação feita pelo senhorio abranja uma referência às “rendas” que se vencerão até à entrega efectiva do prédio arrendado (considerando que não há título executivo, no todo ou em parte, quando tal não acontece: como, apenas por exemplo, no caso do ac. do TRL do proc. 3855/17).
Dentro desta jurisprudência, há vários acórdãos que se pronunciaram sobre, e decidiram, a questão específica de saber se, nestes títulos executivos, se admite só o valor das “rendas” que se venceriam depois da resolução do contrato até à efectiva entrega do prédio arrendado, ou seja, o valor que corresponde às rendas que o arrendatário já vinha pagando (art. 1045/1 do CC), ou se se admite também a indemnização em dobro do valor da renda, indemnização prevista no art. 1045/2 do CC.
Um, o do TRP de 18/10/2011, proc. 8436/09.5TBVNG-A.P1, não admitiu que a indemnização do dobro do valor das “rendas” fosse englobada na quantia exequenda.
E explica:
Quanto à indemnização não temos dúvidas que o título não comporta a sua realização coactiva. Como vimos, o artigo 15/2 do NRAU é claro na afirmação de que constitui título executivo para a acção de pagamento de rendas o contrato de arrendamento quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Logo, o título executivo não confere ao exequente suporte para a realização coactiva do valor inerente à indemnização pela mora na restituição do locado, a que se refere o artigo 1045/2 do CC, mas somente para o pagamento de rendas.
Neste sentido, antes do NRAU, já dizia o ac. do TRP de 22/03/2004, proc. 0450722:
"Transpondo as transcritas disposições legais e ensinamentos doutrinais para o caso dos autos, é para nós claro que assiste, parcialmente, razão à agravante, na medida em que esta dispõe de regular e válido título executivo quanto aos montantes das rendas (e correspondente indemnização legal) vencidas até à operada cessação, por denúncia da sua parte, do invocado contrato de arrendamento e que (na sua versão, que a executada poderá contrariar, em eventuais embargos de executado – cfr. art. 804/2) não lhe foram, ainda, pagas. […] Mas já não poderá dizer-se o mesmo das demais obrigações de natureza pecuniária em que, segundo a exequente, a executada se encontra, perante si, constituída. É que tais obrigações, decorrendo de um facto indemonstrado (não restituição atempada, à locadora, do arrendado – cfr. art. 1045[/2] do CC e cláusula 11 do contrato de arrendamento) e não coevo da outorga do contrato de arrendamento formalizado no documento particular junto aos autos (cfr. arts. 362 e segs. do CC), de modo algum, poderão ser consideradas como tendo sido constituídas ou reconhecidas pela executada-locatária mediante a celebração de tal contrato. Não dispondo, pois, a exequente de título executivo quanto às mesmas, nem sendo caso de uso, quanto a tal, do poder-dever atribuído ao juiz pelo art. 811-B/1.”
E no mesmo sentido, ia o ac. do TRL de 19/02/2002, proc. 00108787 (só sumário):
O contrato de arrendamento para habitação de duração limitada celebrado nos termos do art. 98 do RAU em que conste a obrigação de pagamento mensal de uma renda e não a obrigação de pagamento da indemnização a que alude do art. 1045/2 do CC, correspondente ao dano ocasionado pelo atraso na restituição da coisa, não constitui título executivo para obtenção do pagamento coercivo desta última. É que tal documento não tem a virtualidade de certificar o reconhecimento e constituição dessa dívida, não dando a conhecer minimamente o conteúdo da obrigação do devedor e não tendo, assim, força executiva quando a tal obrigação nos termos dos arts 46-c e 45-1 do CPC.
Note-se que estes dois acórdãos têm, embora com as devidas adaptações, aplicação natural ao caso, pois que o título obtido através da via do art. 14-A/1 do NRAU é um título executivo produzido por um particular (Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, pág. 1163), ou seja, é um documento particular que é um título executivo por disposição especial da lei – art. 703/1-d do CPC (Lebre de Freitas, A acção executiva, 7.ª edição, Gestlegal, 2017, pág. 82) e que tem por base um documento particular, um contrato de arrendamento, do qual não constam “as consequências do incumprimento das obrigações dele derivadas.”
Os outros acórdãos, que sugeriram, entenderam ou decidiram o contrário, são os do TRL de 22/05/2014, proc. 8960/12.2TCLRS-B.L1-6, de 27/10/2016, proc. 4960/10.5TCLRS.L1-6, de 18/01/2018, proc. 10087/16.9T8LRS-B.L1-6, de 12/03/2019, proc. 15962/17.0T8LSB-A.L1-7, e o ac. do TRC de 2019.
Os argumentos destes acórdãos, que não discutem os argumentos dados pelos anteriores, vêm todos da anotação de Gravato Morais ao acórdão do TRP de 12/05/2009, proc. 1358/07.6YYPRT-B.P1 (citado já a seguir), embora esta diga respeito directamente apenas ao art. 1041/1 do CC, anotação na qual se escreve:
"Quanto ao argumento que o ac. do TRP tira do texto da lei (“acção de pagamento de renda”) diz que: “é ultrapassável desde que haja fundadas razões que o justifiquem, embora não estejamos seguros que a expressão utilizada (pagamento da renda) não possa ter, de per si, um sentido lato. Até porque a parte final do preceito se refere ao "montante em dívida", parecendo ampliar o alcance da locução inicial.”
Depois continua:
“A indemnização em causa - conquanto não esteja prevista no contrato - está perfeitamente definida na lei (50%), sendo, portanto, determinável, sabendo-se de antemão qual o seu valor em função do número de meses em falta quanto ao pagamento da renda.Por outro lado, repare-se que o senhorio tem sempre duas vias alternativas ao seu dispor, à luz do art. 1041 do CC: "rendas em atraso + indemnização de 50%"; Ou "rendas em atraso + resolução". Ora, para um mesmo regime substantivo - o do não pagamento da renda - não devem existir soluções adjectivas diversas. O que se pretende é que a disciplina da acção relativa ao incumprimento da obrigação de pagamento da renda seja unitária. A ideia defendida pelo tribunal permitiria concluir que se deu primazia à resolução do contrato em vez do seu cumprimento, pois só no caso de resolução seria possível instaurar uma acção executiva para pagamento da renda.Note-se que se mostraria até pouco evidente este regime na seguinte situação: para obter o pagamento da renda haveria que instaurar uma acção executiva; para obter a indemnização não se prescindiria de uma acção declarativa.Acresce que o próprio tribunal defende - com acerto que a comunicação onde se exige o pagamento da renda não precisa de revestir qualquer das formalidades previstas no art. 9 do NRAUL. O que sugere, indirectamente, que se desliga a questão da resolução extrajudicial (pois esta depende de solenidade especifica: notificação avulsa ou contacto pessoal) da temática das rendas, autonomizando-a. A nosso ver, é um argumento decisivo para permitir o recurso à via executiva no caso de ser exigida a indemnização legal.”
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Num caso paralelo, que é o do art. 1041 do CC, em que também existe a possibilidade de formação de título executivo por falta do pagamento de rendas, com o contrato subsistente, também se discute, como se acabou de ver, se o título executivo abrange apenas as rendas, ou pode abranger também a indemnização de 20% pelo atraso no pagamento das rendas.
Quanto a isto, existe no sentido negativo o ac. do TRP de 12/05/2009, proc. 1358/07.6YYPRT-B.P1: a força executória dos referidos documentos apenas abrange o montante das rendas em dívida constante da comunicação feita ao arrendatário, e não a indemnização prevista no art. 1041/1 do CC, nem quaisquer outras rendas vencidas posteriormente àquela comunicação.
Com efeito – diz o acórdão - não obstante a liquidação desta indemnização ter sido incluída na comunicação feita previamente aos devedores, tal circunstância não lhe confere nem garante força executiva, por três razões:
Primeiro, porque o preceito do art. 15/2 do NRAU, que confere força executiva ao contrato de arrendamento, apenas refere “a acção de pagamento da renda”, excluindo da norma qualquer referência à indemnização pelo atraso no pagamento da renda. Sem que se possa invocar que esta omissão se deveu a mero lapso, porquanto o legislador não podia ignorar que a referida indemnização decorre da lei e está prevista no art. 1041/1 do CC. E também não parece legítimo que se possa invocar que tal menção era desnecessária, porquanto, em relação aos juros de mora, o legislador fez constar no art. 46/2 do CPC que se consideram abrangidos pelo título executivo. O que, devidamente conjugado, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não quis estender a força executiva do contrato de arrendamento à indemnização prevista no art. 1041/1 do CC.
Segundo, em reforço da interpretação anteriormente referida, porque, ao contrário do que sucede com a obrigação de pagar a renda, que constitui uma obrigação contratual do arrendatário e consta expressamente do contrato que, por isso, lhe serve de título executivo, a pretendida indemnização decorre da lei, e não do contrato. Daí que, não estando prevista no contrato, este não pode constituir título executivo em relação à referida indemnização (quod non est in titulo non est in mundo).
Terceiro, porque esta indemnização tem o carácter de uma sanção pelo atraso no pagamento da renda, e não de obrigação contratual que tenha sido expressamente aceite e assumida pelo arrendatário. E como sanção legal que é, a sua aplicação não é automática em relação a todos os casos de mora no pagamento da renda, mas, como dispõe no art. 1041/1 do CC, funciona apenas nos casos em que o contrato não for resolvido com o mesmo fundamento. O que sempre exigiria a confirmação documental de que o senhorio não resolveu o contrato com fundamento na falta de pagamento das mesmas rendas.
Donde se impõe concluir que a obrigação de pagar a indemnização prevista no art. 1041/1 do CC, para além de não constar do contrato que serve de título à execução, também não está reconhecida e definida por qualquer outro documento assinado pelos devedores ou a que a lei confira força executiva. Não bastando, para o efeito, que tenha sido comunicada ao arrendatário e comprovada essa comunicação.
Consequentemente, do que aqui se trata é de falta de título a que a lei confira força executiva.
No mesmo sentido, vai Joana Pinto Monteiro, A execução para cobrança de rendas, no I Congresso de direito do arrendamento, Almedina, 2020, pág. 187:
“Face ao previsto no art. 14-A/1, entende-se que o título se restringe às rendas e encargos, não sendo extensível à indemnização devida [art. 1041/1 do CC].”
Em sentido contrário, vai o ac. do TRC de 05/02/2013, proc. 643/11.7TBTND-A.C1 (e segue a posição da jurisprudência mais antiga, quanto ao conteúdo da comunicação, isto é, no sentido de que tem de ser com a indicação/especificação dos montantes em dívida).
Bem como, já se viu, Gravato Morais e Luís Menezes Leitão (obra citada, pág. 222, com o argumento de Gravato Morais de que essa indemnização se encontra legalmente fixada).
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Posto isto, segue-se, nesta parte, a posição do acórdão do TRL de 19/02/2002, proc. 00108787, e dos do TRP de 2004, 0450722, 2009, 1358/07.6YYPRT-B.P1, e 2011, 8436/09.5TBVNG-A.P1, que, aliás, corresponde àquilo que se diz normalmente quanto aos títulos executivos particulares (antes da reforma de 2013 do CPC e depois dela, em relação aos títulos particulares subsistentes), isto é (seguindo o ac. do TRL de 05/11/2020, proc. 1266/13.1TBMTJ-A.L1):
No mesmo sentido, veja-se o ac. do TRG de 08/10/2015, proc. 81/14.0TBMDL.G1:“[N]ão é exequível, atenta a diversa natureza das obrigações em causa, o documento particular que formalize o contrato objecto de resolução, para o efeito de fazer valer as consequências do incumprimento das obrigações dele derivadas.” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC, vol. 1º, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 33), citando nesse sentido o ac. do TRL de 27/06/2007, proc. 5194/2007-7:I- A lei confere hoje força executiva a todos os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805 (artigo 46.º/1, alínea c) do CPC).II- Do título executivo devem resultar, dada a necessidade de se acautelar a certeza e segurança das obrigações, a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias o que não sucede quando estão em causa quantitativos que emergem de situações de incumprimento contratual que dependem da alegação e prova de factos que não têm expressão no próprio título, isto é, não estão por ele documentados nos termos exigidos pelo referenciado artigo 46.º/1, alínea c) do C.P.C
Este acórdão do TRG ainda invoca um artigo de “António Santos Abrantes Geraldes, A Reforma da Acção Executiva, TEMIS, Rev. Fac. Direito da UNL, Ano IV, nº 7, 2003, página 46:1. A exequibilidade conferida por lei aos documentos particulares assenta na aparente certeza e segurança quanto à existência e quantificação das obrigações, o que deve emergir do texto do documento.2. Tal não ocorre com as obrigações emergentes da resolução do contrato que consta do documento que serve de título executivo à execução, o que desde logo se apreende quando se considera que a restituição é exigível não por força do contrato mas da sua resolução;3. Fundada execução em obrigações que não se encontram contidas no título executivo, deve a mesma ser liminarmente indeferida, nos termos do artigo 726, n.ºs 1 e 2-a do CPC).
‘Implicando a resolução contratual a antecipação da obrigação de restituição, a verificação do respectivo condicionalismo não emerge do próprio documento, exigindo a invocação e a prova de outros factos que terão de ser submetidos à discussão contraditória a realizar em sede da acção declarativa.’”
No mesmo sentido, para uma questão paralela, veja-se ainda o ac. do TRL de 25/02/2003, proc. 664/2003-7, com ampla fundamentação no ponto 5 da respectiva fundamentação, para a qual se remete:
I - O direito de crédito correspondente às prestações do aluguer de longa duração é qualitativamente diverso daquele que emerge do incumprimento do contrato, ainda que decorrente de cláusula penal.II - Provando-se nos embargos de executado que o exequente declarara a resolução do contrato de aluguer de longa duração, é inviável convolar a execução por forma a que em vez das rendas em dívida, siga para pagamento da indemnização decorrente da referida resolução.
Em suma, uma coisa é a obrigação de pagamento das rendas que constam do título, ou “indemnizações” equivalentes, outra é a obrigação que resulta depois da resolução do contrato, tendo o conteúdo concreto composto pelas consequências dessa resolução (que não estão referidas no contrato) e pressupostos que não estão preenchidos antes do título (a mora culposa ocorrido depois da comunicação) e que não podem estar verificados no título.
A lei permite a formação de um título executivo particular com a indicação de valores inequivocamente em dívida ou que ficarão em dívida com a permanência da ocupação do prédio arrendado e que são certos e conhecidos do arrendatário, que já os vem pagando. Não permite que, para além disso, o senhorio faça o julgamento do comportamento posterior do arrendatário e lhe impute a mora culposa sem possibilidade de discussão antes da formação do título.
É certo que se pode dizer que em ambos os casos (art. 1045/1 e 1045/2 do CC) se está perante uma indemnização, já que o contrato, depois da resolução, já não existe e, por isso, a indemnização da “renda”, ou do dobro da “renda”, é sempre uma indemnização.
Mas, enquanto a “indemnização” do valor da renda simples tem apenas como fim evitar o enriquecimento sem causa do “arrendatário” que permanece no prédio “arrendado” depois da cessação do contrato sem que tenha sido interpelado para o restituir, a indemnização em dobro é uma indemnização em sentido próprio de uma mora subsequente a uma interpelação para entrega do locado, ou seja de um incumprimento culposo da obrigação de restituição.
Neste sentido, por exemplo, Maria Olinda Garcia, Arrendamentos para comércio e fins equiparados, Coimbra Editora, 2006, pág. 59:
“Ao incumprimento deste dever corresponde uma sanção indemnizatória específica: a prevista no n.º 2 do art. 1045 do CC, ou seja, logo que o arrendatário entre em mora fica obrigado a pagar a título indemnizatório, o dobro da quantia que correspondia à renda vigente aquando da extinção do contrato.No n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem (50), sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por "indemnização”.
No mesmo sentido, para esta questão da diferença das previsões do artigo 1045/1 e 1045/2 do CC, veja-se Luís Menezes Leitão, obra citada, pág. 103; mais ou menos no mesmo sentido, Elsa Sequeira Santos, CC anotado vol. I, 2.ª edição, Almedina/Cedis, 2019, pág. 1309.
Posto isto,
A posição contrária, de Gravato Morais e jurisprudência que o seguiu, quanto à possibilidade de o título abranger a indemnização propriamente dita, quer a do art. 1041 quer a do art. 1045/2 do CC, não convence, porque não rebate os específicos argumentos processuais executivos assinalados acima.
Por outro lado, está manifestamente em contra corrente com a desconfiança do legislador da reforma de 2013 do CPC quanto aos títulos particulares, retirando-lhes, por regra, exequibilidade, pois que a opção contrária implicou o aumento do risco de execuções injustas, […] a grande maioria das quais não antecedidas de qualquer controlo sobre o crédito invocado, nem antecedida de contraditório (da exposição de motivos da proposta de lei 113/XII).
Por fim, tendo em conta o que antecede e para além do que já aí consta, diga-se expressamente, em relação aos argumentos de Gravato Morais aplicáveis ao caso do art. 1045/2 do CC, que (i) não há, assim, razões para ultrapassar a expressão da lei, que se refere a rendas e não a indemnizações [para mais, a lei foi entretanto alterada e o art. 14-A/1 do NRAU fala de título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, continuando a não falar em indemnizações, apesar de o legislador não poder deixar de saber da polémica existente sobre a questão]; (ii) a determinabilidade da indemnização prevista na lei, não afasta o facto de esta ser uma consequência da lei e não do contrato base do título executivo e ter pressupostos que não estão preenchidos aquando da emissão do título; (iii) não tem nada de especial que em relação a valores conhecidos do arrendatário e constantes do contrato, o senhorio possa obter um título executivo particular, sem contraditório prévio, e já não o possa fazer em relação a obrigações legais cujos pressupostos ainda não se verificaram, nem constavam do contrato e com valores que o arrendatário não pagava normalmente.
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Sendo assim, coincide-se parcialmente com o despacho recorrido, considerando-se que a indemnização [do art. 1045/2 do CC] não está abrangida pela exequibilidade conferida pela lei ao título dado à execução, mas tal conclusão não é extensível à “indemnização” equivalente ao valor da renda (art. 1045/1 do CC)."
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