Decisão interlocutória;
revista; admissibilidade
1. O sumário de STJ 12/11/2020 (6333/15.4T8OER-A.L1.S1) é o seguinte:
I - Estatui o direito adjectivo civil, salvaguardando o princípio dimanado da Lei Fundamental, que lhe permite regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões, condições gerais quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, nomeadamente, aquelas que respeitam às decisões que comportam revista.
II - Estando em causa um acórdão que recaiu sobre decisão interlocutória com efeito circunscrito à relação processual, há que convocar as regras recursivas decorrentes das als. a) e b) do art. 671.º, n.º 2, do CPC, a fim de, previamente ao conhecimento da revista, apreciar da respectiva admissibilidade, sendo que a al. b) desta disposição adjectiva não se confunde com a previsão contida no art. 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, tendo as mesmas aplicação distinta.
III - O acórdão fundamento proferido pelo tribunal da Relação não poderá sustentar o preenchimento dos requisitos necessários à admissibilidade da revista, cujo objecto é uma decisão interlocutória, na medida em que o sentido e alcance do dispositivo adjectivo civil que se impõe convocar para a revista em decisões interlocutórias, numa interpretação que convoca o elemento gramatical (“letra da lei”) e o elemento lógico (“espírito da lei”), é muito claro ao exigir que o acórdão fundamento, transitado em julgado, tenha sido proferido pelo STJ.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Textua o art.º 671º do Código de Processo Civil:
“2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”
Enunciados os pressupostos substanciais de admissibilidade do recurso do acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, revogatória da decisão da 1ª Instância, importa afirmar inexistir, neste caso trazido a Juízo, circunstância que quadre quaisquer dos casos previstos no mencionado art.º 671º n.º 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.
Cotejado o requerimento de interposição do recurso que contém a alegação da Recorrente e respectivas conclusões, reconhecemos a ausência de invocação de qualquer oposição jurisprudencial subsumível ao art.º 671º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil, ou seja, conquanto a Recorrente/Embargada/Exequente/HÖRMANN KG VERKAUFSGESELLSCHAFT, tivesse discreteado sobre a contradição de julgados, entre o acórdão recorrido e o enunciado acórdão fundamento, certo é que este foi proferido pelo Tribunal da Relação, não podendo, por isso, sustentar o preenchimento dos requisitos necessários à admissibilidade da revista, cujo objecto é uma decisão interlocutória, na medida em que o dispositivo adjectivo civil que se impõe convocar para a revista em decisões interlocutórias é muito claro ao exigir, expressamente, que o acórdão fundamento, com transitado em julgado, tenha sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
Em abono do reconhecimento desta orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que está em contradição com o acórdão recorrido, conduzindo, na sua omissão, à inadmissibilidade da revista, impõe-se que tenhamos presente que na interpretação das leis, conforme decorre do direito substantivo civil “o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - art.º 9º n.º 3 do Código Civil - . [...]
Revertendo ao caso sub iudice, uma vez interiorizados os enunciados ensinamentos, e tendo em vista o sentido e alcance da alínea b) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil, destacamos que o legislador disse o que queria ao expressar no texto do aludido normativo adjectivo civil que os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual podem ser objeto de revista, concretamente, quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, distinguindo-se, à evidência, do elemento literal do preceito, a declarada exigência de que o acórdão fundamento seja prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Outrossim, estão verificados elementos lógicos que integram os factores a que se pode recorrer para determinar o sentido e alcance da norma, sendo que estes também justificam a acolhida orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que está em contradição com o acórdão recorrido, levando, na sua ausência, à inadmissibilidade da revista que tem por objecto decisões interlocutórias.
Na verdade, também a razão da ordem jurídica em que se integra a norma jurídica a interpretar, importando a consideração da unidade do sistema jurídico, determina o sentido e alcance da norma ao permitir registar a preocupação do legislador em criar uma norma estritamente direccionada à admissibilidade da revista de decisões interlocutória, com um Capitulo e Secção dedicados - Recurso de revista - Interposição e expedição do recurso - (art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil) - encerrando particularidades face ao Capitulo atinente às Disposições gerais (art.º 629º do Código Processo Civil), sendo de enfatizar, enquanto elemento racional ou teleológico que a exegese deve comtemplar, enquanto razão de ser da lei, sustentada na respectiva justificação e no objectivo pretendido com a sua criação, a circunstância de o legislador ao prevenir no art.º 671º n.º 2 “Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível” e ao acrescentar a alínea “b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” demonstra, inequivocamente, ter querido diferenciar as situações que se quadram com a alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil e aqueloutras prevenidas na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, pois, não fora essa intenção legislativa, perguntar-se-ia porque razão o legislador não se ficou somente com a previsão da enunciada alínea a) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil que, sem qualquer tibieza, afirma que cabe revista das decisões interlocutórias nos casos em que o recurso é sempre admissível, sentindo, ao invés, a necessidade de elaborar previsão normativa quando esteja em causa uma contradição de julgados, fazendo questão de enunciar que o acórdão fundamento, já transitado em julgado, tem de ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, dando redacção diversa daqueloutra alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil que textua “Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.
Poder-se-á questionar se a contradição de julgados, invocada na revista de decisões interlocutórias, sustenta a respectiva admissibilidade ao abrigo do disposto nos artºs. 671º n.º 2 e 629º n.º 2 alínea d), ambos do Código de Processo Civil.
A resposta a esta interrogação, como vimos, é decisivamente negativa.
Há obstáculos à admissibilidade do interposto recurso das decisões interlocutórias ao abrigo do art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, sendo que esta disposição adjectiva civil, não se confunde, de todo, com aqueloutro preceito condizente ao art.º 671º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil, ou está integrada na alínea a) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil.
Não se tratando de uma decisão que tenha posto termo ao processo, mas antes de uma decisão que recaiu sobre intercorrência processual, a mesma só é susceptível de revista nas hipóteses das alíneas a) e b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, afastando a convocação da alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código Processo Civil, tanto mais que esta só tem lugar nos casos que normalmente não são susceptíveis de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, verbi gratia, nos processos de jurisdição voluntária (art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil), processo especiais de expropriação (art.º 66º n.º 5 do Código das Expropriações), nas providências cautelares (art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil) e quanto à conta de custas, onde também vale a referência a “um grau” de recurso, constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, de que não cabe recurso ordinário por motivo estranha à alçada do tribunal, sendo que não cai nesse pressuposto a alínea a) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil, razão pela qual, a menção que nela se faz “aos casos em que o recurso é sempre admissível” não abrange o caso previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, sufragado, aliás, na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 383/17.3T8BGC-B.P1.S2 - 6.ª Secção), ainda não publicado, ao consignar: “Entender diferentemente levaria ao absurdo de uma contradição de julgados em simples matéria interlocutória de natureza processual autorizar recurso para o Supremo independentemente do valor da causa e da sucumbência, enquanto a oposição de julgados relativa a decisão final de mérito que viesse a ser proferida nas circunstâncias dos n.ºs 1 e 3 do art. 671.º do CPC só admitiria recurso para o Supremo (por via da revista excecional) se se verificassem os requisitos atinentes ao valor e a sucumbência”,
Invocada uma oposição jurisprudencial com um outro Acórdão da Relação, na revista do acórdão que recaiu sobre intercorrência processual, está, necessariamente, afastada a hipótese da alínea a) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, e porque não existe qualquer impedimento impugnatório adveniente de razões de alçada, o recurso de revista interposto apenas poderia quadrar a situação prevenida na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, estando em causa a contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não fazendo sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, o recurso à alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2019 (Processo n.º 1410/17.0T8BRG-A.G1.S2), in, http://www.dgsi.pt.
Esta orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que está em contradição com o acórdão recorrido, com vista à admissibilidade de revista estando em causa uma decisão que recaiu sobre intercorrência processual, já foi por nós defendida ao subscrevermos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 (Processo n.º 7459/16.2T8LSB-A.L1.S1) in, http://www.dgsi.pt “(…) por razões de coerência interna do regime de recursos para o STJ, deve entender-se que a norma da al. a), do nº 2, do art. 671º, do CPC não abrange a situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do mesmo Código, sob pena de os requisitos de admissibilidade do recurso para o STJ de uma decisão intercalar serem mais amplos do que o recurso que viesse a ser interposto de uma decisão final. Foi esta também a orientação seguida na decisão singular proferida no proc. n.º 112/14.3T2AND.P1.S1, desta mesma secção, subscrita pelo Juiz Conselheiro Oliveira Abreu e que aqui intervém como 1º Adjunto, a qual merece a nossa inteira concordância.”
[MTS]