"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/06/2021

Jurisprudência 2020 (229)


Execução para prestação de facto;
pedido de fixação de prazo; omissão*

1. O sumário de RC 15/12/2020 (485/11.0TBSEI-A.C2) é o seguinte:

I – Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) pressuponha tempo para a realização dessa prestação e esse prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda, devendo o exequente indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para prestação pelos executados da prestação de facto exequenda (cfr. artigo 874.º do Código de Processo Civil).

II - Nestes casos, a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligências necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (artigo 875º, n.º 1 do Código de Processo Civil), assistindo ao executado o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo.

III - Caso o executado não a cumpra dentro desse prazo e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se o regime jurídico previsto nos artigos 868.º a 873.º do Código de Processo Civil (875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo o exequente optar pelo cumprimento da prestação exequenda por terceiro ou pela indemnização pelos danos sofridos com a sua não realização.

IV - Se o exequente optar pela prestação de facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação e, concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento de quantia certa (artigo 870.º do Código de Processo Civil).

V – É que o devedor - executado tem o direito de discutir a perfeição da execução da prestação, e tendo o ónus da prova da realização dos trabalhos que executou, tem, depois, o direito de, antes de ver entregue essa tarefa a terceiro, executar, no prazo que for fixado, os trabalhos que se provarem terem sido efectuados defeituosamente, se alguns se apurarem nessas condições.

VI – Sendo a prestação exequenda de facto positivo fungível, como é o caso da obrigação exequenda nos autos, não sendo aquela prestada pelo executado dentro do prazo que para tanto lhe seja fixado, o exequente pode:

a) optar entre a execução específica da prestação por outrem, acrescida da indemnização moratória a que tenha direito referente às consequências danosas que para ele decorram em consequência direta e necessária da demora no cumprimento da prestação, isto é, a indemnização pela mora, mas não pode requerer que lhe seja prestada sanção pecuniária compulsória dada a fungibilidade da prestação incumprida; ou pode

b) optar pela indemnização compensatória.

VII – Precise-se que tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, a doutrina e a jurisprudências dominantes são no sentido que aquele art. 868º, n.º 1 do CPC., em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: a) a prestação da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora; b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC.

VIII - A lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo.

2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"I - A) - 1) – Com base em sentença homologatória de transação, proferida em processo de declaração, veio V... instaurar ação executiva, para prestação de facto positivo, contra “Clínica Dentária ..., Lda”, B... e outro, sendo que dessa transação, constavam, para além de outras, entre as quais se contam, também, as que mais abaixo se referirão, as seguintes cláusulas:

«1.º Os Réus comprometem-se a reparar prótese superior da boca da Autora, colocando-a nos termos retratados na figura B de fls. 152 ou, caso a reparação não seja possível, colocar uma nova prótese em conformidade; [...].


IV. As questões

"[...] Para dar como verificada a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da ação executiva, escreveu-se, entre o mais, na decisão recorrida:

«[…] Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) pressuponha tempo para a realização dessa prestação e esse prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda, devendo o exequente indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para prestação pelos executados da prestação de facto exequenda (cfr. artigo 874.º do Código de Processo Civil).

Nestes casos a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligências necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (artigo 875º, n.º 1 do Código de Processo Civil), assistindo ao executado o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo. (Neste sentido, Prof. Lebre de Freitas, in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 459 e 460).

Caso o executado não a cumpra dentro desse prazo e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se o regime jurídico previsto nos artigos 868.º a 873.º do Código de Processo Civil (875.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo o exequente optar pelo cumprimento da prestação exequenda por terceiro ou pela indemnização pelos danos sofridos com a sua não realização.
 
Se o exequente optar pela prestação de facto por outrem, requer a nomeação de perito que avalie o custo da prestação e, concluída a avaliação, procede-se à penhora dos bens necessários para o pagamento de quantia certa (artigo 870.º do Código de Processo Civil).

No caso presente a prestação exequenda é uma prestação de facto positivo de natureza fungível, já que se trata de uma prestação que indubitavelmente poderia ser realizada por terceiro em caso de incumprimento dos executados.

Por outro lado, não foi fixado na sentença que serve de título executivo à execução, um prazo para a conclusão da prestação em causa, mas apenas para o seu início.

Sucede que, conforme resulta da referida factualidade tida por assente, a exequente, previamente à instauração da execução recorreu aos serviços de uma terceira pessoa, concretamente do Dr. ..., para proceder à eliminação de invocados defeitos que imputa às embargadas e conclusão dos serviços alegadamente não prestados por aquelas.

De facto, como a exequente/embargada deixou claro no artigo 102.º da sua contestação aos embargos de executado, a mesma, ao contrário do que alegou no requerimento executivo, não pretende a prestação de qualquer facto, mas, ao invés, ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o cumprimento da prestação por essa terceira pessoa.

E assim sendo, a ação executiva não poderá prosseguir, pois com a sua conduta a exequente/embargada não só impossibilitou que o processo siga os seus termos normais, com a fixação de prazo para a realização da prestação, como impediu que esta pudesse ser realizada pelos executados.
 
Deste modo, mostra-se prejudicado o pedido de prestação de facto positivo formulado pela exequente, verificando-se a ocorrência de uma impossibilidade originária da ação executiva (perfilada “ab initio”, mas revelada no decurso da causa).

Efetivamente, a lide torna-se impossível quando sobrevêm circunstâncias que, de todo o modo, inviabilizariam o pedido, não em termos de procedência, pois então estar-se-ia no âmbito do mérito mas por razões conectadas com a não possibilidade adjetiva de lograr o objetivo pretendido com aquela ação, por já ter sido atingido por outro meio ou já não poder sê-lo (cfr. Prof. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado” III, 367, 373; Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, 1.º, 1999, 510 e seguintes). […]».

Ora, este entendimento do Tribunal “a quo” merece a nossa concordância, não vislumbrando nós como conceber um procedimento “ab initio” distinto, no processo executivo para prestação de facto fungível sem prazo fixado, caso o credor alegue ter havido cumprimento com defeitos que imputa aos devedores.

É que o devedor-executado tem o direito de discutir a perfeição da execução da prestação, e tendo o ónus da prova da realização dos trabalhos que executou, tem, depois, o direito de, antes de ver entregue essa tarefa a terceiro, executar, no prazo que for fixado, os trabalhos que se provarem terem sido efectuados defeituosamente, se alguns se apurarem nessas condições.

Embora versando situação que não se identifica totalmente com a do caso “sub judice”, não deixa de fazer sentido trazer à colação o que se referiu no Acórdão do STJ de 17/5/2012 (Revista nº 462-E/2000.P1.S), quando aí se diz: «[…] Sendo dada à execução sentença homologatória de transação celebrada em ação declaratória movida pelo dono da obra ao empreiteiro, complementada por relatório pericial/ arbitral em que se especificavam os defeitos da obra existentes nessa data e os procedimentos técnicos de reparação a adoptar pelo R. - vinculando-se as partes a aceitar tal relatório e o empreiteiro à remoção desses defeitos no prazo fixado – é no âmbito da própria oposição à execução que se irá determinar qual o estado efetivo das reparações efetivadas no imóvel até ao momento de instauração da execução para prestação de facto por terceiro e quais as que subsistem ainda a cargo do executado. […]».

Por outro lado, também expressa o entendimento que temos como correto aquele que foi seguido no Acórdão da Relação de Guimarães de 30/5/2018 (Apelação nº 429/14.7T8CHV-A.G1), aresto este onde, também focando a eliminação de defeitos na prestação de facto fungível, se pode ler, entre o mais3: «[…] Já sendo a obrigação exequenda uma prestação de facto positivo, de natureza fungível, dispõe aquele n.º 1 do art. 806º do CPC, que “se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação”.

Significa isto e antecipe-se, desde já (o que releva para efeitos de apreciação do segundo fundamento de recurso aduzido pelo apelante), que sendo a prestação exequenda de facto positivo fungível, como é o caso da obrigação exequenda nos autos, não sendo aquela prestada pelo executado dentro do prazo que para tanto lhe seja fixado, o exequente pode: a) optar entre a execução específica da prestação por outrem, acrescida da indemnização moratória a que tenha direito referente às consequências danosas que para ele decorram em consequência direta e necessária da demora no cumprimento da prestação, isto é, a indemnização pela mora, mas não pode requerer que lhe seja prestada sanção pecuniária compulsória dada a fungibilidade da prestação incumprida [...]; ou pode b) optar pela indemnização compensatória.

Precise-se que tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, a doutrina e a jurisprudências dominantes são no sentido que aquele art. 868º, n.º 1 do CPC., em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: a) a prestação da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora; b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC [...].

No caso presente é indiscutível que a prestação exequenda é uma prestação de facto positivo de natureza fungível, facto este que, aliás, não merece contestação por parte do apelante, o que, de resto, é manifesto, pelo que se trata de prestação que indubitavelmente poderá ser realizada por terceiro caso os executados não a cumpram.

De resto, conforme decorre do regime do n.º 1 do art. 767º do CC, onde se estatui que “a prestação pode ser feita pelo devedor como terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação”, a regra é a da fungibilidade da prestação, ainda que se trate de facto [...].

No entanto, conforme decorre do que se vem dizendo, o regime legal explanado pressupõe que a obrigação exequenda tenha prazo determinado no título executivo.

Quando a prestação exequenda de facto positivo (fungível ou infungível) ou negativo pressuponha tempo para a realização dessa prestação e esse prazo não se encontre fixado no título executivo, a ação executiva começa pelo preliminar da determinação desse prazo para a prestação voluntária da prestação exequenda.

Nesse caso, como é o presente, em que na sentença condenatória que serve de título executivo à presente execução, não se encontra fixado o prazo para os executados repararem/eliminarem os defeitos alegados, o exequente deverá indicar no requerimento executivo o prazo que reputa suficiente para que o facto seja prestado e requerer que o mesmo seja fixado judicialmente logo que os executados sejam citados para, no prazo de vinte dias, dizerem o que lhe oferecer quanto àquele prazo e/ou para, querendo, deduzirem oposição à execução (art. 874º do CPC).

Neste caso, a ação executiva começa pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade, cumprindo ao juiz, uma vez realizadas as diligência necessárias à fixação desse prazo, fixá-lo (n.º 1 do art. 875º do CPC), assistindo aos executados o direito a realizar a prestação dentro daquele prazo [...].

Fixado esse prazo, ou os executados cumprem com a prestação dentro do mesmo e finda a execução, ou caso não a cumpram e sendo a prestação incumprida de facto positivo de natureza fungível, segue-se o regime jurídico supra explanado enunciado nos arts. 868º a 873º do CPC (n.º 2 do art. 875º do CPC), o qual, como se disse, confere ao exequente o direito a optar: a) pelo cumprimento da prestação exequenda por terceiro (execução específica), acrescida da indemnização pela mora, isto é, pelos prejuízos que sofreu em consequência direta e necessária do atraso no cumprimento, isto é, no período que se estende desde ao termo do prazo fixado judicialmente para que aqueles prestassem a obrigação exequenda ao exequente e o momento temporal concreto em que esta acaba por lhe ser prestada pelo terceiro, a quem se recorreu para o efeito; ou b) pela indemnização pelos danos sofridos por ter ficado sem a prestação a que tinha direito.

Ora, no caso “sub judice”, a Exequente, no artº 102 da contestação aos embargos diz, de forma a não deixar dúvidas sobre o escopo pretendido com a execução: «[…] Por fim, diga-se em abono da verdade que a exequente actuou no exercício de um direito que legitimamente tem, no sentido de exigir através da presente execução o reembolso e ser compensada pelo montante que teve de despender com terceira pessoa, pela circunstância dos executados não terem cumprido com a obrigação a que estavam vinculados naquele acordo. […]». [...]

Daqui decorre, efetivamente, que, como se diz na sentença recorrida, a Exequente, “...não pretende a prestação de qualquer facto, mas ao invés ser reembolsada do montante que alega ter despendido com o cumprimento da prestação por essa terceira pessoa…” e assim sendo, “…não só impossibilitou que o processo siga os seus termos normais, com a fixação de prazo para a realização da prestação, como impediu que esta pudesse ser realizada pelos executados…”.

Daí que se concorde com a procedência da exceção dilatória inominada da impossibilidade originária da ação executiva e, em consequência, com a absolvição dos executados da instância.

De todo o modo, a mera circunstância de a Exequente ter pedido, “ab initio”, a prestação do facto por outrem, não formulando, ao invés disso, como era o seu ónus, o pedido de fixação de prazo para prestação do facto pelos executados – fixação essa necessária, pois que na decisão que se executa fixou-se apenas o prazo para o início da prestação e não o período de tempo em que esta deveria ser realizada –, acarretaria, conforme o que mais acima se referiu, a inexequibilidade da prestação e, consequentemente, também por essa via, seria se absolver os executados da instância, julgando esta extinta."


*3. [Comentário] Que há um vício processual é claro. O exequente devia ter requerido a fixação do prazo para o cumprimento da obrigação (art. 874.º, n.º 1, CPC), mas não o fez.

O que se pode discutir é a qualificação do vício. A 1.ª instância e a RC entendem tratar-se de uma excepção dilatória inominada. Tende-se para qualificar o vício como uma ineptidão do requerimento executivo, porque falta um pedido que dele devia constar (art. 186.º, n.º 2, al. a), CPC).

MTS