"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/06/2021

Jurisprudência 2020 (236)


Acordo de honorários;
laudo de honorários


1. O sumário de RL 15/12/2020 (83436/18.3YIPRT-A.L1-7) é o seguinte:

Deve ser revogado o despacho que indeferiu a realização de laudo de honorários de advogado com fundamento no (alegado) facto das partes terem convencionado o valor/hora de honorários porquanto:

i. Não são pacíficos os termos da alegada convenção nem se pode ter por adquirida a prova de tal convenção de honorários na medida em que é defensável que o acordo prévio sobre honorários de advogado está sujeito à forma escrita, e a redução a escrito desse acordo constitui uma formalidade ad substantiam;

ii. A articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados [atual Artigo 105º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9.9], concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efetivamente prestados, cobertos por essa convenção;

iii. «A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade.»


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O despacho impugnado firmou-se na asserção de que as partes fizeram uma convenção sobre o valor dos honorários, razão pela qual é dispensável o laudo de honorários. Não subscrevemos o raciocínio do tribunal a quo por várias ordens de razões.

Em primeiro lugar, não são pacíficos os termos da convenção nem se pode ter por adquirida a prova de tal convenção de honorários. Atentas as alegações do autor e do requerido, tudo indica que tal convenção terá sido meramente verbal.

Ora, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.6.2020, Diogo Ravara, 12197/18, o acordo prévio sobre honorários de advogado está sujeito à forma escrita, e a redução a escrito desse acordo constitui uma formalidade ad substantiam, razão pela qual o mesmo só pode provar-se por meio de documento ou por meio de prova de valor superior, nomeadamente confissão.

Mais aí se expende que:

«Quando a lei exige como forma de declaração negocial um documento escrito, este não pode ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior – art. 364.º, n.º 1 do C.C..

Não resulta claramente do n.º 2 do art. 100-º do EOA, que o documento ali exigido é apenas para prova da declaração das partes, funcionando como exceção prevista no n.º 2 do citado art. 364.º. A determinação da exceção – resulta claramente da lei que o documento é exigido apenas para a prova da declaração –, conduz-nos à interpretação da lei (art. 9.º do C.C.).

O ajuste prévio escrito obriga as partes a refletir sobre o conteúdo do negócio e a consequência dos seus atos, defendendo-as contra a sua ligeireza ou precipitação, permitindo uma formulação precisa e completa da vontade das partes.

O advogado tem interesse em fixar previamente os seus honorários, para no futuro, cessada a prestação da sua atividade, não debater com o cliente o valor e o pagamento dos mesmos. Por sua vez, o cliente orçamenta a despesa e é nesse pressuposto que contrata o advogado.

Contrariamente ao defendido no douto acórdão em análise, entendemos que, salvo melhor opinião em contrário, a exigência legal de documento para a convenção prévia (art. 100.º, n.º 2 do EOA) constitui elemento do contrato, isto é, formalidade ad substantiam, nos termos do art.º 364.º, n.º 1, do Cód. Civil.”

Reportando-se também à exigência da forma escrita, em termos que implicitamente parecem apontar para a sua qualificação como formalidade ad substantiam, vd. igualmente ac. RP 10-11-2015 (Fernando Samões), p. 7302/08.6TBMTS.P1.

Havendo que tomar posição, aderimos resolutamente à ultima tese descrita.

Na verdade, quer a letra do preceito em apreço (nº 2 do art. 67º do EOA), quer o seu espírito sustentam a conclusão de que a referência a acordo escrito traduz uma exigência de forma especial da declaração que configura uma formalidade ad substantiam.

Uma tal interpretação apoia-se em duas circunstâncias:

- Por um lado, trata-se de uma matéria que importa rodear de particulares cautelas, até por necessidade de segurança e certeza.

- Por outro lado, a prova testemunhal sempre se revestiria de dificuldades especiais, na medida em que muito dificilmente tal acordo seria presenciado por terceiros.

Nesta conformidade concluímos que o acordo sobre honorários a que se reporta o art. 67º, nº 2 do EOA está sujeito a forma escrita, e que tal exigência corresponde a uma formalidade ad substantiam, razão pela qual não pode provar-se por testemunhas – arts. 219º, 2ª parte, 220º, e 393º, nº 1 do CC.»

Em segundo lugar, mesmo que se logre provar tal convenção de honorários, daí não resulta – sem mais – que seja impertinente a formulação de laudo de honorários.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7.2.2012, Teles Pereira, 897/07, a articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados [atual Artigo 105º do EOA aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9.9], concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários pela Ordem, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efetivamente prestados, cobertos por essa convenção. Com efeito,

«Admitir o contrário corresponderia, em última análise, ao assumir da asserção de que a remuneração dos serviços de um advogado, os honorários deste, que o EOA diz deverem “corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados” (artigo 100º, nº 1 do EOA), poderiam, a coberto da “convenção prévia”, assumir, sem possibilidade de controlo técnico algum, carácter exorbitante, desproporcionado e sem qualquer correspondência nos serviços efetivamente prestados – não estamos, que isso fique bem claro, a formular qualquer juízo sobre os honorários aqui em causa, cujas incidências, por se referirem a outros processos, até desconhecemos.

Semelhante asserção interpretativa (a de que nunca seria possível controlar a adequação de honorários objeto de “convenção prévia”), sendo absurda – máxime, é absurdo dizer-se ou pretender-se que um advogado pode fixar previamente remunerações totalmente desadequadas aos serviços que virá a prestar [...] – damo-la por logicamente excluída, assente no que encaramos representar uma prova (se quisermos, um argumento interpretativo) por contradição ou assente na redução ao absurdo [...].»

Em terceiro lugar, nas expressivas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.4.2015, Oliveira Vasconcelos, 4538/09, «O laudo da Ordem dos Advogados está sujeito à livre apreciação do julgador. Para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. / A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade» (bold nosso). No mesmo sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13.2.2020, Tomé Carvalho, 4495/15.

De tudo o que fica dito infere-se que a realização do laudo de honorários é inteiramente pertinente, razão da procedência do recurso."


[MTS]