"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/06/2021

Jurisprudência 2020 (240)

Matéria de facto;
poderes da Relação; poderes do STJ


1. O sumário de STJ 16/12/2020 (4016/13.9TBVNG.P1.S3) é o seguinte:

I. A reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte da Relação, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica a reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de o tribunal de recurso formar a sua própria convicção em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

.II. O exercício desse poder-dever cognitivo é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual.

III. A análise crítica da prova exigida nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC não requer uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo probatório, mas tão só a especificação seletiva das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal.

IV. Nesse domínio, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.ºdo CPC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Dispõe o artigo 662.º. n.º 1, do CPC o seguinte:

A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Cabe assim ao Tribunal da Relação, ajuizar sobre o invocado erro de julgamento na valoração da prova livre sobre a matéria de facto que haja sido impugnada, em função da reapreciação dos meios probatórios convocados ou de que se mostrem relevantes.

E como é sabido, o exercício desse poder-dever cognitivo é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual.

Assim, no que respeita à reapreciação da decisão de facto, compete ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no n.º 4 do indicado artigo 607.º, mas já não imiscuir-se na valoração da prova feita, segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador, genericamente editado no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

É hoje jurisprudência seguida por este Supremo que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.

Importa, pois, no caso vertente, verificar se a Relação, na reapreciação feita sobre a impugnação deduzida pelo A./apelante mormente sobre o facto dado como provado no ponto 20 da sentença da 1.ª instância se pautou por tais diretrizes.

Debruçando-nos sobre a fundamentação do acórdão recorrido acima transcrita, dela se colhe que a Relação, tendo procedido à audição integral dos registos fonográficos, como ali se atesta, e ponderando a motivação dada pela 1.ª instância, formou a sua a própria convicção, ainda que condizente com aquela, mas alicerçada nos resultados dessa audição, salientando os aspetos específicos extraídos dos depoimentos prestados que se mostravam decisivos para uma tal convicção.

Ora, diversamente do que parece ser entendido pelo Recorrente, a análise crítica da prova exigida nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do CPC não requer uma exposição exaustiva e de pormenor argumentativo probatório, mas tão só a especificação seletiva das razões que, por via dessa análise crítica, se revelem decisivas para a formação da convicção do tribunal.

Nesta linha de entendimento, afigura-se que o tribunal a quo procedeu dentro de tais parâmetros balizadores, mormente no âmbito do facto dado como provado no ponto 20.

É legítimo ao Recorrente discordar da apreciação feita, mas, salvo o devido respeito, o que não se descortina é a existência de qualquer ilogicidade manifesta no quadro dessa apreciação nem de preterição do método utilizado nas suas linhas fundamentais, que cumpra aqui censurar, não cabendo a este tribunal de revista imiscuir-se na valoração dessa prova.

E quanto ao invocado erro de valoração das declarações confessórias, com fundamento em pretensa violação do artigo 358.º do CC, há que ter em conta que a respetiva eficácia probatória plena da confissão judicial só releva quando tal confissão se encontre reduzida a escrito, pois, não o sendo, é de livre apreciação pelo tribunal como decorre do disposto no n.º 4 daquele artigo.

De qualquer modo, a preterição dessa eficácia probatória plena, como erro de direito que é, só será de apreciar no caso de haver lugar a revista excecional mediante o levantamento do impedimento resultante da dupla conformidade decisória."

[MTS]