Execução: apoio judiciário;
custas; honorários*
I. O sumário de RE 14/1/2021 (2004/16.2T8LLE-C.E1) é o seguinte:
1 - Na execução em que é realizado o montante da quantia exequenda à custa do produto de uma penhora, as custas, onde se incluem os honorários e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2 – Idêntica solução se impõe quando a quantia exequenda é satisfeita com o valor da caução prestada em substituição de uma penhora, isto é, com vista ao levantamento da mesma.
II . Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"De acordo com o disposto no artigo 529.º, n.º 1, do CPC, as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do art. 529.º que as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.
O art. 533.º, n.º 1 do mesmo diploma normativo dispõe que «Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Judiciais»[1]. Este normativo remete para o disposto nos arts. 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Judicias.
O art. 25.º, n.ºs 1 e 4 do RCJ, inserido no capítulo Custas de Parte e sob a epígrafe Nota justificativa, dispõe o seguinte:
«1 – Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.2 – (…)3 – (…)4 – Na ação executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior».
Em face do disposto no art. 25.º, n.º 4, a responsabilidade do executado a liquidar abrange a quantia paga pelo exequente a título de encargos, de taxa de justiça, de despesas previamente suportadas pelo agente de execução, os honorários deste e os do mandatário.
No nº 2 do art. 533.º estão elencadas, a título meramente exemplificativo, as despesas compreendidas nas custas de parte, entre elas, os encargos efetivamente suportados pela parte e as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas.
Sobre a garantia de pagamento de custas, prevê o art. 541.º do CPC que:
«As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados».
No normativo citado está assim consagrado o princípio da precipuidade, o qual significa que, penhorados bens ao executado, sai do seu produto, em primeiro lugar, o valor necessário ao pagamento das custas relativas à execução. Ou seja, o património do executado garante em primeiro lugar, o crédito do Estado – custas processuais - e da parte com direito a reembolso de custas de parte. O que constitui um verdadeiro privilégio creditório – neste sentido, vd. Ac. RP de 11.05.2020, processo n.º 2835/13.5TBGDM-D.P1 [...].
Por sua vez, dispõe o art. 721.º, n.º 1, do CPC que:
«Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art. 541.º».
Também o artigo 45º, nº 2, da Portaria 282/2013, de 29 de agosto – diploma que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis - dispõe que:
«Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado».
Resulta assim do cotejo das normas supra citadas que no pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução a primeira regra é a da sua precipuidade (art. 541º) e no caso de aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, serão suportados pelo exequente (o qual, refira-se tem sempre de adiantar aqueles valores sob pena de a exceição não prosseguir), podendo este reclamá-los do executado.
Quid juris se o executado beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo? Deverá, ainda assim, o executado responder pela satisfação dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao seu pagamento?
Essa é a questão que se coloca no presente recurso e cuja resposta não se mostra pacífica na jurisprudência.
A posição que julgamos ser maioritária e que se mostra expressa, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.11.2020 [Processo n.º 500/09.7TBSRT.1.C1 [...], entende que ao executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução, seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (artigo 541.º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (artigo 721.º), não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (artigo 847.º).
Já em outros arestos, designadamente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.05.2020 supra referido se entendeu que numa execução em que é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorário e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sufragamos esta última posição.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido por força da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (art.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29.07).
O apoio judiciário constitui uma das vertentes em que se desdobra a proteção jurídica – a qual visa precisamente a concretização do direito de acesso ao direito e aos tribunais o qual tem consagração constitucional; art. 12.º da CR -, abrangendo o patrocínio judiciário e a assistência judiciária. Esta última pode traduzir-se na dispensa de taxa de justiça de demais encargos com o processo.
O princípio da precipuidade previsto no art. 541.º do CPC em nada contende com o direito de acesso ao direito e aos tribunais. Com efeito, quando se chega à venda executiva é porque não houve oposição à execução ou esta foi julgada improcedente, pelo que nesta fase do processo executivo já se sabe que o executado é o responsável final pelas custas do processo, pelo que o seu direito a defender-se no processo não é afetado pelo facto de o seu património responder pelas custas do processo executivo. Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, que o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com o processo visa garantir, já não será postergado pelo facto de se retirar do produto da venda dos bens penhorados os valores necessários ao pagamento das custas do processo.
Como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto acima citado, «se o direito do credor comum é satisfeito sem que tal inculque a ideia de que o devedor fica afetado na satisfação das suas necessidades básicas – o que é obviado através da regra da impenhorabilidade – artigos 737.º e 738.º do CPCivil – não faria sentido que o crédito do Estado, contrapartida da prestação de um serviço comunitário essencial, eivado de cariz eminentemente social, qual seja a administração da justiça, ficasse por satisfazer.
É que o artigo 541.º do CPCivil acaba por ser um mero reflexo do disposto nos artigos 738.º, nº 1 e 746.º do C. Civil, que estabelecem um privilégio creditório por despesas de justiça feitas para conservação, execução ou liquidação desses bens diretamente no interesse comum dos credores, como aqui acontece, o qual tem preferência sobre os demais privilégios ou outras garantias que onerem esses bens».
Por conseguinte, mesmo que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade acima mencionada, o produto da venda dos bens que lhe foram penhorados no âmbito da execução não deixarão de responder pelas custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução.
O caso concreto tem uma variante: o valor depositado nos autos não resulta apenas da realização de uma penhora mas também de uma caução prestada pela executada através de depósito bancário à ordem do agente de execução em substituição da penhora sobre um imóvel, ao abrigo do disposto no art. 751.º, n.º 8, do CPC (com efeito, nos autos, encontra-se depositado o montante global de € 36.604,67, do qual € 1.231,37 é fruto de penhora e o remanescente é fruto da prestação de caução).
Ao depósito da quantia de € 35.373,30 (valor da caução prestada pela executada) há, todavia, que aplicar o regime previsto no artigo 541.º do CPC, na medida em que o mesmo se destinou a substituir a penhora de um imóvel da executada. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 650.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 733.º, n.º 6, do mesmo diploma normativo, a caução só pode ser libertada se o executado provar que pagou a obrigação exequenda, no prazo ali referido; não o provando, o montante prestado a título de caução é utilizado para satisfação da quantia exequenda. Quer isto dizer que o valor depositado a título de caução responde pela satisfação da quantia exequenda tal qual o valor resultante da venda do(s) bem penhorado que a caução visou substituir."
*III. [Comentário] Embora se trate de uma matéria sempre duvidosa, há que considerar, na apreciação do caso sub iudice, o disposto no art. 4.º, n.º 7, RCP, segundo o qual "com excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará". O preceito mostra que, tendo sido concedido apoio judiciário, o beneficiário goza de isenção do pagamento de custas de parte. É também este o sentido da pronúncia de TC 22/4/2020 (233/2020).
MTS
[Comentário actualizado em 25/6/2021]